(*) Luiz Antonio Barbagli, presidente do SinproSP
Vendida pela propaganda governamental como a panaceia redentora capaz de eliminar os “privilégios das aposentadorias”, a reforma da Previdência enterra por completo o sistema de seguridade social idealizado pelos constituintes, em 1988, e impõe uma série de barreiras que pretendem reduzir ao máximo a possibilidade de acesso aos benefícios. Pelas novas regras aprovadas, trabalhadores vão contribuir mais (aumento das alíquotas mensais) e por mais tempo (idade mínima); ao final, caso consigam dar conta das exigências impostas, numa verdadeira corrida de obstáculos e contra o tempo, terão acesso a aposentadorias com valores arrochados e menores em relação ao que se paga atualmente, por conta das novidades também perversas nas regras de cálculo dos benefícios.
Além disso, é fundamental ligar os pontos das reformas trabalhista e previdenciária: como imaginar que, num mercado desregrado e precarizado, sobrevivendo de trabalhos informais, sem registro em carteira, o trabalhador conseguirá alcançar e comprovar tempo de contribuição para se aposentar? A ‘economia’ de 800 bilhões de reais em dez anos (essa é a previsão feita pelo governo, depois da aprovação da emenda constitucional pelo Congresso), comemorada com entusiasmo pelo Ministério da Economia, virá justamente dos ataques ao Regime Geral da Previdência Social,do arrocho dos benefícios daqueles que recebem, na ativa, entre 1,5 e 2 salários-mínimos.
Se tudo correr bem, sem alteração de humores econômicos e caso a atual base de contribuição seja mantida, e a considerar ainda corretos os cálculos oficiais (há controvérsias), o governo teria 80 bilhões de reais extras ao ano, em média, até 2029. Para que se possa comparar e ter a dimensão mais precisa do que esse montante significa: estudo publicado no início de outubro pelo Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional revela que a sonegação de impostos faz o Brasil perder 500 bilhões de reais ao ano. Não é preciso ser doutor em Matemática: estrangulando as aposentadorias dos mais pobres, o governo arruma 80 bilhões de reais por ano; se apenas cumprisse sua obrigação de cobrar as dívidas de quem não paga impostos, teria 500 bilhões de reais por ano.
Quem são mesmo os grandes sonegadores do país?
Vale lembrar que o governo ainda não desistiu da proposta da capitalização, ou seja, pretende aguardar o momento politicamente mais adequado para entregar toda a administração dos cobiçados recursos da Previdência para… os bancos. São dados oficiais divulgados pelo Banco Central em outubro: entre julho de 2018 e junho de 2019, período de apenas um ano, os bancos brasileiros (privados e públicos, conjunto da obra) tiveram lucros de 109 bilhões de reais.
Quem vai ganhar ainda mais com a reforma?
“A reforma trabalhista já era anticrescimento, porque cria empregos precários e subempregos, os salários e as rendas são rebaixados e o poder de compra e consumo cai. É mesmo um contrassenso, porque produz um capitalismo sem consumidores. E se o cidadão não compra, o país não cresce. (…) A Previdência reformada não vai – anote – não vai gerar emprego. Vai tirar, insisto, um trilhão de circulação, dinheiro que hoje serve ao trabalhador, consumidor e que vai desaparecer de circulação”, alerta Eduardo Fagnani, economista e professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em entrevista à revista GIZ, do SinproSP.
Quem vai pagar a conta da reforma?
A resposta não é difícil. Basta olhar para as ruas do Chile.
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