Para especialista em propriedade intelectual em tempos de internet, não há direito autoral no mundo que se sobreponha ao direito ao conhecimento
GIZ – Para abrir o debate: quais os principais dilemas atuais relacionados à questão dos direitos autorais?
Sergio Branco* – Primeiro é importante mencionar que a discussão a respeito dos direitos autorais é recente no Direito. Essa ideia do direito autoral data do século 19. Apesar desse histórico, quando a gente tem de lidar com direitos autorais e tecnologia, o avanço da tecnologia deixa as leis e as teorias do Direito muito defasadas. Toda a construção da teoria jurídica e prática do direito autoral do século 20 conta com enorme dificuldade de se ajustar com perfeição com relação às tecnologias que existem atualmente. Por isso as discussões têm sido tão intensas. Uma das principais questões é que a indústria cultural insiste em manter a fórmula de remunerar valendo-se de mecanismos de arrecadação e distribuição, que são típicos de uma vida analógica, e não de uma vida digital, que é a que vivemos hoje. Então, por exemplo, a indústria cultural insiste em basear seu ganho na ideia de escassez. Como isso funciona? Quando o livro só existia no papel e você publicava mil exemplares e eles eram vendidos, você não teria outros para vender. Eles eram escassos, teria de reeditar outra tiragem. Só que hoje, com o mundo digital e a economia digital, nós não temos mais essa escassez. O que interessa num livro quase nunca é o objeto físico livro, é o texto. E hoje esse conteúdo pode ser passado digitalmente de uma pessoa para outra sem que a titular se prive dele. Passo uma cópia para você, mas mantenho a mesma. Então o maior desafio hoje é repensar o seu modelo de negócio diante de um mundo que não tem mais escassez. A maneira de ganhar dinheiro tem de ser outra, não pode mais ser baseada na escassez.
E como fica então essa equação para a indústria cultural?
Ela vai ter de continuar se remunerando pelo interesse do público, pela demanda, mas não oferecendo bens escassos. Mas como a gente vive um momento tipicamente de transição, ninguém sabe exatamente qual é a melhor solução, se é que haverá uma única solução. Porque ao longo do século20, asolução era uma só. Eu produzo CDs e livros num determinado número, filmes com determinadas cópias, depois lanço DVDs com cópias limitadas, comercializo e gero dinheiro por conta dessa escassez dos recursos. Hoje não. Você não precisa mais da cópia física, você tem locadoras virtuais, que atendem à demanda de filmes de outra forma. São maneiras contemporâneas de buscar a remuneração. A indústria cultural, ao longo dos últimos 15 ou 10 anos, acusa a internet de fazê-la sofrer muitas perdas. E reage – capitaneada pelos Estados Unidos – propondo leis de tolerância zero, como SOPA, PIPA e, mais do que isso, ACTA, que é um acordo que vem sendo discutido a portas fechadas por Estados Unidos, União Europeia, Itália, Japão e outros países, não todos, que propõe medidas extremamente severas, como a revista e o confisco de computadores em viagens internacionais para ver se tem algum arquivo ilícito lá dentro. E isso é muito delicado, porque as leis que protegem a propriedade intelectual são diferentes em cada país. No Brasil e nos Estados Unidos, por exemplo, o tempo para uma obra cair em domínio público é diferente, então pode ter um arquivo no meu computador que seja lícito aqui e ilícito lá. SOPA e ACTA também preveem medidas seríssimas a serem aplicadas a servidores também fora dos Estados Unidos. Então se essa lei vier a ser aprovada, você pode ter um site no Brasil que aqui é considerado lícito, mas que no entender dos Estados Unidos, esse site viola os direitos autorais e aí ele pode ser severamente prejudicado em seus negócios.
E essas leis funcionariam sem necessidade de processo e de ação judicial, certo?
Certo. Bastaria uma comunicação às autoridades dos Estados Unidos e elas impediriam o direito a financiamento do site. Um site que recebe pagamento via cartão de crédito para vender música, por exemplo, deixaria de poder receber esses pagamentos. Certamente seria muito prejudicado financeiramente. Se SOPA for aprovado, esse site pode ser impedido de aparecer em buscas no Google. Ou seja, são medidas extremamente graves e que atingem não só os Estados Unidos, mas são os Estados Unidos que estão legislando, de alguma maneira, para o mundo todo. Criando consequências para o mundo todo. E isso é claramente uma reação da Indústria Cultural, que não sabe muito bem como agir no mundo de hoje. É extremamente perigoso, porque bota em risco a liberdade de uso da internet como conhecemos desde seu início.
Diante dessa realidade, a discussão a respeito dos direitos autorais deve seguir quais pressupostos e princípios?
Primeiro deve levantar a discussão e informar as pessoas que tudo isso está acontecendo e que afeta, de alguma maneira, todos nós. E também para fazer algumas reflexões e reivindicações. O que o Brasil tem feito em relação a isso? Nós não temos hoje aqui no país uma lei que aponte os direitos dos usuários de internet. E por que isso é importante? Vamos voltar à Idade Média. Naquela época, os ingleses estavam cansadíssimos dos abusos cometidos pelos soberanos. Aí eles criam um documento – que para quem estuda Direito é importantíssimo – que é uma carta de direitos dos cidadãos ingleses contra abusos de autoridade. O que a gente precisa hoje, mais do que criminalizar qualquer ação na rede, é criar uma carta de direitos. Isso, aqui no Brasil, vem sendo discutido com o nome de Marco Civil da Internet, que se encontra hoje no Congresso Nacional. E foi uma iniciativa bem interessante, porque foi pensado pelo Ministério da Justiça em parceria com o Centro de Tecnologia e Sociedade aqui da FGV, do qual eu faço parte. E a ideia é que esse Marco Civil garantisse direitos aos usuários de internet e fosse pensado colaborativamente, na própria internet. Então desenvolvemos uma plataforma e perguntamos aos participantes: como vocês acham que a privacidade deve ser tratada na internet? Como vocês acham que a responsabilidade pelo uso da internet deve ser tratado? Como vocês acham que o anonimato deve ser tratado na internet? Havia tópicos e qualquer pessoa do Brasil todo podia participar. Pegamos todas as respostas, compilamos e enviamos ao Ministério da Justiça. Lá, a partir dessas respostas, eles propuseram um texto para o Marco Civil e enviaram de volta à plataforma, para que agora as pessoas pudessem opinar no texto. No total foram duas mil contribuições na primeira e na segunda fases. O texto foi enviado à Presidência da República. A presidenta Dilma assinou esse texto e mandou para o Congresso.
Trata-se de um avanço considerável, não?
Sim, é um enorme avanço. Primeiro porque cria uma carta de direitos para os usuários de internet, que não poderão ser atacados ou infringidos por questões abusivas. E olha como isso é importante: um dos direitos seria assegurar a conectividade, o acesso à internet. Na Finlândia, o governo decidiu que acesso à internet é um direito fundamental de todo cidadão, então distribuiu um mega para cada pessoa. Nunca os moradores de lá poderão ficar sem acesso. Já na França, o governo decidiu que se uma pessoa violar três vezes os direitos autorais, ela pode ser punida com a suspensão da conexão à rede, coisa que não aconteceria na Finlândia. Aqui no Brasil a gente pede o direito ao acesso no texto do Marco Civil. Entende por que isso é importante?
O cidadão delimita até onde o Estado pode agir. E esse é o segundo ponto, o projeto foi criado pelos próprios usuários, ou seja, democracia direta de uma forma que a gente não está muito acostumado.
E essa experiência de democracia direta já deixou marcas?
Já. A experiência com o Marco Civil serviu de espelho e inspiração para várias outras questões. A classificação indicativa, por exemplo, que é tão importante para os professores, também vem sendo discutida por meio de fóruns abertos, de participação livre. O Código de Processo Civil, que tem mais de mil artigos complicadíssimos, super técnicos, também está sendo discutida assim. E a reforma da Lei de Direitos autorais também. Aliás, esse é um ponto que merece um olhar mais atento, quando o assunto é propriedade intelectual.
Essa discussão colaborativa do marco civil e sua eventual aprovação estão também relacionadas à posição do Brasil em relação aos outros países do mundo?
A aprovação – depois de todo esse processo democrático – colocaria o Brasil na ponta, como referência aos outros países, que não estão fazendo nada parecido. O Brasil seria reconhecido como um país em que os usuários têm direitos e que a legislação foi construída por todos, de forma a não permitir abusos. Alguns dos pesquisadores da FGV estão sendo chamados para contar como foi a experiência na ONU, em universidades dos Estados Unidos e Europa, enfim, quando pessoas que lidam com direitos autorais conhecem essa nossa experiência, ficam encantados. O Marco Civil já atingiu dimensões mundiais, por ter sido elaborado pelos próprios usuários e trazer essa delimitação de direitos é algo muito novo.
Entrando em tema correlato – em que pé estão as discussões a respeito da lei de direitos autorais e que desenho a lei vai tomando?
Nossa lei precisa ser mudada. Ela é muito ruim. Ela vem sendo apontada todos os anos por um órgão mundial de defesa do consumidor como uma das piores do mundo. Na penúltima divulgação, estávamos em 7º lugar e na mais recente chegamos ao 4º lugar, onde o 1º lugar é a pior de todas. No quesito educação, a gente tira o primeiro lugar sempre, porque a lei brasileira de direitos autorais, em última instância, dificulta a educação. Por exemplo, professor que exibe filme em aula, mesmo que seja através de um DVD legal, está incorrendo num ilícito civil. Pensar a educação hoje sem manejo de obras de propriedade intelectual é um retrocesso enorme. É muito grave. É importante frisar que essa discussão a respeito da propriedade intelectual e dos direitos autorais teve um bom avanço quando o ministro da Cultura era Gilberto Gil e, na gestão seguinte, de Ana de Holanda, teve um retrocesso imenso. Que fez aparecer a figura do Ecad (Escritório de Arrecadação de Direitos Autorais) que andava até meio adormecido. Claro que o Ecad cumpre um papel importante, os músicos não conseguiriam recolher o que têm direito sozinhos. Esta semana, o Ecad foi alvo de todo tipo de críticas por ter cometido mais um absurdo daqueles impensáveis – e olha que o Ecad vem cometendo vários, mas esse foi impressionante – ao cobrar blogs por exibição de vídeos postados no Youtube. É totalmente inaceitável esse tipo de cobrança. É abusivo, ilegal, viola todos os princípios da internet. O próximo passo é o Ecad começar a cobrar por link, só falta isso. O Ecad, como eu disse, tem um papel, mas – a coisa mais grave de todas – não é fiscalizado por ninguém. A lei cria um monopólio legal, sem fiscalização. O Ecad cria as próprias regras, sem controle externo. Vou dar um exemplo: todas as emissoras de TV pagam 2,5% de seu faturamento para o Ecad. Mas e se a emissora não usa música, ou se usa pouquíssima, paga a mesma coisa que a MTV, que vive de música? Tem o Poder Judiciário para controlar, claro, mas até que as arbitrariedades cheguem lá, ou até que alguém perceba os abusos, as medidas já foram tomadas.
Mas a gente já pode dizer que existe uma mudança naquilo que se entende por propriedade intelectual?
Certamente estamos numa fase de repensar a propriedade intelectual, várias são as formas que estão surgindo para se ganhar dinheiro com obras intelectuais de uma forma mais adequada ao mundo digital em que vivemos, vários são os autores que vêm defendendo que suas obras possam ser reproduzidas e copiadas livremente. Um deles é o Paulo Coelho, escritor brasileiro. Vários pesquisadores do país todos – assim como nós aqui do CTS da GV – estão escrevendo artigos e promovendo essa discussão. Em vários ramos a gente vê o surgimento de novas maneiras de pensar e tratar a propriedade intelectual. O que é muito importante.
O senhor acha que as manifestações nas redes sociais e nas ruas a respeito dos direitos autorais na internet fazem parte dessa mudança de mentalidade?
Sim, a gente viu até um projeto de lei ser retirado do Congresso norte-americano pela Casa Branca em virtude das manifestações globais contrárias a essas arbitrariedades. A internet também mostra sua força nisso, nessa sensibilização e mobilização das pessoas por causas. A Primavera Árabe foi toda potencializada pelo uso da internet, quando o Ecad comete uma arbitrariedade dessas, as pessoas se manifestam. Claro que isso repercute de alguma forma. O Ecad tomaria a medida e ninguém ia ficar sabendo, só quem lesse o jornal do dia seguinte. Talvez nem virasse pauta para o jornal. Até porque, antes da internet surgir, os direitos autorais interessavam a muito pouca gente. Interessava só a quem tinha dinheiro para produzir livros, discos, música e para quem era artista. Agora não. Agora qualquer um que tenha acesso a computador pode colocar textos, fotos, músicas, seus e de outras pessoas, pode editar, remixar, transformar. Todos viram produtores e distribuidores de cultura e isso atenta contra a cultura da escassez, da propriedade intelectual. Antes eu só podia ver o filme que estava no cinema, na TV ou na locadora. Era limitado o acesso e pago. Tinha toda uma indústria que sobrevivia na esteira desse modelo de negócio. De venda de pipoca à fofoca de celebridades. Hoje, basta eu abrir um site como o Vimeo, ou o Youtube, que posso passar horas assistindo a filmes variados, de graça, feitos por amadores. Posso até fazer meus próprios filmes. Então vai diminuir meu interesse pelos filmes lançados pela indústria cultural, porque deixa de ser a única opção. O que diminui automaticamente a quantidade de ingressos vendidos, DVDs e CDs comprados e alugados e toda a indústria que orbita esse modelo. Nosso dinheiro continua limitado, nosso tempo também, mas a oferta aumentou incrivelmente, então diminui a parcela dos setores tradicionais, que tentam de todas as maneiras manter a forma tradicional do negócio e o ganho tradicional. Na verdade estamos saindo de um modelo de mundo que não se sustenta mais e entrando num modelo novo, que ninguém conhece bem as regras, e por isso mesmo causa certo temor.
E onde os professores e a educação se encaixam nessa discussão, nesse novo mundo?
Educação tem tudo a ver com essa discussão. A gente não pode mais se limitar a imaginar que educação é um professor na sala de aula, com o livro didático. Isso é um absurdo. É, no máximo, anos 1980. Hoje o professor pode e deve usar todos os recursos, tecnológicos ou não – livros, discos, sites, filmes, redes sociais, blogs, sites de busca, tudo – para oferecer a melhor educação. Tem um autor [Emilio García Méndez] que diz que “Educação é inegociável”. E eu concordo. Não tem direito autoral no mundo que possa estar acima da Educação. Diz ele: “Na atual etapa do desenvolvimento tecnológico, em que o acesso ao conhecimento constitui a variável decisiva e fundamental de uma existência humana digna, que constitui a finalidade última dos direitos humanos, o direito à educação não pode ser submetido a qualquer tipo de negociação, devendo ser entendido como prioridade tão absoluta quanto a abolição da escravidão ou da tortura”. Então não tenho a menor dúvida que o acesso à informação, a propriedade intelectual e os direitos autorais são questão chave e fundamental para a educação.
*Sergio Branco é doutor e mestre em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ. Pós-graduadoem Propriedade Intelectualpela PUC-Rio. Líder de Projetos do – Centro de Tecnologia e Sociedade e professor de Direito da Fundação Getúlio Vargas – Direito/RJ
No caso da internet x direito autoral e copyright o MELHOR (para todos – sociedade e capital) a fazer é instituir uma taxa mensal, paga junto á conta do provedor de acesso da internet. Tipo 10 reais mensais á mais todo mes.
Aí o assinante seria obrigado mensalmente a fazer um relatório do que baixou (ou acessou) e gostou, do que merece (mérito) ser renumerado. Aí esses 10 reais seriam transformados mensalmente em crédito e vc conectaria ao provedor seu e diria ao provedor o que baixou e gostou e quer renumerar, dentro dessa faixa maxima de 10 reais. Aí aparecia uma lista mostruosa e vc diria o que baixou, acharia na lista, lá do lado estariam os preços (conforme tipo – musica, filmes, documentarios, software, livros, jogos), preços obviamente dentro de um limite maximo e módicos (tipo musica 20 centavos maximos, filme 1 real maximo, software 3 reais maximos, jogos 3 reais maximos). Aí vc teria que “gastar” seu credito de 10 reais (que vc pagará aquele mes extra ao provedor) nisso. Se sobrasse e vc não tivesse mais ou fosse “quebrado” que não teria uma obra pra renumerar vc poderá colocar num “fundo” de amparo á cultura, mas teria que gastar os 10 reais, zerar o credito mensal. Se não fizesse, seu acesso á internet estaria bloqueado. E assim vai… NÃO VEJO OUTRA MANEIRA! Ou seja, renumerar APENAS POR MÉRITO (só o que vc acha que vale a pena, não tudo que teve acesso ou baixou) e os preços, numa gigantesca tabela, serem dentro de padrões módicos de preços que perfaçam muito inferior ao limite de 10 reais mensais e aos preços abusivos “de mercado”. Assim artistas e produtores seriam renumerados. Pode ser pouco, mas de gota em gota se enche um rio, e como são milhões de usuarios pelo mundo….
Só não gostará desse sistema as majors hiper niper viper triper ziper gananciosas dos EUA, que querem 100% de tudo renumerado com preço “cheio” 100%…. Só que eles precisam entender que quem tem acesso a 100 musicas mp3 não deixou necessariamente de comprar (pelo preço de mercado e acesso”formal”) 100 músicas. Nem tão pouco gostará ou usará ouvirá (usufruirá) das tais 100 musicas (tem gente com vicio de download e colecionismo que “pega” muita coisa mas não ve 10% do que pegou…). a não ser que tenham Bola de Cristal, pra advinhar de cada pessoa se ela compraria e se usou.
A outra vantagem desse metodo é que ele não é invasivo, não viola a privacidade e os direitos humanos e garantias civis da população. O próprio assinante diz, de próprio “punho”, o que baixou e quer renumerar. Claro, precisa dize-lo, mensalmente, senão o acesso é barrado depois dos 30 dias corridos do inicio do sistema ou do ultimo “senso”, mas é um preço baixo a se pagar para se começar a renumerar e começar o fim dessa perseguição do governo norte-americano sobre as pessoas.