Por Edson Sardinha, do Congresso em Foco*
Com a experiência de quem acompanha de perto o Parlamento há mais de 30 anos, o diretor de Documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), Antônio Augusto de Queiroz, prevê que setores da esquerda que pressionaram pela saída de Joaquim Levy do Ministério da Fazenda terão saudade dele. Para o analista político, por ser afinado com o PT, Nelson Barbosa tende a emplacar propostas de ajuste fiscal que Levy não conseguiria, como as reformas trabalhista e da Previdência.
“Uma mesma pauta – que, conduzida por Levy, enfrentaria resistência do PT – terá muito mais chances de avançar com Nelson Barbosa. Setores da esquerda vão sentir saudade de Levy, porque ele não seria eficaz na retirada de direitos”, avalia.
Nesta entrevista ao Congresso em Foco, Antônio Augusto diz que o ano legislativo, que começa oficialmente nesta terça-feira (2), será complicado para o governo, com calendário curto, em razão do período eleitoral e das Olimpíadas, instabilidade política e pauta polêmica para aprovar.
Para ele, ainda assim, o cenário é mais favorável ao Planalto em relação ao que se apresentava em 2015. O principal obstáculo a ser afastado, observa, é o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). “É possível afastar todos esses obstáculos em 2016. A dúvida é se será rápido o suficiente para aprovar a agenda prioritária do governo”, afirma o diretor do Diap.
Veja a entrevista de Antônio Augusto Queiroz:
Congresso em Foco – O que marcou 2015 e o que marcará 2016?
Antônio Augusto de Queiroz – O ano de 2016 será de transição, enquanto o de 2015 foi marcado pela instabilidade política e pela crise econômica. Do ponto de vista político, 2015 foi marcado pelo rompimento do presidente da Câmara com o governo, as investigações da Lava Jato, pelas disputas em torno das pedalas fiscais, pelo pedido impeachment da presidente, pelas manobras na abertura do processo de cassação contra o presidente da Câmara, pela prisão do então líder do governo no Senado, Delcídio do Amaral, entre outros fatos relacionados à Lava Jato. Já 2016, que só começará após o Carnaval – e terá as Olimpíadas e a eleição municipal pela frente – será um ano de transição. O resultado dependerá do embate em torno de três temas imbricados: processo de impeachment, desdobramento da crise econômica, e desfecho final da Lava Jato.
Mas o que esperar de 2016, considerando a conjuntura atual?
Será um ano de transição para a retomada do crescimento econômico e o equilíbrio das contas públicas, com a conclusão das investigações no âmbito da Lava Jato e também dos processos de impeachment da presidente da República e de cassação de parlamentares, como o presidente da Câmara e do ex-líder do governo no Senado.
Do ponto de vista legislativo será um ano tranquilo?
Não, por três razões. A primeira é que 2016 vai ser um ano curto, do ponto de vista legislativo, muito parecido com 2014. Naquele ano houve Copa do Mundo e eleições gerais. Neste, que só começa para valer depois do Carnaval, terá Olimpíada e eleição municipal. A diferença é que, em 2014, a crise econômica foi abafada pelas políticas anticíclicas e não havia uma crise política da dimensão da atual. O tempo útil para votar será menor que em 2015, por exemplo.
Qual é a segunda razão?
A segunda é que a superação da crise política depende de decisões rápidas do Legislativo e do próprio Judiciário relativas ao processo de impeachment e ao eventual afastamento do presidente da Câmara, além da denúncia de parlamentares envolvidos na Lava Jato. A terceira é porque a pauta é muito polêmica e requer, em sua maioria, mudança na Constituição, como CPMI, DRU, ICMS, PIS/Cofins, MPs 692 e 694, reforma da previdência etc.
Que outros temas políticos precisam ser resolvidos pelo Congresso neste início de ano?
A composição da comissão do impeachment, a escolha dos líderes partidários, especialmente do PMDB, e a eleição dos presidentes de comissões permanentes da Câmara. Além disso, está prevista, talvez já a partir de fevereiro, uma janela partidária, que permitirá a mudança de partido sem perda de mandato durante dias após a promulgação da PEC 113, além da janela partidária prevista na lei eleitoral, que autoriza, de forma permanente, a troca de partido sem perda de mandato nos sete meses que antecede a eleição do ano de encerramento do mandato.
Que desfecho se espera para o processo de impeachment?
De arquivamento, já na Câmara. Três fatores contribuem para essa tendência. O primeiro foi o modo como o presidente da Câmara manipulou esse processo em seu favor, como uma espécie de acerto de contas com o governo, que teria incluído seu nome na Lava Jato. Cunha planejou o momento mais adequado para despachar e acatar o pedido de impeachment. E isso, juntamente com a avalanche de denúncia contra o presidente da Câmara, inclusive com o pedido de seu afastamento da Casa e do mandato, deslegitimou o processo.
Houve chantagem?
Ele despachou duas dezenas de outros pedidos de impeachment e reservou esse para utilizar como elemento de chantagem. Depois, deu o despacho no momento em que estava em votação no Congresso a meta fiscal, que esvaziaria a fundamentação técnica do pedido. Sessão, aliás, em que ele fez de tudo para que não desse quórum. Esse despacho foi feito logo depois de ele saber que os três deputados do PT votariam contra ele no Conselho de Ética. Com isso, Cunha se antecipou a um eventual pedido de afastamento ou até mesmo de prisão pelo Ministério Público, para constranger o procurador, a quem acusa de estar a serviço do governo. O segundo foi a própria aprovação pelo Congresso da mudança da meta fiscal, que retirou o principal fundamento técnico do pedido de impeachment pelas pedalas de 2015. O terceiro e talvez mais importante foi a decisão do STF, que determinou: a composição de nova comissão para apreciar o processo de impeachment, o fim das candidaturas avulsas, cabendo aos líderes promover a indicação; a votação aberta para eleição da comissão, e que o Sendo precisa decidir, em votação por maioria simples, se aceita ou não o processo proposto pela Câmara.
Mesmo com um eventual arquivamento do pedido de impeachment no Congresso, a decisão do TSE ou a rejeição das contas de 2014 pode levar a presidente a perder o mandato?
Muito pouco provável. Em relação ao TSE não é possível cassar apenas a presidente, teria que cassar toda a chapa, que inclui também o vice-presidente Michel Temer. Um tribunal político como TSE dificilmente conseguirá cassar a presidente e o vice-presidente, que pertencem ao PMDB e PT, os dois maiores partidos do Congresso Nacional. Além disso, ainda caberia recurso ao STF. Em relação às contas de 2014, igualmente, não vejo risco de rejeição, já que o relator deu parecer pela aprovação com ressalvas na Comissão Mista de Orçamento e isso não seria suficiente para ensejar a cassação por crime de responsabilidade. Se for cassar a presidente por isso, terá que cassar todos os governadores e prefeitos, pois todo, de algum modo, deram pedaladas fiscais.
Na eleição para líder do PMDB, o candidato de Eduardo Cunha pode sair vencedor?
É improvável, embora em política tudo seja possível. Se Hugo Motta (PB), candidato de Eduardo Cunha, derrotar o atual líder, Leonardo Picciani (RJ), significará uma grande derrota do governo federal e poderá até reacender o processo de impeachment. Essa hipótese é pouco provável porque, embora os coordenadores políticos do governo neguem, Picciani conta com o apoio do governo federal, do governador e do prefeito do Rio de Janeiro. Ele ainda dispõe de dois e poderá contar com três ministros em sua quota, além do apoio de ex-adversários na disputa pela liderança, como Leonardo Quintão e de Newton Cardoso Junior, ambos de Minas Gerais.
O senhor acredita no afastamento de Eduardo Cunha da Presidência da Câmara antes da conclusão do mandato?
Sim. Ele perdeu a legitimidade e não dispõe mais de condições para permanecer presidindo os trabalhos da Casa. A abertura do processo de cassação no Conselho de Ética, a denúncia do Ministério Público e o pedido ao STF para que seja afastado do mandato e da presidência da Câmara são indícios fortes de que ele está fazendo uso do cargo para evitar as investigações da Lava Jato e da Câmara em relação ao processo de cassação de seu mandato por quebra de decoro parlamentar.
Com a eventual saída de Cunha que tipo de agenda perde força?
Sem dúvida nenhuma, a agenda conservadora patrocinada pelas bancadas ruralistas, da segurança e evangélica. Temas como o Estatuto da Família, o desmonte do Estatuto do Desarmamento, a ampliação da maioridade penal, as restrições aos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres, entre outros. Por outro lado, a agenda trabalhista e previdenciária tende a ganhar força, inclusive pressionada pela crise econômica e pela necessidade de ajuste fiscal. O ajuste pode ser feito na receita ou na despesa ou, ainda, em ambos, mas o provável é que Dilma escolha como variável do ajuste o assalariado, que é a parte mais fraca nessa relação. Além disso, haverá um enorme alívio para os temas de interesse do governo, que têm sido boicotados deliberadamente pelo atual presidente da Câmara.
Então o governo está numa situação melhor, do ponto de vista da relação política, do que em 2015?
Sim. É possível afastar todos esses obstáculos em 2016. A dúvida é se será rápido o suficiente para aprovar a agenda prioritária do governo, que é polêmica e complexa, como a CPMF, a DRU, as mudanças no ICMS etc., além de ser considerada indispensável para a retomada do crescimento econômica. Se demorar muito – e a permanência de Eduardo Cunha na presidência da Câmara será determinante para isto –, o governo pode até debelar a crise política, mas o atraso terá contribuído para agravar a crise econômica.
A substituição de Joaquim Levy por Nelson Barbosa no Ministério da Fazenda fortalece a presidente?
A troca de Joaquim Levy por Nelson Barbosa foi conveniente para grupos mais à esquerda. Mas o novo ministro será mais efetivo no resultado. Uma mesma pauta – que, conduzida por Levy, enfrentaria resistência do PT – terá muito mais chances de avançar com Nelson Barbosa. Setores da esquerda vão sentir saudade de Levy, porque ele não seria eficaz na retirada de direitos. Com Barbosa, o grau de confiança é tal que dá legitimidade a essa proposta. Com os setores mais à esquerda, ele vai fazer um discurso mais retórico. Pode até propor tributar grandes fortunas ou imposto de herança, mas não vai passar. Mas a flexibilização das relações de trabalho passa, a reforma da Previdência tende a ser aprovada também. Do ponto de vista dos interesses neoliberais, Nelson Barbosa será mais efetivo que Levy.
Que medidas deve propor o novo ministro da Fazenda para enfrentar a crise econômica?
Deve combinar a continuidade do ajuste fiscal, considerado indispensável ao equilíbrio das contas públicas, com a retomada do crescimento, medida fundamental para estancar o desemprego.
Que medidas deverão ser adotadas na prática?
Poderão ser adotadas, por exemplo: empréstimo dos bancos públicos para os setores da construção civil, exportadores, bens de capital, micro e pequenas empresas; retomada do crédito ao consumidor (garantia para consignado com multa do FGTS), das câmaras setoriais; corte nas despesas com previdência e pessoal, na reforma administrativa e previdenciária, aumento ou criação de tributos…
O conflito de agenda entre mercado e base social do governo pode dificultar sua aprovação?
Sim. De fato, há uma disputa no interior do governo entre as propostas as do mercado e as defendidas pela base social do governo. Os ortodoxos, que representam o mercado, pretendem a privatização radical; a desindexação da economia e os reajustes de benéficos sociais; a desvinculação das receitas tributárias; a reforma da previdência e trabalhista; o fim do conteúdo nacional, a abertura e o fim da Petrobras como operadora única do pré-sal.
E a base social do governo, o que quer?
Os integrantes da base social do governo, mais adeptos de medidas heterodoxas, defendem a adoção do câmbio múltiplo; a tributação de grandes fortunas, herança, lucros, dividendos e remessa de lucros ao exterior; a interrupção dos processos de privatização em curso, a utilização de parte das reservas cambiais para incentivar o crescimento econômico etc. O ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, por não ter o estigma de neoliberal, poderá ser mais eficaz na implementação das teses do mercado do que as defendidas pela base social do governo. Certamente terá algum afago aos integrantes da base social do governo, mas será defensor do ajuste proposto defendidas pelo mercado, como a reforma trabalhista e previdenciária.
*Texto originalmente publicado no Congresso em Foco