Por Elisa Marconi e Francisco Bicudo*
Pesquisadores, autoridades públicas, organizações não-governamentais e movimentos sociais preparam a pauta de discussões para a principal conferência mundial sobre o meio ambiente
Duas décadas depois, o Rio de Janeiro volta a sediar o maior e mais relevante encontro global para discutir o meio ambiente. Desde a primeira edição do evento, houve ajustes importantes no foco dos debates. Se em 1992 as conversas tratavam essencialmente da preservação da natureza em sentido mais específico e restrito (fauna, flora e clima, por exemplo), atualmente o olhar predominante inclui nesse cenário o ser humano e a relação que ele estabelece com os diferentes ambientes (seja a floresta, seja a metrópole), além dos impactos sociais de nossas atividades econômicas.
E, a partir desse novo cenário, diferentes discussões também são contempladas: os conceitos de qualidade de vida e sustentabilidade, a economia verde, sustentável e justa, que – ao mesmo tempo – protege a natureza e incentiva o desenvolvimento das sociedades, o aquecimento global, as energias limpas e o futuro do pré-sal.
A geógrafa Tania Bacelar, uma das principais interlocutoras da academia e da sociedade civil na luta pelo meio ambiente, adianta que, no estágio em que nos encontramos, o trabalho do professor na sala de aula fará a diferença. “Apenas se conseguirmos aumentar o grau de consciência das pessoas vamos conseguir resultados mais efetivos na relação homem-natureza, ou seja, na vida aqui no planeta”.
A Revista GIZ entrevistou com exclusividade a professora do Departamento de Ciências Geográficas da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Você acompanha a seguir os melhores trechos dessa conversa.
Leia ao lado a entrevista com Tania Bacelar ►
◄Confira também o artigo de Fernando Gabeira sobre a Rio+20 e Educação
◄Além disso, saiba mais sobre o ciclo de palestras do SINPRO-SP
►Leia também o artigo do O Eco e entenda melhor a conferencia
Documentos e textos importantes para entender e discutir Rio+20 em sala de aula:
►Esboço Zero – O futuro que queremos
Como o próprio nome diz é o um esboço do documento final da Rio+20, foi assinado por todos os países que membros da ONU
►Documento de Contribuição Brasileira à Conferência Rio+20
Exatamente como sugere o nome é o documento assinado pelo governo brasileiro que trata da nossa contribuição durante o processo preparatório da Rio+20
►Decreto No 7.495, de 7 de junho de 2011
Cria e explica a Comissão Nacional para a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável e o Comitê Nacional de Organização da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável e a Assessoria Extraordinária para a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, que é um órgão de assistência direta da ministra Ministério do Meio Ambiente.
►Portaria Interministerial No. 217, de 17 de junho de 2011
Trata do o processo de escolha das instituições representantes, comissões representativas de órgãos estaduais e municipais relacionados ao meio ambiente e da Comissão Nacional para a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável.
GIZ – A RIO+20 acontece agora em junho e todos os grupos que lidam com meio ambiente estão se organizando para o debate. Qual a sua expectativa para o evento?
Tania Bacelar – Eu sou meio pessimista com o encontro. O momento mundial que vivemos, com a crise econômica global, é bastante desfavorável para a discussão a respeito do meio ambiente. Isso porque todo o debate sobre economia é puxado para o urgente, precisa ter soluções para já. E a discussão que trata da vida, do meio ambiente, da relação homem-natureza, que é o tema da Rio+20, sempre olha para o futuro. Aí, entre a sobrevivência imediata e a discussão sobre o futuro, as pessoas sempre vão preferir olhar para o presente. É uma triste coincidência ter essa crise global muito profunda que atinge os maiores países do mundo bem durante o evento, mas é o que temos. Aqueles países que têm mais responsabilidade nos problemas ambientais – também sérios – estão afetados pela crise econômica, com desemprego elevadíssimo, desmontando os direitos sociais, etc… Então, o contexto é desfavorável. Mas não dava mais para adiar as discussões sobre o futuro, porque essa crise – que rouba nossa atenção agora – não vai passar tão rápido, vai demorar.
Mas se não dá para adiar, qual é o debate que a rio+20 vai propor?
A principal discussão é sobre a relação sociedade-natureza. O padrão de relacionamento entre as sociedades humanas e a natureza nos últimos séculos é muito predatório e ele agora está cobrando os resultados. E de certa forma a crise econômica também envolve a crise ambiental, essa crise atual denuncia exatamente que o padrão não é sustentável. Está aí o aquecimento global, com suas consequências perversas para a vida das pessoas, que não deixa a gente esquecer o assunto. A gente sente na pele o aumento do calor, da chuva, dos desastres naturais que implicam tragédias humanas. São sinais de que temos de pensar em outro padrão. E aí entram dois debates importantes: o padrão de produção e o padrão de consumo – ligados diretamente à crise econômica global e à falta de atenção e de cuidado com o meio ambiente. Produzir é o que faz a economia girar, então é preciso produzir, mas sabendo usar a natureza, sabendo como ela funciona e como não exauri-la. A natureza deve ser parceira do processo de produção e não apenas fonte de recursos. Aí, nesse caso, a pergunta que se deve fazer é como usar a natureza com inteligência para atender a essas necessidades. Quem resolve, em geral, essa equação é a tecnologia. O avanço do conhecimento sobre a dinâmica da natureza e a aplicação disso no processo produtivo. Trata-se, portanto, de trabalhar com inteligência. A outra discussão é sobre o consumo, o que as pessoas consomem. O aquecimento global diz exatamente que esse padrão de consumo adotado principalmente no século 20 é insustentável, primeiro porque desperdiça muito a natureza, segundo porque é exagerado e produz uma série de mazelas, da obesidade ao acúmulo de lixo, por exemplo. E essa é uma dimensão muito difícil de trabalhar, porque mexe com a dinâmica psicossocial, com o sonho das pessoas, com a vida cotidiana mesmo. Todo brasileiro sonha em ter um carro e isso é absolutamente insustentável, temos de trabalhar justamente na outra direção, a do transporte coletivo que reduza o trânsito e garanta a permanência com a família, o espaço para o lazer. O “american way of life”, ou o modo de viver americano, se for exportado para o mundo todo, a Terra não aguenta. Se cada chinês decidir ter um carro próprio, 1 bilhão e 300 milhões de pessoas, não vai ter rua suficiente no planeta para eles andarem. Então é totalmente insustentável. A gente só tem um planeta. Mas veja, é possível outro padrão de consumo, desta vez sustentável, que atenda às necessidades, sem prejuízo para o entorno. Essa é a discussão. A gente não pode desperdiçar tanto. Comprar um lanche tem de ser uma ação para se alimentar e não para produzir lixo, embalagens que não podem ser reaproveitadas. O objetivo não é se alimentar? A gente deve se restringir a isso. O resto é marketing.
Do eco-92 até a rio+20, passando pela rio+10 que foi em johanesburgo, o foco da discussão e os conceitos de meio ambiente e de sustentabilidade foram se transformando. como a senhora avalia essa mudança?
Tem a ver com a vida, na verdade. O que os participantes foram entendendo é que o que atinge a natureza atinge em cheio a vida das pessoas, seja na cidade, seja no campo. Essa percepção foi se aprofundando. Essas grandes catástrofes recentes dão exatamente esse recado: os agrupamentos humanos não ficam separados dessas mudanças, são atingidos diretamente.
Mas a discussão principal dá conta dessa percepção?
Eu vi o documento norteador do encontro e ele é muito vago. Não tem propostas concretas, é muito genérico. A gente não pode ser criança de imaginar que não existam interesses econômicos poderosos por trás do modelo que vem sendo adotado. Alguém ganha com esse modelo que devasta tanto o meio ambiente. E eles ficam tentando dar uma sobrevida a esse modelo que está aí, mesmo que todo mundo saiba que ele não é sustentável, mas tem atores muito poderosos a quem interessa manter o relacionamento como é hoje. Eles têm força para impedir que o documento avance. A gente vê um documento que não vai nos pontos essenciais e nem propõe nada. Então em relação ao documento que deve sair do Rio+20 eu sou pessimista, tende a sair algo sem muito impacto. Por isso é que será muito interessante o fórum popular que acontecerá em paralelo ao Rio+20, porque nele os atores sociais mais comprometidos com a mudança estarão debatendo e discutindo ações factíveis. Vai mais fundo nas questões, porque não tem os interesses econômicos. Espero que sejam contundentes com as propostas, para que venham a público e gerem algum contraponto ao que vai sair da reunião oficial.
E como o professor pode participar dessa discussão toda?
Eu sou professora e acho que nosso papel é exatamente esse: levar para a sala de aula. Os professores podem estimular pesquisas, conhecer e discutir o documento da ONU que norteará as discussões. Sempre que possível, salientar a relação sociedade-natureza (através dos tempos, através dos números, das consequências)… Cada uma das disciplinas pode mergulhar nessa discussão e estimular que os alunos e as escolas tenham visão crítica e se posicionem. O Brasil não sediou a primeira conferência e essa agora à toa. O Brasil é uma fronteira de recursos e isso é um patrimônio importantíssimo. A sociedade brasileira não tem noção da riqueza desse patrimônio num mundo em que esses recursos já são escassos. A China é rica, cresce a passos largos, mas não tem água para a sua população e já sofre com a escassez de outros recursos da natureza, por exemplo. O Brasil tem possibilidades imensas, mas isso precisa ser conhecido e acho que o lugar para se apresentar tudo isso é a sala de aula. É nela que se aprende que podemos usar os recursos, desde que com inteligência, sem exaurir a fonte, não desperdiçando nada. A sala é o lugar de criar visão crítica, de proposição. E os professores também são modelos para os alunos. O que eles dizem pesa na reflexão dos estudantes e o que eles não dizem, também. Ou seja, o professor ali na frente pode ser um catalizador de mudanças. Há muito material disponível, cada disciplina pode se apropriar dessa discussão e trazer o assunto para as aulas. Tenho certeza de que esse será um avanço fundamental.
Outro canal importante de discussão é a imprensa e a mídia. como a senhora avalia a cobertura que vem sendo feita sobre a rio+20?
A grande imprensa é aliada dos poderosos e trata o assunto na margem, como se fosse uma discussão de eco-chatos. Ainda não vencemos essa etapa aqui no país. E, sendo tratado assim, o pessoal tem de ser chato mesmo, para fazer barulho e provocar a discussão, trazer à tona. Outra discussão que ficou medíocre foi a do Pré-Sal. Tudo se limita aos royaltes que serão ou não conquistados por esse ou aquele estado. E a discussão – na verdade – é muito mais profunda, porque o país vai se transformar numa potencia petroleira e isso tem uma série de implicações. Primeiro, a sociedade precisa entender que descobrir esses campos enormes de petróleo significa dar uma sobrevida maior a um modelo de queima de energia fóssil que está sendo ultrapassado. Essa trajetória está se acabando e há outra em curso, a da energia limpa. E já temos hoje a matriz mais limpa do mundo: hidrelétrica, etanol, eólica e solar, respeitando a diversidade regional brasileira. No caso do álcool-combustível já temos tudo o que precisamos: a produção, o modelo econômico, solo apropriado, rede de distribuição, enfim… O Pré-Sal não será a panaceia de nossos problemas. O debate que tem de ser aplicado começa com o entendimento que o petróleo não é um bom recurso, porque é caro, polui, suja o planeta. Por isso, o Pré-Sal será uma grande ajuda, mas se soubermos aplicar seus recursos na criação de outro modelo, sustentável e limpo, mais em dia com o equilíbrio do planeta. No início se dizia que os recursos obtidos com o petróleo iriam todos para a educação. Hoje a lei aponta tantas prioridades que, no final, não teremos nenhuma. Se me perguntassem, eu usaria o Pré-Sal para fazer a revolução da educação e garantir formação de qualidade para alunos e professores, de forma a conseguir consciência e conhecimento para um modelo mais sustentável de consumo e produção. Investiria em pesquisa, produzindo Ciência e Tecnologia para gerir os recursos naturais.
faltou uma discussão sobre a relação impactante entre a produção de biocombustíveis e a segurança alimentar, do jeito que foi respondido o etanol parece uma solução viável, mas muito provavelmente o aumento de 25% nos preços de alguns alimentos básicos seja reflexo das commodities (monocultura) , eu mesmo nunca jantei um prato de soja.