“Em lugar da caridade, nós feministas queremos a solidariedade.”
Marie Pognon (1844-1925), em 1900, durante discurso no Congresso Internacional da Condição e Direitos das Mulheres
Por Gabriela Bueno Ziebert*
Em poucos meses, 2017 já acena para ser um ano marcado pelo conservadorismo e retrocesso, principalmente em relação aos direitos das mulheres.
Falando do cenário internacional, nos Estados Unidos pode-se destacar um dos primeiros decretos assinados por Donald Trump, poucos dias após tomar posse, que proíbe o repasse de dinheiro público para organizações internacionais que realizam a interrupção da gravidez ou mesmo que forneçam informações sobre o procedimento em países pobres.
A Organização Mundial da Saúde estima que mais de 22 milhões de mulheres por ano fazem abortos não seguros em países em desenvolvimento. Deste total, aproximadamente 13% morrem1.
Enquanto isso, o parlamento russo aprovou a descriminalização da violência doméstica. A nova legislação não prevê penalidades criminais ao agressor quando “não existirem lesões corporais graves” ou quando a violência não ocorrer mais do que uma vez ao ano. As sanções máximas serão multa ou uma única noite na prisão sob custódia policial.
Na Rússia, em média uma mulher é morta a cada hora dentro de sua própria casa. Apesar disso, na justificativa para a aprovação do texto lê-se sobre “a importância de proteger a família como uma instituição” e “o combate aos valores ocidentais”.
Já no Brasil o assalto aos direitos das mulheres vem de forma mais velada, travestido de reforma da previdência, a PEC 287/2016.
O texto da proposta aumenta as exigências quando prevê o mínimo de 65 anos para se aposentar, junto ao tempo mínimo de 25 anos de contribuição ou 49 anos para ter acesso ao valor integral do benefício. Além de equiparar homens e mulheres, que vivem realidades díspares.
Na PEC 287 lê-se:
Ocorre que, ao longo dos anos, a mulher vem conquistando espaço importante na sociedade, ocupando postos de trabalho antes destinados apenas aos homens. Hoje, a inserção da mulher no mercado de trabalho, ainda que permaneça desigual, é expressiva e com forte tendência de estar no mesmo patamar do homem em um futuro próximo.2
Ora, se um estudo do Fórum Econômico Mundial, publicado em 2015 concluiu que o mundo só alcançará a igualdade de gênero no mercado de trabalho em 2095; de qual realidade ou ‘futuro próximo’ a reforma da Previdência trata? Haja vista que no último ranking de igualdade de salários por gênero, divulgado pelo mesmo órgão, o Brasil está na posição 79, entre 144 países, atrás de países como Bolívia, Cuba e Moçambique3.
Atualmente a Constituição assegura as mulheres o direito de se aposentar de duas formas: a partir dos 60 anos (na aposentadoria por idade) ou a partir de 30 anos de contribuição (na aposentadoria por tempo de contribuição). Em ambos os casos, com 5 anos a menos que os homens (65 anos de idade ou 35 de contribuição).
Mesmo assim os dados do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) comprovam a dificuldade das mulheres em atingir o tempo mínimo necessário. A cada 100 aposentadorias por tempo de contribuição, apenas 33 são para mulheres4.
Os dados do Ministério do Trabalho, disponíveis na RAIS de 2014, apontam o motivo: a permanência das mulheres no mercado de trabalho é menor. Enquanto os homens permanecem em média 41,7 meses no mesmo trabalho, as mulheres ficam apenas 37 meses. Esses números se relacionam, entre outros fatores, à necessidade de cuidar dos filhos, idosos ou parentes enfermos.
Aliás, sobre a ‘jornada dupla’ exercida pelas mulheres, que a PEC 287 insiste em afirmar que houve uma ‘redução considerável’. Em contrapartida, um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostrou que enquanto as mulheres gastam, em média, 25,2 horas semanais com serviços de casa, os homens gastam 10,7 horas5.
O governo defende que a reforma no sistema previdenciário é essencial para ele “não acabar”, como diz claramente em suas peças publicitárias, mas como é possível uma proposta dessa importância ignorar a realidade profissional que as mulheres se encontram e ainda penalizá-las?
Por isso, nesse 8 de março, não há nada o que comemorar. Não há flores, só reflexão e luta por nenhum direito a menos.
*Gabriela Bueno Ziebert é jornalista e uma das editoras da Revista Giz
Referências
- Abortamento seguro: orientação técnica e de políticas para sistemas de saúde – 2ª ed. Disponível em: http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/70914/7/9789248548437_por.pdf
- Proposta de Emenda à Constituição 287/2016. Disponível em: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1514975&filename=PEC+287/2016
- World Economic Forum, The global gender gap report 2016 (em inglês). Disponível em: http://reports.weforum.org/global-gender-gap-report-2016/results-and-analysis/
- Anuário estatístico da Previdência Social. Disponível em: http://www.previdencia.gov.br/wp-content/uploads/2015/08/AEPS-2015-FINAL.pdf
- IPEA – Desigualdade de gênero em tempo de trabalho pago e não pago no Brasil. Disponível em: http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/TDs/tda_2214.pdf