Por Elisa Marconi e Francisco Bicudo*
“Metodologia do ensino de filosofia: uma didática para o ensino médio” conquistou o terceiro lugar na categoria Educação do Prêmio Jabuti de Literatura, edição 2013. Escrito pelo filósofo Sílvio Gallo, o livro transita da teoria à prática e contempla um singelo propósito: sugerir dois caminhos para que os professores de adolescentes sejam capazes de encantar seus alunos e de apresentar a eles os deleites do pensamento.
Gallo, que é professor da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), vem se dedicando há mais de uma década a refletir sobre as aulas de filosofia, sobre os desafios para professores e alunos e, principalmente, a respeito do lugar e da pertinência da atividade filosófica para os jovens que estão num grau elevado da escolarização e precisam, portanto, ampliar os repertórios para entendimento do mundo e da vida que os cerca.
Provocar é ativar o pathos, um conceito filosófico que indica algo que incomoda o pensador, desequilibra sua zona de conforto e o convida a refletir. Depois que o jovem está tocado para aquele tema
“Nos encontros de filosofia e nos artigos e capítulos de livros que vim escrevendo mais intensamente desde 2001, a ideia sempre foi defender a filosofia como uma atividade de criação de conceito”, explica. Traduzir assim essa forma de estudar os problemas existenciais humanos, construída ainda pelos gregos, mais de 500 anos antes de Cristo, não é uma maneira de simplificar uma prática tão complexa. É antes, segundo o professor da Unicamp, defender um ponto de vista que determina a forma de atuar do filósofo e do professor de filosofia e, por consequência, do estudante do ensino médio.
Ele ensina: “Quando digo atividade, coloco a filosofia no campo das coisas que estão em construção, em oposição àquele conhecimento pronto e acabado. E é uma atividade de criação, portanto um exercício de criatividade – que se opõe a qualquer processo enfadonho e sem graça. Por fim, é uma ação que leva à formação de conceitos, que são o horizonte para entender o mundo de uma determinada maneira”.
Gallo lembra que vários de seus orientandos na Faculdade de Educação da Unicamp relatam que os estudantes têm muita dificuldade justamente em conceituar. E a falta dessa ferramenta prejudica o aprendizado, porque o conceito é uma chave-mestra para compreender várias situações e problemas diversos. “Saber conceituar é revolucionário, ou pelo menos a gente espera que seja”, provoca. “E quem tem essa condição pode olhar para o mundo e para a vida problematizando e refletindo, o que obrigatoriamente faz avançar o pensamento sobre as questões fundamentais da existência humana”, completa o autor. Pode parecer meio ambicioso falar de temas e posicionamentos tão profundos para jovens, mas cabe colocar que é natural e até esperado que os adolescentes experimentem questionamentos mais existenciais sobre si mesmos, seu lugar no mundo e sobre a realidade que os cerca. Dessa maneira, filosofar é um prato cheio.
E é nesse ponto que o livro “Metodologia do ensino de filosofia: Uma didática para o ensino médio” aparece como um caminho interessante, já que propõe justamente duas metodologias para convidar os estudantes a experimentar essa atividade de criação conceitual, ou, em outras palavras, a morar na filosofia.
O primeiro passo proposto por Gallo é abandonar a ideia de que ensinar filosofia é passear cronologicamente pelas características do pensamento de Sócrates, Platão e Aristóteles. “Não é que eu não goste, ou que seja proibido. Eu adoro e acho um caminho possível, mas minha proposta no livro é outra”, justifica. “E assim ofereço dois trajetos: a metodologia progressiva e a metodologia regressiva”. Na primeira proposta, o aluno parte de uma filosofia mais conceitual e chega à criação propriamente dita.
Traduzir assim essa forma de estudar os problemas existenciais humanos, construída ainda pelos gregos, mais de 500 anos antes de Cristo, não é uma maneira de simplificar uma prática tão complexa.
Como, professor? Em quatro passos, ele ensina. Primeiro vem a sensibilização. “Gosto de começar com arte, ou com uma notícia de jornal. Uma música, um quadro, uma poesia, ou até uma reportagem que provoque os alunos”. Provocar é ativar o pathos, um conceito filosófico que indica algo que incomoda o pensador, desequilibra sua zona de conforto e o convida a refletir. Depois que o jovem está tocado para aquele tema, vem a segunda fase: a problematização. “Problema não matemático, mas filosófico. Ou seja, uma situação qualquer que pede uma reflexão para ser entendida. Saber encontrar problemas e se debruçar sobre eles é uma conquista fundamental para quem pretende estudar o mundo, desvelá-lo”, prossegue Gallo.
A terceira etapa vem da angústia que – a esse ponto – o estudante provavelmente está sentindo por não saber bem como prosseguir para desfiar aquele problema identificado. E aí, tomado por esse bendito mal-estar, o professor apresenta a investigação filosófica. “Como será que Aristóteles, ou Sartre, ou Kant enfrentaram essa situação? E, assim, vamos apresentando as várias correntes filosóficas, os vários pensadores, as diferentes filosofias aos jovens”, indica o autor. Por fim, e para que tudo isso faça sentido, a quarta fase pede a conceituação propriamente dita. E, aqui, podem aparecer dois resultados. O mais comum é o aluno recuperar os conceitos pertinentes trabalhados pelos filósofos investigados e aplicá-los ao contemporâneo, aos problemas levantados. “E, assim, o adolescente ganha uma ferramenta para pensar o mundo e sua vida”, já comemora o professor da Unicamp. No entanto, pode acontecer de o aluno não encontrar nenhum conceito que o satisfaça para refletir sobre aquele problema contemporâneo. “E essa lacuna vira a desculpa perfeita para que o estudante construa um conceito próprio e, assim, filosofe de maneira autêntica sobre um problema do mundo contemporâneo”. Uma glória para um educador, sem dúvida.
Pode parecer meio ambicioso falar de temas e posicionamentos tão profundos para jovens, mas cabe colocar que é natural e até esperado que os adolescentes experimentem questionamentos mais existenciais sobre si mesmos, seu lugar no mundo e sobre a realidade que os cerca. Dessa maneira, filosofar é um prato cheio.
Contudo, professores que propuseram essa metodologia contaram a Gallo que nem sempre os estudantes compram a ideia. Nem sempre se sentem tão incomodados para se jogar de cabeça numa reflexão filosófica sobre o mundo e sobre a vida. “É uma das características dessa geração ter pressa e entender que já sabe todo o necessário”, lamenta o filósofo, mas nem assim desiste. “Foi para esse público que pensamos na segunda metodologia, a regressiva. Prefiro a primeira, de longe, acho-a mais rica e prazerosa, mas entendo que às vezes o professor tem de mudar a estratégia para atender a determinadas classes”, explica.
Nesse segundo caminho, a ideia é partir do final para o início. Ou seja, a turma parte do conceito e, investigando a filosofia, tenta descobrir qual foi o problema motivador para o filósofo refletir de um jeito ou de outro. Nesse caso, o ponto inicial é um texto filosófico – sempre com mediação do professor, alerta Gallo – e o ancoradouro é a visualização do problema. É uma maneira de provar para estudantes mais resistentes à atividade filosófica que há uma lógica, um caminho por trás da investigação dos pensadores. “Às vezes convence e, com um pouco mais de disposição, o aluno acaba se deixando conduzir pela primeira metodologia, numa oportunidade seguinte”, incentiva e finaliza o autor de “Metodologia do ensino de filosofia: Uma didática para o ensino médio”.