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Luiz Antonio Barbagli, presidente do SinproSP

Pressionado pelo teto de gastos – aprovado também durante a presidência de Michel Temer e defendido com convicção pela atual equipe econômica –, com um orçamento estrangulado e sem capacidade de investimentos para o ano que vem, o atual governo ensaia manobras que penalizam ainda mais a população já duramente castigada pelas reformas trabalhista e previdenciária. O Ministério da Economia sugere acabar com a política de reajuste obrigatório do salário-mínimo, abrindo espaço para congelar os valores pagos, de acordo com os humores e demandas do governo, pelo tempo que julgasse necessário. Os impactos negativos sobre os orçamentos domésticos de milhões de brasileiros seriam imensos, com as despesas (luz, água, aluguel, alimentação, transportes) continuando a subir, mas com o salário sem reajustes nem ganhos reais. Vale lembrar que é a política do salário-mínimo quem também regula benefícios da Previdência Social – ou seja, o estrago atingiria também aposentados e pensionistas.

Foi justamente a política que garantiu ganhos reais ao salário-mínimo nos últimos anos uma das responsáveis por viabilizar o crescimento econômico do país e, principalmente, a ascensão das chamadas novas classes médias e a redução das desigualdades sociais. “O salário mínimo, atualmente, está próximo a mil reais; se ele atinge 25% do eleitorado, tem um peso grande no funcionamento da economia, e este sim, não só apenas tira as pessoas da pobreza, como tem impacto sobre a desigualdade”, confirma Marta Arretche, professora de Ciência Política da Universidade de São Paulo (USP) e diretora do Centro de Estudos da Metrópole, em entrevista ao Instituto Humanitas Unisinos.

Não satisfeito, no desespero para conseguir aumentar suas receitas, o governo aprovou recentemente uma lei que estabelece a cobrança de impostos sobre valores recebidos pelos trabalhadores (férias, décimo terceiro e horas-extras) quando são firmados acordos trabalhistas. A intenção é arrecadar vinte bilhões de reais, em dez anos. A ideia de desonerar a folha de pagamentos das empresas, tentada durante a reforma previdenciária (e negada pelo Congresso), continua sendo também uma obsessão da equipe econômica. Paulo Guedes já avisou: na “redistribuição das tarefas entre os entes federativos”, gastos constitucionais obrigatórios da União com Educação e Saúde estarão com os dias contados. A entrega das universidades federais e do Sistema Único de Saúde ao setor privado é outra das perversas obsessões do atual governo.

A reforma tributária defendida pela equipe econômica ensaia ainda o retorno da CPMF, imposto sobre movimentações financeiras. A engenharia segue o mesmo princípio já apresentado aqui: seria mais um mecanismo para aliviar os caixas das grandes empresas, eliminando impostos sobre folha de pagamentos (compensando o que não foi possível com as mudanças na Previdência), sem prejudicar o caixa do governo, já que estariam apertando mais uma vez o garrote sobre os orçamentos das famílias mais pobres e das classes médias. Aliás, sobre a reforma tributária que deve desembarcar em breve no Congresso Nacional, será que o governo está disposto a debater um sistema tributário que efetive verdadeira justiça social? Aceita incluir nesse processo taxação de grandes fortunas, impostos sobre os lucros exorbitantes dos bancos? Perguntar não ofende.

O que ofende e causa indignação é a distância abissal e indecente que separa pobres e ricos no Brasil. De acordo com o IBGE, “o rendimento médio mensal de trabalho da população 1% mais rica foi quase 34 vezes maior que da metade mais pobre em 2018. Enquanto a parcela de maior renda arrecadou R$ 27.744 por mês, em média, os 50% menos favorecidos ganharam R$ 820”.

As propostas de emendas constitucionais recentemente encaminhadas ao Congresso Nacional – que, segundo Paulo Guedes, pretendem “atacar o déficit fiscal e refundar o Estado brasileiro” – implodem a perspectiva de unidade federativa e praticamente isentam a União de investir em políticas públicas de natureza social. É a lógica do ‘salve-se quem puder’, segundo análise publicada por Esther Dweck, professora do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), na ‘Folha de São Paulo’. “Ao “desobrigar” o governo federal de suas funções enquanto agente redutor das desigualdades regionais, promove-se o abandono dos entes federados. Por trás da ideia de “desindexar” e “desvincular”, está prenunciando o fim da valorização real do salário mínimo, a redução efetiva dos gastos em saúde e educação, bem como o sucateamento dos serviços públicos, com o possível corte de até 25% na jornada de médicos, professores e policiais”, destaca o texto.

Em sua fúria insaciável para agradar o mercado e garantir ainda mais benefícios para as empresas, o governo pretende, via medida provisória, criar o programa ‘Carteira Verde e Amarela’. Trata-se de mais um perverso engodo. O discurso da equipe econômica: “criar empregos para jovens”. A realidade: outra minirreforma trabalhista, que insiste em anular e precarizar direitos, presenteia empresas com isenção sobre contribuições previdenciárias, libera o trabalho aos domingos para todos os trabalhadores, reduz multas para empresas que desrespeitam a lei e chega ao requinte de crueldade de taxar o seguro-desemprego para supostamente incentivar a criação de empregos.

Para o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), “a medida provisória segue a inspiração ultraliberal e de desmonte de direitos do governo Bolsonaro e do ministro da Economia, Paulo Guedes: redução do papel do Estado na economia; desregulamentação e supressão de direitos; fortalecimento da esfera privada em detrimento da pública e da ação do indivíduo em detrimento da ação coletiva. É importante destacar que a MP apresentada está em desacordo com o preconizado pela Convenção 144 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), que determina o diálogo tripartite efetivo para alteração das normas trabalhistas. E o Estado brasileiro já havia sido incluído na lista dos países que não cumprem as recomendações da Organização por essa mesma razão, na reforma trabalhista de 2017”.

Se o país continuar navegando nessa direção, apostando num modelo econômico de privilégios e gerador de profundas e insustentáveis fraturas sociais, o encontro com o precipício será inevitável. Pode demorar pouco menos, pouco mais, mas a bomba-relógio alimentada pelo desemprego, pela perda de direitos, pelo abandono e pela falta de perspectiva de futuro irá explodir. O Chile que o diga. É preciso com urgência virar a chavinha, recalibrar o sentido da bússola, para construir e viabilizar um projeto nacional consistente e solidário, humanista, capaz de combinar o crescimento econômico com a justiça social, acolhendo principalmente os que mais necessitam de políticas públicas e da atuação e proteção do Estado.

O ministro da Economia sabe que essas reformas todas que ele defende só serão viabilizadas com repressão e um Estado autoritário. Por essa razão, numa fala perigosa e inaceitável, ameaçou a sociedade brasileira com um “novo AI5”, em evento realizado em Washington, nos Estados Unidos. O neoliberalismo é irmão gêmeo das ditaduras. O Chile também conhece bem essa história.


Leia também os dois primeiros artigos da série

► Capítulo 1

► Capítulo 2 

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