Elisa Marconi e Francisco Bicudo
A criança chega à escola, entra na classe e, para acompanhar a aula, abre o livro didático e se depara com uma série de teorias que explicam a vida, as estruturas sociais, as culturas, o funcionamento do corpo humano, a ocupação das cidades, o funcionamento de aparelhos elétricos e muito mais. O que os livros muitas vezes não mostram, e os professores raramente explicam, é que para se chegar àquelas ideias, o caminho utilizado foi a ciência, uma construção coletiva, apoiada em métodos próprios, que buscam compreender e a vida do homem e a natureza. No entanto, entender que para construir conhecimento científico é preciso observação, hipóteses e análise de evidências e comprovação empírica é fundamental para o estudante perceber de onde as propostas surgem e, principalmente, notar que somos todos cientistas em potencial (sobretudo as crianças, extremamente curiosas) e que somos capazes de contribuir para o avanço do conhecimento.
Se até aqui essa discussão está parecendo muito árida, uma dissertação de mestrado defendida no Programa de Ensino de Ciências do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IF/USP) mostra que esse aprendizado pode ser divertido e prazeroso, na mesma medida em que é eficiente. A proposta da autora de Detetive ou cientista? A literatura policial infanto-juvenil como recurso didático na educação em ciências, Fabiana Rodrigues Santos, é usar a literatura policial como porta de entrada para o mundo da ciência, sugerindo que o pesquisador e o detetive têm muito em comum.
Fabiana, que é professora de Ciências da rede pública de ensino aqui em São Paulo, acredita que os estudantes precisam entender bem os processos que levam à construção da ciência, para que possam fazer parte dessa cadeia como beneficiários ou, melhor ainda, como produtores de conhecimento. Mas, para alcançar esse objetivo, os alunos precisam ser tocados pela experiência da descoberta, do pensamento científico, da rigidez do método e encontrar ali uma atividade prazerosa, de acordo com a pesquisadora. “E é aí que entra a literatura do gênero policial, porque o detetive – herói da narrativa – trabalha de forma semelhante ao cientista, mostrando para o leitor o passo a passo de uma investigação, mas de forma envolvente”, propõe.
A obra escolhida pela professora foi O Caso da Borboleta Atiria, de Lucia Machado de Almeida, que narra a história de uma borboleta que tem um defeito nas asas e ajuda o detetive a solucionar o mistério das mortes que estão acontecendo no bosque onde ela vive. Alunos do 7º e do 9º anos da escola em que Fabiana leciona leram o livro, participaram de exercícios propostos por ela e passaram por uma avaliação ampla para demonstrarem o que haviam percebido e se tinham associado o trabalho do detetive e do cientista. “A boa notícia é que os alunos das duas turmas – e também os do 5º ano, que testamos depois – captaram de primeira a ideia e passaram e enxergar o mundo, as descobertas e as invenções de outra forma”, comemora a pesquisadora.
Com essa inspiração em mãos, Fabiana partiu para a escrita da dissertação. “A ideia não era fazer um estudo desse caso com meus alunos, era propor uma metodologia para facilitar a discussão da construção da ciência. Proponho, então, um passo a passo que pode ser utilizado pelos colegas nas suas escolas”, conta. Tudo começa na escolha do romance policial. “De uma forma geral, as obras desse gênero são bem apropriadas, mas lá na pesquisa, mostro um guia para o professor avaliar se a história é mesmo adequada para a turma”, ensina a autora. E aí vem um momento chave, a leitura. O ideal é que a prática seja conjunta e num ambiente fora da sala de aula e, de preferência, com um clima parecido com aquele narrado na história. Se a trama se passa numa floresta, a dica é fazer a leitura num jardim, ou próximo à vegetação, e assim por diante. Depois de conhecer a narrativa, é hora de memorizar algumas partes e ressaltar outras. Essa etapa pode ser feita em sala de aula mesmo. Vem então a apresentação das ideias de pensadores que se debruçaram e pensaram sobre o fazer científico.
“É importante o aluno saber que existem linhas diferentes, mas que essa é uma questão que mobiliza os cientistas há muito tempo. Eu sugiro um debate com as variadas visões, como a de Popper, Kuhn e Feyerabend, entre outros”. A penúltima etapa proposta é, certamente, aquela que os meninos e meninas acham mais divertida: desvendar um crime a partir do caminho do cientista/detetive. Os grupos podem apresentar hipóteses diferentes, trabalhar com as evidências encontradas e buscar a comprovação via análise dos materiais. “Eles adoram. Não só pela brincadeira, mas por comprovar que o método científico de fato funciona. É muito gratificante vê-los entusiasmados com as descobertas e com as comprovações. Vale a pena”, finaliza Fabiana.
Os professores que se interessarem pela pesquisa e por conhecer mais a fundo o método proposto pela pesquisadora podem buscar o trabalho no banco de dissertações da Universidade de São Paulo.