Elisa Marconi e Francisco Bicudo
Se você for mulher e tiver planos de engravidar, ou caso já esteja grávida, tem autorização dos especialistas em saúde pública para ficar realmente preocupada. Afinal, as informações e novidades científicas que vêm sendo apuradas e divulgadas sobre a febre do zika, vírus transmitido pelo mosquito Aedes aegypti – o mesmo vetor da dengue, da febre amarela e da chikungunya –, não são nada alvissareiras. A doença, é verdade, pode provocar casos assintomáticos e inofensivos; mas é também a responsável por causar microcefalia severa em bebês em formação. A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que, em 2016, serão notificados 4 milhões de casos de infecção pelo vírus nas Américas, sendo 1,5 milhão deles aqui no Brasil. Diante da gravidade da situação e dos números alarmantes, a OMS declarou, no início de fevereiro, que o zika “é uma emergência de saúde pública de importância mundial”.
Atentas ao cenário que, reconhecem, é grave e angustiante, as autoridades sanitárias brasileiras e a comunidade científica do país recomendam várias medidas de combate ao vírus e às consequências nefastas da infecção. As ações podem ser separadas em duas frentes: ciência e saúde. Embora elas se cruzem e se confundam em vários momentos, a primeira diz respeito mais específico às pesquisas para conhecer o vírus, as formas de transmissão, o combate, as consequências da infecção e uma possível vacina. Já a segunda cuida da prevenção, da atenção aos doentes, aos bebês de mães infectadas. Assim, a providência emergencial e fundamental adotada pelo governo brasileiro foi determinar que todos os casos de zika sejam notificados compulsoriamente ao Ministério da Saúde, para que a epidemia possa ser monitorada de muito perto, até porque a doença pegou todo mundo de surpresa e tem associadas a ela evoluções muito sérias.
Os especialistas parecem concordar que já existe um plano eficiente para atacar e neutralizar o vírus. No entanto, ainda estamos agindo devagar. O desafio é sair da teoria para a prática. A infectologista Nancy Bellei, presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia e professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), lembra que “o acesso à saúde é difícil. Essa é uma característica do país. Principalmente longe dos grandes centros, em áreas mais carentes, os cuidados necessários não são ágeis como precisariam ser. Estão aquém do necessário. No entanto, estamos fazendo, atendendo, pesquisando. Pena que não é o suficiente”. Outra infectologista ouvida pela Giz, Marinella Della Negra, professora da Santa Casa de São Paulo, concorda. “O Brasil demorou. Demorou demais. A situação varia muito de um estado para o outro. Há lugares com maior ou menor incidência, mas a reação foi demorada. E, nesse ponto, atrapalham muito os comentários oficiais que afirmam que o zika está controlado, que é uma epidemia sob controle. A epidemia não está controlada e nem é restrita. Claro que o clima varia de estado para estado e altera a incidência, mas a epidemia vai seguir por um tempo, sim”.
As duas especialistas concordam: o melhor a fazer é se proteger. “Se é mulher, o ideal é mesmo não engravidar agora. Segurar os planos para daqui a um tempinho, quando vai estar tudo mais esclarecido. E, caso já esteja grávida, atenção redobrada, ultrassons mais frequentes e acompanhamento médico constante, porque o zika pode ser assintomático”, sugere Nancy. E Marinella completa: “O mesmo vale para a transmissão sexual e/ou por saliva ou suor. Enquanto não for confirmado, ou descartado, vale usar preservativo e não ficar muito próximo, sem proteção, de quem está com zika”.
Do ponto de vista da saúde, o Brasil erra também quando não trava uma guerra mais efetiva e permanente contra o Aedes aegypti. Vencê-lo garantiria a exterminação de outras três doenças sérias (além da zika, a febre amarela, a chikungunya e a dengue). A notícia boa é que combater o vetor é simples. Basta não dar a ele condições de se reproduzir. Acontece que “as ações de prevenção que dariam resultado são as mesmas de 30 anos atrás e não vêm sendo efetivas. O mosquito continua se reproduzindo, se reproduzindo…”, lamenta a professora da Unifesp. Talvez nesse ponto, um ator poderoso possa ser incluído definitivamente no processo: o professor.
Marinella defende que é preciso conscientizar os brasileiros sobre seu papel nesse combate e sua responsabilidade na situação geral. Para ela, “o educador é, em primeiro lugar, um bom observador, porque lida com muita gente diariamente. Mas, principalmente, o professor pode difundir ideias, comportamentos e informações entre os mais jovens e suas famílias”. Ela explica que a população, de forma geral, tem carência de uma cultura de prevenção, de cuidado com o ambiente ao redor. Tradicionalmente, espera-se a atuação do poder público para resolver as questões, e, por isso, age-se pouco com o que estaria ao alcance das pessoas comuns. Na prática, os professores seriam de grande valor se conseguissem ensinar aos alunos o básico na cartilha da prevenção: lixo é no lixo, não devemos manter foco de doença em casa, é preciso lavar as mãos, não acumular água limpa.
A professora da Santa Casa recomenda ainda eliminar – ou pelo menos minimizar – a cultura do “isso não é comigo”. “Por exemplo, as pessoas não acham que o zika vai acontecer na família delas, na casa delas. Mas acontece. A pessoa acha sempre que a culpa da água parada que abrigou as larvas do mosquito foi do vizinho, e não dela mesma. E isso é que precisa mudar com urgência. Cada um dos brasileiros precisa chamar para si a responsabilidade de não facilitar a vida do Aedes, que transmite quatro doenças nada fáceis, e acabar com os criadouros. Isso é fundamental”, sugere.
Na outra frente está a busca pelo desvelamento dos mistérios mais bem guardados do zika vírus, aqueles que, se silenciados, quebram o ciclo de devastação que esse organismozinho poderoso provoca em seres complexos como os humanos. Estamos falando de ciência. Se não dá para comemorar ainda, já dá para ficar mais otimista. Os pesquisadores brasileiros estão suando os jalecos para descobrir tudo sobre o zika. “Estamos fazendo pesquisa na medida do possível e estamos atuando e avançando em muitas frentes: pesquisa para desenvolver diagnóstico, vacina, soro, funcionamento do vírus e das transmissões”, comemora Nancy. “Os pesquisadores estão muito empenhados e seguem tentando entender melhor o vírus, oferecer novas formas de diagnóstico, mais eficientes, além de produzir soro para as grávidas, conhecer bem a forma de infecção e os malefícios que o vírus pode provocar”, completa Marinella.
A questão é que pesquisa custa. E custa caro. E, para piorar, o Brasil atravessa crise econômica e alguns cortes orçamentários foram feitos, o que faz demorar ainda mais os processos. Mas não é esse ainda o fator limitante. Para as pesquisadoras, ainda mais difícil que driblar o fazer científico que, pela própria natureza, demanda tempo para exaustivos testes e confirmações até que se transforme em benesse para a população, é enfrentar os processos burocráticos nacionais. “Nossa burocracia dificulta a circulação de materiais e não podemos, por exemplo, enviar amostra de sangues de doentes daqui para a França, onde estão tentando desenvolver uma vacina. Aí, como os franceses trabalham com outro tipo sanguíneo, talvez a vacina não sirva para o zika que desenvolvemos aqui.”, diz, indignada, a professora da Unifesp. “Se estamos numa situação de emergência, e nós estamos, esses entraves burocráticos deviam ser suspensos, para acelerar os resultados”, defende.
E, diante de um problema de importância mundial, o que é mais urgente pesquisar agora? Em entrevista ao jornal “Folha de São Paulo”, Pedro Vasconcelos, virologista do Instituto Evandro Chagas e que também faz parte do conselho de especialistas da OMS, defendeu que o mais importante mesmo é desvendar os “mecanismos de patogenia (evolução da doença). E também o porquê de permanecer por mais tempo na urina e no sêmen, e qual a participação desses outros mecanismos de transmissão na difusão do vírus. As pessoas estão tomando sangue e não é feito exame para zika (…) Um dos primeiros casos em São Paulo foi de transmissão sanguínea”, reforçou. Marinella faz questão de destacar os trabalhos que tentam entender a imunização depois de contraída a doença. “Depois de ser infectado, será que a pessoa fica imunizada definitivamente, como na rubéola, ou não, como na dengue? E há que se avaliar também as formas de transmissão. Será que é só pela picada, ou também pela saliva e via sexual?”. Ela reconhece que o caminho é longo. “Mas podemos nos sair bem aí. E, não tem jeito, temos de fazer a lição de casa”.