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Cultura

São Paulo sem carro

By 30/08/2013No Comments

Elisa Marconi e Francisco Bicudo

Em 2012, quando escreveu Como viver em São Paulo sem carro (Ed. Santa Clara Ideias), um guia idealizado pelo empresário Alexandre Frankel, o jornalista Leão Serva reparou que a primeira reação das pessoas que tomavam contato com o projeto ou com a obra pronta era de espanto, seguido pela fatídica pergunta: “Mas isso é possível?”.

Hoje, lançando a segunda versão do livro – mais completo e com depoimentos de defensores da iniciativa –, Serva se diverte recordando o assombro provocado pela narrativa, mas constata, satisfeito, que a situação se transformou significativamente em apenas um ano. “Notamos uma grande mudança de uma edição para a outra. Agora, o público não se surpreende mais com proposta”. Não que já seja um assunto superado, equacionado, ainda está longe de ser uma unanimidade, mas “de alguma maneira, entrou no discurso das pessoas, passou a ser considerado”, defende o jornalista. Ele continua: “a mobilidade urbana foi, inclusive, um dos assuntos mais fortes das manifestações de junho, o que prova que ninguém aguenta mais ser refém do trânsito”.

“Porque nosso sistema de transporte é muito melhor do que se prega comumente”, garante o autor. Segundo Serva, a situação é muito parecida com o que acontece com a saúde pública. Quem nunca usou não imagina o que vai encontrar ali.

O guia atual conta com uma reportagem inicial abordando a pesquisa encomendada ao Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas (IPESPE) sobre o trânsito de São Paulo e as consequências mais ou menos nefastas que ele acarreta. O levantamento, exclusivo para o guia, chefiado pelo cientista político Antonio Lavareda, revela dados preocupantes. “Por exemplo, 57% dos entrevistados afirmam que já mudaram seus hábitos por causa do trânsito. É um número elevado”, conta Serva. Ao lado desses, 58% dos pesquisados cravam o trânsito como a pior coisa de São Paulo e 27% como uma das piores coisas. Ou seja, 85% dos paulistanos não aguentam mais ficar presos nos congestionamentos.

A boa notícia é que há gente trabalhando para reduzir o grau de insatisfação do cidadão diante do trânsito caótico. Esses “heróis da mobilidade”, como são chamados no livro, receberam tratamento especial, foram devidamente entrevistados e agrupados num capítulo que conta justamente quais e como são as ações que provam ser possível viver sem carro na metrópole. Encabeçados por conhecidos militantes da mobilidade urbana, como o médico Paulo Saldiva e a cicloativista Renata Falzoni, gente como Ângelo Leite, idealizador do Bike Sampa, projeto depois encampado pelo Banco Itaú, que empresta bicicletas a usuários cadastrados; Felipe Barroso, que montou a ZazCar, empresa de compartilhamento de automóveis; ou a Andrea Leal, do Banco Mundial, que está promovendo uma transformação cultural na região da Avenida Luis Carlos Berrini, na Zona Sul da capital, relatam as experiências e os esforços que revelam que há boas saídas e alternativas bacanas de transportes na capital paulista, para além dos automóveis. Serva reforça: o intuito é mesmo sugerir que dá.

Como viver sem carro em São Paulo é, portanto, uma obra fundamentalmente pensada e voltada para quem ainda sofre com congestionamentos e quer reduzir o tempo vivido dentro de um automóvel quase parado. “Segundo a pesquisa do IPESPE, 37% dos automóveis paulistanos circulam com apenas um passageiro. Em lugares como a Berrini, esse índice chega a 50%. É muita gente”. Serva defende que o guia está prioritariamente focado nessas pessoas que não suportam mais, mas nunca tentaram de fato chegar ao seu destino de outra maneira, sem obviamente excluir os leitores que já optaram por alternativas.

Esse segundo público, aliás, vai notar que dá para ampliar a experiência e ir a parques, museus, passeios restaurantes e locais da cidade a pé, de bicicleta, de ônibus, de trem, ou de taxi. Vai descobrir onde bicicletas são bem-vindas, onde conseguir um taxi à noite, bons caminhos para percorrer usando apenas os tênis. No entanto, vale insistir, é o primeiro público, os que nunca tentaram, quem vai se surpreender mais.

“Porque nosso sistema de transporte é muito melhor do que se prega comumente”, garante o autor. Segundo Serva, a situação é muito parecida com o que acontece com a saúde pública. Quem nunca usou não imagina o que vai encontrar ali. Quando conhece, em geral, se surpreende positivamente. O que falta, portanto, para que mais gente deixe o carro na garagem e opte por outro modal é mais cultura que estrutura. Como viver sem carro em São Paulo entra exatamente aí, para cobrir essa lacuna.

O próprio autor pode falar de janela privilegiada, não só porque escreveu o livro, mas porque ele mesmo virou um adepto da redução do uso do automóvel. “Sou o clássico caso de pai que só usa carro para levar os filhos para a escola. Aliás, esse é um nicho que está aberto para empresários, quem oferecer um serviço alternativo nessa linha, vai se dar bem, há uma demanda tremenda”. O jornalista se refere ao alívio que todos sentem na época das férias escolares, quando a taxa de congestionamento reduz de 15 a 40%. “Imagine se essa parcela fosse diminuída sempre, não só nas férias?”, pergunta. E responde: “É disso que estamos falando. Soluções pontuais, mas que melhoram a vida da cidade toda”.

Melhorar significa, primeiro, elevar os índices de saúde de condutores e pedestres. Afinal, ficar preso nos congestionamentos provoca de irritação à perda auditiva, passando por problemas na coluna e nas articulações, até chegar ao infarto do miocárdio. Serva lembra que Paulo Saldiva, um dos “herois da mobilidade” apresentados no livro e que há anos estuda os efeitos da poluição nos seres humanos, assegura que a causa primeira dos ataques cardíacos em São Paulo é, sem dúvida, o trânsito.

Como viver sem carro em São Paulo é, portanto, uma obra fundamentalmente pensada e voltada para quem ainda sofre com congestionamentos e quer reduzir o tempo vivido dentro de um automóvel quase parado.

Mas melhorar também significa elevar a qualidade de vida dos paulistanos, o que passa necessariamente por uma relação mais próxima e menos assustada com a cidade. “Ao contrário do que a gente imagina, viajar de carro não é a alternativa mais segura. Não estou falando dos acidentes e atropelamentos apenas. Mais gente é abordada, assaltada e sequestrada quando está dentro de um automóvel do que quando está a pé, ou de bicicleta, ou de metrô”, reforça o jornalista. Ou seja, sempre que se investiga um pouco mais a fundo a relação das pessoas com seus carros, chega-se a essa questão do medo, ou da segurança, que é muito reforçada pela publicidade e pela imprensa, mas que não corresponde totalmente à realidade.

E, nesse ponto, escapar dos automóveis oferece generosamente mais um benefício. “Andar a pé, ou fora do carro, faz com que o pedestre conheça a região, as pessoas que circulam por ali, as lojas que funcionam e até os potenciais perigos de cada lugar”, lembra o autor de Como viver sem carro em São Paulo. “A gente passa cumprimentando os lojistas, os vizinhos, o dono da banca de jornal. Quando a gente ocupa a cidade, ela fica menos perigosa na nossa percepção e de fato também”, conclui.

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