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Educação

Cabos desconectados

Elisa Marconi e Francisco Bicudo

As delicadas relações que conectam as pessoas aos meios de comunicação é um tema que intriga o psicólogo Fabiano Simões Corrêa desde os tempos de graduação. As razões para consumir rádio, jornal, televisão, revista; aquilo que causa identificação ou repulsa; ou ainda o tempo dedicado e a entrega a essa atividade eram objetos da curiosidade do pesquisador.

Foi assim que no mestrado, feito na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (USP), em Ribeirão Preto, interior do estado, ele desenvolveu uma pesquisa sobre a representação da internet no ambiente escolar. Ou, em outras palavras, investigou como professores e alunos enxergam o uso e as possibilidades dessa ferramenta. Para refletir sobre o tema, sustentado por dados concretos, Corrêa entrevistou educadores e estudantes de 15 a 18 anos de uma tradicional escola pública de Ribeirão Preto. Compilou as respostas e chegou a algumas conclusões esperadas e outras bastante surpreendentes sobre como os usuários percebem a rede mundial de computadores.

“Não foi uma análise institucional, nem um estudo sobre o uso escolar da web. Foi mesmo um mergulho no entendimento, naquilo que os professores e os jovens pensam sobre estar conectado e usar a rede para finalidades diversas. E encontrei pontos de discordância entre os dois grupos nessas ideias”, conta o autor do trabalho.

“Ou seja, se o professor entender que o desafio não é mais superar as dificuldades para encontrar a informação, ou que ele já não é mais o único detentor dos dados, e se posicionar como tutor, orientador, de um educando, a internet deixa de ser rival e passa a ser parte amigável do processo.

O primeiro tópico identificado, e que o psicólogo já esperava encontrar, é o discurso que transforma a internet num vilão. “Vamos chamar de modo simplificado de ‘discurso negativo’”, sugere. “Os professores se queixam do excesso de dedicação dos estudantes à web e alegam que o tempo que os meninos e meninas passam conectados podia ser usado para obter informações e aprofundar os conhecimentos”, aponta o pesquisador. Na outra ponta do fio, curiosamente, os alunos reforçam essa percepção. “Eles admitem que bem que poderiam aproveitar mais a internet com fins educacionais, mas não fazem isso. Passam muito tempo nas redes sociais e se dedicam pouco ou quase nada a esse uso tido socialmente como positivo”, analisa Corrêa.

Essa associação da web a uma prática negativa e nociva, no entanto, deve ser vista com cautela, segundo o pesquisador, porque se baseia ainda nos primeiros estudos feitos sobre a rede, em meados dos anos 1990, quando não se entendia bem para onde a tecnologia nos levaria. Naquele ponto, as previsões eram catastróficas, lembra Corrêa, e imaginava-se que a internet ia deixar as pessoas ainda mais individualistas, distantes umas das outras, viciadas e alienadas. A realidade foi mudando e mostrando que as coisas não caminharam exatamente para esse cenário. No entanto, o discurso permanece. “E o curioso é que os jovens também professam isso. Podemos supor que é o discurso socialmente aceito, pega bem, embora os internautas saibam que essa não é toda a realidade”, pondera o autor da pesquisa Um estudo qualitativo sobre as representações utilizadas por professores e alunos para significar o uso da internet, defendido em maio último.

Contudo, Corrêa enxergou outras práticas. Ao contrário do que os próprios jovens dizem, eles não ficam na internet apenas matando o tempo e se exibindo nas redes sociais. A dissertação revela que um olhar mais atento encontra usos reconhecidamente positivos da web pelos adolescentes. O primeiro, disparado nas respostas dadas pelos estudantes, é o vestibular. “Eles estudam para o vestibular, tiram dúvidas, conhecem cursinhos, universidades e até carreiras novas acessando a internet. É o caminho mais usado por eles para essa finalidade”, aponta o autor.

O segundo benefício é a pesquisa desvinculada da escola e dos estudos, mas que ajuda a aprofundar conhecimentos. Corrêa exemplifica: “Uma das estudantes que entrevistei disse que tinha um perfil falso no Orkut e que para alimentar esse perfil pesquisava fatos verdadeiros. A personagem criada por ela era arquiteta, então ela pesquisou faculdades onde poderia ter se formado; mora no Rio de Janeiro, então pesquisou em que bairros ela poderia morar; e assim a aluna conhece a cidade maravilhosa muito bem, ainda que à distância”.

Por fim, o psicólogo lança a última grande sacada de sua pesquisa: a internet e, em especial, as redes sociais têm apresentado a política para os adolescentes. Não só visões políticas, ideologias, plataformas partidárias, mas principalmente, a mobilização política. “Encerrei a dissertação no momento em que começavam as mobilizações para as manifestações da Copa das Confederações, era possível identificar as discussões, os encontros, as faíscas no ar”, lembra. “Acompanhei pequenas movimentações para reivindicar coisas na escola estudada, todas orquestradas pela rede mundial de computadores. Começavam ali e se materializavam no recreio”, continua. Entender que isso acontece e como isso acontece ajuda professores e pensadores da educação a dar outro status para a web.

Tradicionalmente também se atribui essa negatividade do discurso a certo receio por parte professor, como se ele tivesse medo mesmo da ferramenta, da novidade e da tecnologia. Entretanto, o estudo de Corrêa ajudou a derrubar esse mito. “Professor não só não tem medo, como tem muita consciência da importância da web”. Então por que se divulga essa ideia? Segundo o psicólogo, é uma interpretação equivocada de outra característica: “O professor se sente impotente diante da internet. É bem diferente de se sentir amedrontado, ou ameaçado. E se sente impotente por várias razões. A principal delas é que todos os manuais, todos os especialistas, todos os congressos dizem que o educador deve usar a web. Mas ninguém diz como e nem quando a escola vai estar pronta e equipada para esse uso”, explica.

O que os educadores já perceberam, e isso aparece no levantamento, é que para concorrer com os sites e redes sociais, ou para trazer essas possibilidades para o contexto educacional, as instituições de ensino precisam mudar. “O que a dedicação do aluno à internet ensina é que para fazer frente à rede, a escola precisa ser mais interativa, ou melhor, promover uma construção do conhecimento de forma mais interativa, porque é fundamentalmente por isso que os jovens passam horas navegando, por causa da interatividade, da troca, da instantaneidade”, conta Corrêa.

Seguindo esse raciocínio, o pesquisador sugere reflexão de grande importância para quem pensa a educação: o que atrai o adolescente para a internet é a possibilidade de trocar, de conhecer, de acessar dados nunca antes vistos e de seu verdadeiro interesse e, assim, ampliar os conhecimentos, os entendimentos. Ora, não são essas mesmas as razões para um pesquisador se debruçar sobre uma investigação?

O psicólogo acredita que sim e defende que a relação dos alunos com a rede obriga professores e pensadores a enfrentar a pergunta: que formação estamos desejando para esses futuros adultos? Porque a natureza da busca e do envolvimento com o meio é muito semelhante àquela vivida por um estudioso, ou cientista, mas em vez dessa experiência se dar na escola, tem se dado com a web, através de computadores, tablets e celulares.

Contudo, Corrêa enxergou outras práticas. Ao contrário do que os próprios jovens dizem, eles não ficam na internet apenas matando o tempo e se exibindo nas redes sociais. A dissertação revela que um olhar mais atento encontra usos reconhecidamente positivos da web pelos adolescentes.

Corrêa lembra que há poucas décadas esse papel de ser o portal para o conhecimento e para um mundo novo era por direito do professor. O que se vê hoje é uma mudança de eixo e quem encarna em boa medida a função de ponte é a internet. “Não à toa o educador se vê meio perdido, sem saber como enfrentar esse ‘inimigo’”, brinca o pesquisador.

A boa notícia, para que imagina que no futuro a internet substituirá o professor, é que não é possível imaginar a formação de estudantes e aprendizes sem a figura central de um educador. “O que pode acontecer é o professor se readequar à realidade”, provoca. Mas como, já que ele mesmo diz que ninguém chega a esse ponto? E a resposta vem: usando todo o seu conhecimento dos processos de ensino-aprendizagem não para fazer o aluno buscar a informação e entregar para o professor no final do bimestre, “fazendo o famoso ‘copia e cola’, de que os docentes se queixam tanto, mas que não é um fenômeno recente”, lembra o autor da pesquisa.

“Mas despertando o gosto pela investigação no estudante, mostrando como formalizar aquilo que ele colheu e, principalmente, estimulando o adolescente a encontrar valor e serventia naquilo que buscou”, completa. Ou seja, se o professor entender que o desafio não é mais superar as dificuldades para encontrar a informação, ou que ele já não é mais o único detentor dos dados, e se posicionar como tutor, orientador, de um educando, a internet deixa de ser rival e passa a ser parte amigável do processo.

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