Elisa Marconi e Francisco Bicudo
Eles surgem vestidos de preto e com máscaras cobrindo os rostos. Chegam em grupos, cantando e gritando palavras de ordem e, algumas vezes, com armas rudimentares nas mãos e nas mochilas. Mas antes que se possa classificá-los como vândalos e arruaceiros, talvez seja importante ouvir o que têm a dizer. Foi essa a motivação que levou a cientista social Esther Solano, professora de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), a se juntar ao professor da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV/SP), Rafael Alcadipani para conhecerem melhor os adeptos da tática black bloc, jovens que vêm se destacando nas manifestações que agitam o país desde junho por usarem como canal de expressão aquilo que chamam de violência simbólica.
Quem são esses rapazes e moças? O que reivindicam? Como se relacionam com o Estado, como esperam que a sociedade encare os atos de destruição do patrimônio? Com essas perguntas-guias, a reportagem da Revista Giz entrevistou com exclusividade Esther Solano. Ao lado, o depoimento dela – que tem como foco específico as manifestações que acontecem na cidade de São Paulo. ►
“Como muitos brasileiros, fui a algumas manifestações de junho, como cidadã mesmo, para me manifestar. Mas depois de algumas passeatas, comecei a reparar no grupo que usa as táticas blackbloc como forma de se expressar. Foi então que, conversando com o professor Rafael Acaldipani, da Fundação Getúlio Vargas, decidimos iniciar uma pesquisa sobre essa turma para entender, do ponto de vista sociológico, quem eles são e o que querem. Assim, nas manifestações seguintes, nos aproximamos dessas pessoas, conversamos muito, ouvimos o que eles tinham a dizer. E foi então que tive a primeira surpresa. Quando me apresentava como professora da Universidade Federal de São Paulo, todos eles se mostravam muito receptivos, abertos a conversas. Sempre mostraram muita vontade de explicar suas ideias e as razões de suas bandeiras. As conversas revelaram outra característica: o grupo dos chamados blackblocs é bastante articulado, sabem o que querem, se expressam muito bem.
Os jovens desse grupo têm de 17 a 25 anos em sua maioria e quase todos estudam em universidades particulares. São universitários, portanto. São cidadãos que moram não nas periferias e cidades-dormitório.
Antes de contar então o que eles reivindicam, acho muito importante apresentar duas facetas que talvez até agora não tenham aparecido na imprensa, na cobertura midiática dos atos. A primeira é que os jovens desse grupo têm de 17 a 25 anos em sua maioria e quase todos estudam em universidades particulares. São universitários, portanto. São cidadãos que moram não nas periferias e cidades-dormitório. Moram dentro dos limites da cidade, utilizam a estrutura urbana, os serviços públicos, circulam por São Paulo. Somando essas duas características, fica mais fácil explicar o discurso articulado, coerente e crítico. Eles conhecem de perto os serviços que a cidade oferece e estudam criticamente a situação do país. A outra faceta é que, por trás das máscaras negras, os rapazes nem de longe combinam com o estereótipo de pessoas violentas. Não lembram os hooligans, por exemplo. São serenos, respeitosos, abertos a discussões.
Isso posto, importa explicar o que eu e Acaldipani encontramos como reivindicações. A queixa primeira e unânime é por atenção. Sentem-se excluídos, maltratados pelo Estado. Afirmam e fazem uso de argumentos sólidos para isso, dizem que o Estado está de costas para os problemas mais elementares da população. E é por isso que usam a violência simbólica como forma de expressão. Eles se veem como sujeitos políticos da mudança e acreditam que os atos de violência – contra coisas, nunca contra pessoas – são também uma maneira de chamar a sociedade para essa discussão. Não consegui pinçar ainda quais medidas tomadas pelos governos poderiam conter a atuação do grupo. Acho que nem os jovens mascarados mesmo sabem. Porque são jovens, porque o movimento é recente. Embora os blackblocs sejam herança – ainda que indireta – dos grupos que militam contra a globalização desde a década de 1990 – essa geração que estamos vendo nos dias atuais começou agora, em junho, na Copa das Manifestações. Eles foram se encontrando nas ruas e no Facebook principalmente e foram decidindo onde iriam atuar. Calculo que nas manifestações menores apareçam cerca de trinta mascarados, mas nas maiores chegamos a contar 150 integrantes. Agora, não é porque se vestem igual e frequentam as mesmas manifestações que este grupo é homogêneo. Tem alguns que são defensores de uma violência maior, que quebrariam mais equipamentos, lojas e etc, aqueles que defendem bater em policiais e até os mais sossegados, que acham que não deve haver violência. Se vestem igual, mas não obrigatoriamente pensam igual.
Sentem-se excluídos, maltratados pelo Estado. Afirmam e fazem uso de argumentos sólidos para isso, dizem que o Estado está de costas para os problemas mais elementares da população. E é por isso que usam a violência simbólica como forma de expressão.
O que todos concordam é que eles não são vândalos, nem baderneiros. São um grupo organizado, com ideias próprias e que se expressa pela violência simbólica para se colocar contra o Estado e contra o sistema capitalista. Defendem que vândalo é o Estado, porque permite que alguém morra na fila do SUS por falta de atendimento. Violência é o que o Estado pratica sobre seus cidadãos. A imprensa tem tentado colar neles esse rótulo. Os jovens reconhecem isso, mas não aceitam essa definição, mas também não esperam outra postura da imprensa. É recorrente na fala dos jovens do blackbloc que a imprensa é superficial, simplista e que a população não é capaz de compreender a verdadeira mensagem que os órgãos de imprensa querem passar. Eles não gostam muito de falar com jornalistas por isso mesmo.
E o futuro? Eu e Rafael Aldipani conversamos muito sobre isso e me parece que já dá para inferir duas coisas: que os blackblocs vão seguir acompanhando as manifestações e agindo como vêm agindo. E, ainda, que o endurecimento autorizado dos policiais diante de atos de depredação e violência trará reações. Ainda não sabemos de que natureza, mas talvez piore um pouco. Mas isso ainda é preciso aguardar e observar”.