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Cultura

A cidade da Literatura

 

 Elisa Marconi e Francisco Bicudo*

           As ruas de pedra e o casario colonial de Paraty, no Rio de Janeiro, guardam hoje mais do que lembranças históricas do tempo em que o rei passou por ali. As vielas estreitas, o sem-número de restaurantes, bares e lojas, as janelas, as tantas janelas, e os degraus que antecedem cada porta (e são portas enormes…) são testemunhas de uma festa de saberes que acontece a cada ano, ao longo da última década.

Onde mais, se não sobre as pedras do calçamento de Paraty, se pode trombar, bater um papo e, de quebra, pedir um autógrafo para João Ubaldo Ribeiro, Ignácio de Loyola Brandão, Ferreira Gullar, Moacyr Scliar, Milton Hatoum, Miguel Nicolelis e Ziraldo? Onde mais se pode caminhar ao lado de Ian McEwan, Paul Auster, Salman Rushdie e Eric Hobsbawm, seguindo pelas margens do rio Perequê-Açu, que corta a cidade e desemboca no mar sem praia que banha o centro velho? Onde mais, se não sob as tendas da FLIP, a Festa Literária Internacional de Paraty, se ouve com deleite ou indignação as histórias, as tantas histórias, que Chico Buarque, valter hugo mãe, Zé Celso Martinez Corrêa, Agualusa, Luis Fernando Veríssimo, Laura Restrepo, Ruy Castro, Richard Dawkins e Amós Oz contam?

A cidade se enche de gente – do Rio, do Brasil, do mundo –, as cabeças se fartam de narrativas, as discussões em suspenso finalmente encontram interlocutores e a festa – de pessoas e livros – celebra integralmente a Literatura. O curador de 2011 da FLIP, Manuel da Costa Pinto, escreveu assim no blog do evento: “A Flip está para a literatura assim como os shows de MPB estão para a música: é seu lado mais luminoso, solar; carrega no próprio nome – “festa literária” – um jeito eufórico de falar de livros e de comemorar a presença dos autores nesse palcoem que Paratyse transforma no meio de cada ano, há uma década. E, justamente por ter esse rosto ensolarado, a Flip acaba deixando de lado as feições mais circunspectas dos escritores e de suas obras. Continuando no paralelo musical, há na literatura um lado roda de choro e um lado quarto de cordas; uma bossa tropicalista e uma bossa serialista; ora descontração e improviso, ora disciplina e rigor”.

10 anos de Festa

Tem no ar, no clima da cidade, um auto-orgulho, por estarem todos ali comemorando o mergulho na alma humana e nas coisas do mundo, movimento que se traduz em poemas, contos, novelas, romances, ensaios, reportagens. O curador da edição deste ano, Miguel Conde, explica, também no blog oficial: “O planejamento dessa edição em que a festa completa uma década tem, portanto, como ponto de partida inevitável o reconhecimento do que ela tem de mais valioso: a combinação entre celebração e pensamento crítico, num espaço em que escritores, leitores e intelectuais se reúnem em torno de um interesse comum pela literatura e pela reflexão. É uma alegria fazer parte desse projeto”.

Tudo vale a pena na FLIP, porque, em última instância, “a falta de leitura afeta a questão da humanidade. Uma sociedade leitora é uma sociedade mais solidária, mais tolerante e mais avançada em termos de humanidade. E uma sociedade que não lê é mais consumista, mais brutalizada, mais violenta. Porque a leitura nos humaniza”, como sentenciou a professora do Instituto de Letras da Universidade de Brasília (UnB), Lucília Garcez, em entrevista recentemente publicada aqui na Revista Giz. E, do alto da ponte sobre o rio, sentindo o vento frio de julho que faz dançar as bandeiras que marcam o território da FLIP, o festejante vai lembrar das palavras da professora nessa mesma reportagem: “Se a pessoa não convive com isso, não tem acesso a essa experiência prazerosa da leitura, ela é menor do que poderia ser, digamos assim. Jorge Luis Borges dizia que a leitura é uma forma de felicidade. Não ler e não ter acesso a isso é uma violência”.

Acompanhe no site oficial programação principal da Festa Literária Internacional de Paraty.

2 Comments

  • Lucas Sampaio disse:

    Belo artigo, bem escrito.
    Mas… impossível cruzar com Moacyr Scliar nas ruas de Paraty; só se for em espírito…
    Já está no céu dos escritores há algum tempo… É bom a revista/os jornalistas se atualizarem.

    • Caro Lucas, muito agradecido pela leitura e pelo comentário. É verdade, hoje seria mesmo impossível cruzar com Scliar nas ruas de Paraty. O texto, no entanto, não trata apenas da programação da edição de 2012; ao contrário, refere-se singelamente a alguns autores que já participaram da FLIP e andaram pelas ruas da cidade, até como forma de homenageá-los – e Scliar foi um dos destaques da edição de 2010 da Festa. Abraços, Francisco Bicudo.

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