Elisa Marconi*
O programa imperdível para este início de ano na capital paulista é uma exposição inaugurada há alguns dias pelo Museu de Arte de São Paulo (MASP). Roma – a vida e os imperadores reúne obras e objetos dos séculos I, II e III, fase mais representativa e auge da civilização que dominou o mundo antigo. De lâmpadas de óleo a um busto gigantesco de Júlio César, passando por urnas funerárias e estátuas de deuses, a mostra é mesmo uma máquina do tempo. Boa parte do que somos hoje tem, de alguma maneira, relação com o que está ali retratado. “Mais do que a singularidade e a raridade, as pessoas devem vir porque todos nós estamos impregnados de civilização romana. Nossos hábitos, nossa língua, nossa política, enfim… vêm de lá”, explica (e convida) o coordenador do Serviço Educativo do Museu, Paulo Portela.
As peças vieram de 12 museus espalhados pelo mundo e, com a licença para usar o bordão, nunca antes uma exposição tinha apresentado tanta variedade e tanta riqueza quando o assunto é o Império Romano. São dois os grandes eixos que norteiam Roma: o da vida cotidiana e o dos círculos do poder. O primeiro aproxima, desperta empatias e faz o visitante descobrir como era a vida comum de um romano comum. A família, a casa, os artefatos, os adornos. “Nessa etapa percebemos que nossa maneira de viver ainda não superou muita coisa desde Roma. Ou seja, o visitante se reconhece ali”, reforça Portela. Destaque aqui para as estátuas de crianças, uma carregando um cachorrinho, outra sentada num apoio qualquer, e para os bustos de mulheres, com seus penteados elaborados. Há ainda quadros e enfeites usados nas casas, jóias e frascos para cremes.
Mas o primeiro círculo, da vida cotidiana, também afasta: “Pense nas lâmpadas. São muitas e eram necessárias para iluminar os ambientes. É até difícil a gente pensar que não havia luz. Como seria uma sala iluminada por aquelas lâmpadas? E como seria o cheiro daquele lugar? O visitante vai se deparar com tudo isso”, explica Portela. Certamente o que sobreviveu ao tempo não eram objetos usados nas casas do homem menos favorecido, mas sim resquícios das residências mais nobres, que podiam possuir objetos de maior valor e durabilidade. Seja convidando, seja repelindo, os vasos, as louças, os móveis e que tais ajudam a recriar internamente a vida romana dos séculos I a III.
O segundo círculo trabalhado na exposição revela o reverso da medalha: o poder. Segundo o coordenador do Serviço Educativo do MASP, o mais curioso nessa seção é que “o mundo do poder é igual sempre, em qualquer civilização”. Portela se refere aos imperadores, suas esposas, os guerreiros, as guerras, o Senado, os planos, as intrigas, os conchavos e as jogadas daqueles que disputavam o mando do Império Romano. De fato, tudo ali soa muito familiar, seja porque se estuda História Antiga desde a primeira infância nas escolas, seja porque filmes e livros não deixam que a história seja esquecida, ou – na visão do coordenador – porque é parecido, de um jeito ou de outro, com as estruturas de poder que temos ainda hoje.
Um chefe, uma câmara, tramoias, traições, envenenamentos, inimigos e apoiadores. Num cantinho do fundo, dois bustos contam a seguinte história: Agripina, mulher do Imperador Claudio, envenenou o marido para ver seu filho Nero no trono; anos mais tarde, foi assassinada por Nero. Saltam aos olhos a quantidade e a qualidade dos bustos e das estátuas dos imperadores e de suas famílias. Chega-se a suspeitar que, intuitivos, os generais e líderes romanos já anteviam sua importância no mundo e procuravam se projetar para o futuro. Mas Portela corrige: “Ao contrário, o que a gente vê na exposição é uma grande preocupação dos imperadores em fixar sua imagem no momento em que viveram, no presente deles. Queriam ser conhecidos e impor sua figura e sua fama às pessoas que viviam sob o Império”. Marketing político? É uma possibilidade. Calígula, por exemplo, retratado em várias peças – a maior delas de corpo inteiro, com mais de dois metros de altura, e muito bem trabalhada – sempre representava a si mesmo como um guerreiro montado num grifo, uma espécie de cavalo alado com bico de águia. Ou seja, tão poderoso que dominaria uma figura mitológica conhecida por ser forte e indomável.
Há ainda dois aspectos relevantes em Roma – a vida e os imperadores: a religião e o multiculturalismo. São centenas de estátuas de deuses e deusas, dos esquecidos aos mais respeitados, em tamanhos que variam de cinco centímetros a dois metros de altura. A religiosidade pairava nas casas, nos prédios públicos, no cotidiano dos romanos. E, apesar de terem um sistema bem desenvolvido nesse quesito, não impuseram essa forma de cultuar aos povos dominados pelo Império Romano. Em nível local, a religião, os hábitos dos povoados eram respeitados, mantidos. É como se os romanos não se sentissem ameaçados pela cultura que vinha dos subjugados. E o resultado é que essas tradições se mantiveram e se misturaram com o que vinha de Roma, criando espiritualidades híbridas, hábitos mulatos. Já no final, a deusa egípcia Ísis aparece numa estátua tipicamente romana, e o busto de um negro ganha o tom escuro, mas preserva traços romanos.
Atravessar tudo isso e não imaginar que a exposição é um prato cheio para professores e projetos pedagógicos é impossível. E se a primeira tentação é lembrar das aulas de História, Portela aponta outros possíveis caminhos: “a Língua Portuguesa nasceu do latim, língua falada e escrita pelos romanos; a Geometria e a Matemática permitiram a construção das cidades, aliás um artefato para agrimensura muito preservado está exposto; a Filosofia, as Ciências, o Urbanismo, a Ciência Política, a Arte e a Guerra dão subsídios a estudiosos de todas as áreas”. E um detalhe que favorece muito a relação entre a exposição e as esferas da educação é que a proposta do MASP é atender à expectativa do professor. O museu prepara materiais, visitas guiadas e o que mais o educador desejar para fazer da mostra um recurso sólido e aproveitável para as aulas. Os agendamentos para grupos escolares já começaram e Roma – a vida e os imperadores segue até 22 de abril.
Agradecemos ao MASP pelas imagens