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Barack Obama é reeleito presidente dos Estados Unidos e enfrentará cenário adverso. “Embora seja o homem mais importante do mundo, comandante da maior potência, ele não governa sozinho. Junto com Obama, foram eleitos parlamentares, que dividiram as casas legislativas. O Senado é democrata, e a Câmara dos Deputados, republicana” , diz o cientista político Reginaldo Nasser

Elisa Marconi e Francisco Bicudo*

Além da foto de Barack Obama sorrindo, de olhos fechados e abraçando sua mulher Michelle, que rodou o mundo e bateu recordes de compartilhamento nas redes sociais (até a noite de quarta feira, dia 07 de novembro, tinham sido 750 mil retwittes e 4 milhões de compartilhamentos no Facebook), outras duas imagens parecem resumir bem a reeleição do primeiro presidente estadunidense negro, com nome de muçulmano, que comanda os EUA desde2009. Aprimeira é o mapa daquele país marcado de azul nos estados em que o democrata venceu e de vermelho nas unidades federativas que deram a vitória a Mitt Romney, o adversário republicano. A segunda imagem é uma charge bem humorada que trazia um Obama estilizado, segurando o mundo nas mãos, com o planeta dizendo: “ufa!”. O cientista político Reginaldo Nasser, professor de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP), concorda que esses dois aspectos são aqueles aos quais mais a comunidade internacional deve estar atenta no próximo mandato presidencial.

Começando pelo mapa bicolor, o pesquisador explica que, para analisar a vitória de Obama, é preciso, primeiro, entender o que significa e representa o presidente dos Estados Unidos da América. “Embora seja o homem mais importante do mundo, comandante da maior potência, ele não governa sozinho. Junto com Obama, foram eleitos parlamentares, que dividiram as casas legislativas. O Senado é democrata, e a Câmara dos Deputados, republicana”, diz Nasser. Por ser uma república federativa, os Estados Unidos procuram manter equilíbrio entre as esferas de poder, de forma que o Congresso é bem atuante e divide com o presidente as decisões que fazem caminhar o país. Até para entrar em guerra, o Congresso tem de autorizar.

Nasser continua: “Romney teve 57 milhões de votos. Ainda não sabemos com precisão se a extrema direita cresceu, mas o apoio a ela foi bem significativo. E não podemos esquecer os lobies, que são uma força legal e consistente nos Estados Unidos, e atuam sobre questões fundamentais como petróleo, armas, comércio, e estão intimamente articulados com a opinião pública”. Ou seja, o poder do presidente é legítimo porque vem do voto de 59 milhões de cidadãos, da conquista de 303 delegados democratas que confirmarão a escolha pelo atual mandatário. No entanto, ele não vai nadar livremente, de braçada. As outras forças disputarão espaço político nos Estados Unidos, de forma que haverá embates e choques, lembra o cientista político.

Há ainda dois outros fatores, recorda o professor de Relações Internacionais, que influenciam esse quadro binário: a quantidade de pessoas que votam, já que “tradicionalmente, 40% dos norte-americanos vão às urnas. Os outros 60% não tem muito interesse na política, o que tende a polarizar a disputa”. Também os referendos costumam interferir na decisão de votar e na escolha dos candidatos.

“Assuntos polêmicos como consumo recreativo ou medicinal de maconha e casamento de homossexuais estavam em discussão, então quem tinha posição sobre essas questões foi votar”, levanta Nasser.

E quanto ao alívio do mundo pela reeleição do presidente democrata? Nasser acredita o sentimento tem motivações internas, relacionadas a temores dos cidadãos norte-americanos, e externas, por conta do que a reeleição pode significar para as relações internacionais. Nas redes sociais se dizia que, na primeira eleição de Barack Obama, a esperança havia vencido o medo. Já nessa, o medo é que teria vencido a esperança. “E é isso mesmo. Internamente, os eleitores temiam que algumas conquistas, como a seguridade social e a recuperação – ainda que tímida – da economia retrocedessem sob Romney. E, externamente, os outros países apostavam que o democrata tem mais inclinação ao diálogo que seu adversário republicano”, afirma.

No entanto – é premente que se destaque – Obama não vem demonstrando muita aptidão e muito desejo de mudar algumas das frentes mais delicadas de atuação. “Basta lembrar que, ao assumir o primeiro mandato, o presidente não substituiu o chefe do Pentágono, não modificou a política externa em relação ao Oriente Médio e nem suspendeu a chamada guerra ao terror”, aponta Nasser. De qualquer sorte, a percepção mundial é que Romney, caso viesse a ser eleito, poderia endurecer ainda mais essas questões, “porque ele se alinhou ao movimento ultraconservador de direita chamado Tea Party”, que tem olhos voltados mais intensamente para o umbigo dos Estados Unidos, reúne fundamentalistas religiosos, racistas, pessoas contrárias ao aborto e ao casamento entre homossexuais, além de não concordar com a ajuda econômica à Europa. Ou seja, ainda que venha atuando de forma mais moderada (decepcionante até) que o esperado, que não tenha operado mudanças em certas linhas de ação internacional, Obama inspira nas demais nações mais confiança que Romney, de forma que o mudo pode – agora – respirar um tantinho mais aliviado.

No entanto, o professor da PUC/SP faz questão de ressaltar que não devem ser quatro anos de tranquilidade. A primeira eleição de Obama também deixou o país dividido. E exatamente como está se vendo agora, os estados da costa leste e da costa oeste, de tendência democrata, costumam ser mais abertos para o mundo; e os estados do centro e do sul, como se fossem um país à parte, beiram o provincianismo. “Tudo isso se reflete no dia a dia das pessoas. Romney dizia – como outros líderes antepassados – que os Estados Unidos foram escolhidos por Deus para comandar o mundo. Obama não diz isso, mas também não discorda de uma série de posturas defendidas pelo republicano”, analisa o cientista político.

A sugestão por trás dessa fala é que, embora sejam de partidos adversários e empunhem planos de ação diferentes, “há muito consenso entre os dois candidatos. A política externa, por exemplo, converge mais que diverge, assim como a questão do Irã e o uso dos drones”. Nasser comenta ainda que, de fato, a guerra contra o terror não deixou de existir de Bush para Obama, e o número de civis mortos nas guerras foi igual ou maior que no governo anterior, de orientação republicana.

Faltará tranquilidade também internamente, porque, a considerar a campanha, Obama tentará implantar justamente os pontos divergentes dos planos de governo republicano e democrata. A saber: a seguridade social e impostos mais pesados para os mais ricos, iniciativas que certamente vão enfrentar resistência daqueles setores conservadores da política dos Estados Unidos.

Um fator que pode desequilibrar essa situação toda é o fato de este ser o segundo e derradeiro mandato de Obama. Ele não pode mais se candidatar à presidência da República, de forma que tem, então, teoricamente mais liberdade para pegar mais pesado em algumas ações e assim deixar uma marca mais contundente de sua gestão na história do país. Nasser concorda que existe essa possibilidade, no entanto não aposta muito nela, já que o presidente não deu muitos sinais de que gostaria de romper com certas estruturas. “Por exemplo, muitos dos financiadores da campanha deste ano são ligados ao setor financeiro, de especulação financeira, a Wall Street. Barack Obama não enfrentou esses grupos nem na época mais grave da crise, nem durante os movimentos de ocupação”, aponta.

A situação delicada que o México vive, com assassinatos, tráfico de entorpecentes, extrema violência perto da fronteira com os EUA também não vem recebendo a devida atenção. “Um presidente eleito pelos latinos poderia aprofundar essas relações, mas não vemos sinalizações da presidência nessa direção”, acrescenta. O que deve mesmo ser distinto no próximo governo é, internamente, a mobilização da sociedade. “Obama já demonstrou que é um líder, que discursa muito bem e que o que diz tem o poder de mobilizar as pessoas e, nesse sentido, o Obama Care – aquele plano de seguridade social – deve fazer algum barulho e deve mudar algumas coisas no país”, sugere o professor de Relações Internacionais. Até a gestão anterior, fora das campanhas, quem melhor conseguia mobilizar a sociedade eram os republicanos e esse é um ponto que pode passar por transformações.

No momento em que a entrevista foi realizada, Nasser ainda não tinha fechados os números definitivos sobre a eleição de senadores e de deputados, incluindo os ligados ao Tea Party. Mas já sabia que a rejeição a Obama tinha sido maior entre os homens brancos e os mais velhos; por outro lado, o presidente reeleito recebeu forte apoio dos jovens, dos negros, das mulheres e dos latinos. “Então outros fatores que merecerão nossas atenções nos próximos quatro anos são o racismo, a xenofobia e o recrudescimento do pensamento ultraconservador que, nos EUA, é capitaneado pelos convivas do Tea Party”, alerta. Aspectos desse contexto devem ganhar corpo, contra e a favor, polarizando o debate.

Por fim, olhando todo o processo eleitoral e a conclusão dele, com a reeleição de Barack Obama, do ponto de vista da América Latina e do Brasil em especial, Nasser acredita que não deve haver nenhuma mudança significativa em relação aos últimos quatro anos. No entanto, como nas demais áreas, “há que se olhar sempre para a atuação dos lobies, que têm muito peso nas decisões de comércio, de circulação de pessoas, de sanções, e tudo isso, de alguma maneira, pode tocar na gente. De resto, como o mundo todo, o Brasil fica apenas um pouco mais aliviado com a escolha dos norte-americanos por Obama, em detrimento do republicano Mitt Romney. E só”, conclui.

 

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