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A alguns dias do fim da Olimpíada de Londres, brasileiros se queixam dos resultados e especialistas tentam explicar a situação. Esperava-se mais ouros, pratas e bronzes no judô (que, reconheça-se, destacou-se e fez bonito em Londres, mas deixou sensação de que podia um pouquinho mais), na natação, no atletismo, na vela e até na ginástica artística. Futebol e basquete feminino protagonizaram frustrações significativas, não apenas pelas desclassificações prematuras, mas pela maneira como as derrotas aconteceram (seleções apáticas, sem brilho).

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Elisa Marconi e Francisco Bicudo*

Mesmo com a transmissão ao vivo do julgamento do chamado “escândalo do mensalão” no Supremo Tribunal Federal (STF), o principal assunto dos últimos 10 dias nas mais diferentes rodas de conversas foi a Olimpíada de Londres. Aliás, mais especificamente, o desempenho do Brasil nas variadas modalidades. De um modo geral, o torcedor fala mal, muito mal, dos resultados e dos atletas, que são acusados de incompetentes, de medrosos e até de não levar a competição a sério.

O vôlei feminino de quadra, atual campeão olímpico, classificou-se na bacia das almas. No início das competições, o Comitê Olímpico Brasileiro, COB, projetava alcançar 15 medalhas, estimativa que, se não impossível, torna-se agora mais difícil de ser concretizada. Além disso, alguns dos ouros estabelecidos já escorregaram pelos dedos, como o de Cesar Cielo nos 50 metros livres, o de Robert Scheidt na vela e o de Fabiana Murer no salto com vara.

Talvez a crônica esportiva tenha ajudado a amplificar essas expectativas. O discurso recorrente nos últimos tempos sustentava que o país estava investindo mais, que estávamos fazendo já um ensaio para a Olimpíada de 2016, que será no Rio de Janeiro, e que os atletas – ao menos aqueles dos esportes de alto rendimento – estavam treinando pesado, preparados para enfrentar de igual para igual os favoritos de suas modalidades e categorias. Nas matérias, fazia-se também a projeção de medalhas. E, de fato, foram investidos quase 1 bilhão e meio de reais nos últimos dois anos, quando se soma o que foi amealhado com as leis de incentivo, orçamento do Ministério dos Esportes, empresas estatais (como Caixa Federal, Correios e Banco do Brasil) e Lei Agnelo-Piva.

Mas as medalhas não chegaram. A velha justificativa de que não há verba para o esporte, como vimos, não cabe nesta edição dos Jogos Olímpicos. A falta de experiência internacional, de conhecimento dos adversários, ou de treinamento para os atletas de ponta também não servem mais como respostas.

E chegam a ser desrespeitosas as explicações oferecidas por alguns atletas, como Fabiana Murer, que logo depois de desistir da última tentativa de salto afirmou que o fez porque “o vento contra estava muito forte” e ela ficou com medo de se machucar.

Comentaristas e locutores tentam compreender as derrotas e a falta de premiações com muito mais propriedade. “Participar de Olimpíada é sempre uma proeza, e vira experiência inesquecível para aqueles que sabem aproveitá-la. Sobretudo para quem vem de país como o nosso, com tradição e regularidadeem futebol. Modalidadescomo natação, iatismo, judô, vôlei, basquete, atletismo sobressaem, vez ou outra, à custa de boas fases esporádicas e fenômenos. Nos escoramos em talentos individuais que brotam, brilham, marcam época, deixam saudade e plantam sementes que pouco germinam”, escreveu o jornalista Antero Greco, no jornal O Estado de São Paulo do domingo, 05 de agosto.

Em debate promovido pela ESPN na noite da última sexta-feira, dia 03, o jornalista especializadoem esportes José Cruz, que cobriu as Olimpíadas de Seul (1988) e de Sydney (2000), lembrou que a Constituição brasileira diz que o investimento na área deve começar nas escolas, desde sempre, relacionado à perspectiva de cidadania e qualidade de vida, para que o esporte de alto rendimento surja como consequência. Da diversidade, e da garantia da prática esportiva para todos, o país poderia buscar a qualidade e a competitividade. Ele lembrou ainda que, na pirâmide do esporte, quem menos opina é o próprio atleta, que raramente é ouvido. “As decisões na maior parte das vezes são políticas, não técnicas”, lamentou.

Na Folha de São Paulo do domingo, escrevendo especificamente sobre o fracasso do basquete feminino, o colunista Edgar Alves lamentou o fato de a equipe, que já foi campeã mundial e medalhista olímpica, ter sido eliminada do torneio olímpico antes mesmo de completar a primeira fase da competição. “Perder é do jogo, mas o jogo não é só perder”, reforçou. Ele lembrou que o time não viajou para a Inglaterra pressionado por medalha. Mas que boas apresentações eram esperadas, para que o Brasil ao menos ultrapassasse a fase de grupos. “Será que foi correto, na véspera do torneio, o desligamento da ala-armadora Iziane, a mais experiente do time, porque dormiu com o namorado no hotel da delegação?”, questionou. E completou: “Pelo menos restou a lição para balizar o projeto da preparação aos Jogos do Rio, em 2016”. Será?

Alessandro Lucchetti, enviado especial de O Estado de São Paulo a Londres, lembrou na edição de domingo do jornal que a natação brasileira já emitia sinais de que não ia bem. Em 2004, em Atenas, a modalidade não ganhou medalhas. Em Londres, a presença em finais caiu de seis para cinco, em relação a Pequim.

“Nossa natação feminina é quase irrelevante”. Para ele, “pouco para um país que queria surgir como potência olímpica este ano e se afirmar nos jogos de 2016, no Rio”.

Ouvida com exclusividade pela revista Giz, a jornalista e psicóloga Kátia Rúbio, mestre e doutoraem Educação Físicapela Universidade de São Paulo e pós-doutoraem Psicologia Socialpela Universidade Autônoma de Barcelona, diz que “o fato de termos mais dinheiro do que nunca não significa dizer que o dinheiro foi bem aplicado. Tem uma questão de planejamento, estratégica. E me pergunto se está sendo bem feito. Porque a gente tem o dinheiro, mas qual é o projeto de gasto dele? E me perguntam se a gente deveria eleger 10 modalidades para as quais temos mais vocação. Eu acho que não. O problema é que o dinheiro investido não está chegando no atleta”.

A especialista analisa também a questão da carência de divulgação midiática dos esportes olímpicos, que são apenas lembrados de quatro em quatro anos, quando os atletas são cobrados, sem que uma cultura esportiva tenha sido consolidada.

“Se você tem uma ou duas emissoras que têm o poder de transmitir os jogos e elas só transmitem os campeonatos de futebol regionais e nacional, você nunca vai criar uma cultura esportiva na nação. Porque quando se assiste esporte nesse país? Em ano de Copa do Mundo e Olimpíada. Em Panamericano, olhe lá… então falta uma cultura esportiva”.

Para Katia, não há alternativa: esse salto só virá de uma política sensata e bem planejada. “Não pode vir de ações individuais, de projetos individuais. Isso tem de vir de um projeto maior, envolvendo mais pessoas. Porque se não, fica essa frustração que está se sentindo agora”.

Pior do que a sensação de fracasso trazida pelos ventos de Londres talvez seja a percepção de que o Brasil não está preparando uma nova geração de esportistas para cumprir o desafio de representar com dignidade o país no Rio de Janeiro, em 2016. Em muitas modalidades – ginástica, futebol feminino, vôlei – gerações estão se despedindo. Mesmo medalhistas como Cesar Cielo e Tiago Pereira estarão quatro anos mais velhos, o que certamente significa mais experiência, mas também cansaço elevado. E terão de enfrentar tantas outras jovens promessas – aliás, uma das lições de Londres talvez seja justamente consolidar o nascimento de heróis olímpicos com cada vez mais espinhas nos rostos, ainda adolescentes desajeitados. E quatro anos é um tempo curto para essa formação. O que coloca o Brasil na perigosa rota de um novo fiasco. Apesar dos investimentos financeiros que certamente serão feitos.

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