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Trabalho

Para onde caminha o trabalho?

Em entrevista ao programa “Roda Viva”, da TV Cultura, Ricardo Antunes, professor e pesquisador da Unicamp, faz refleções sobre emprego, linha de produção e transformações no mundo do trabalho. “O tempo da ciência não é o tempo do mercado. Como posso mensurar o tempo científico se sou pressionado pelo mercado?” Confira a reportagem completa!

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Elisa Marconi e Francisco Bicudo*

Prestes a lançar o segundo volume do livro Riqueza e miséria do trabalho no Brasil, o sociólogo Ricardo Antunes, professor e pesquisador da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), foi o entrevistado do “Roda Viva”, exibido pela TV Cultura, no dia 3 de setembro. Antunes é referência no campo da Sociologia do Trabalho e tem mais de uma dezena de publicações sobre o assunto. Na nova obra, analisa como as tecnologias estão transformando a vida dos trabalhadores, tanto positiva quanto negativamente. “Produzimos mais e mais rápido, mas com menos gente empregada e trabalhando em jornadas cada vez maiores, incluindo o tempo que passam fora da empresa empregadora”, explicou o professor.

Instalado no centro do “Roda Viva”, o professor da Unicamp foi entrevistado pelo mediador do programa, o jornalista Mário Sérgio Conti, e pelos convidados Liliana Segnini, professora de Sociologia do Trabalho na Unicamp; Leny Sato, professora do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP); Eleonora de Lucena, repórter do jornal Folha de S. Paulo; Mônica Manir, editora do Caderno Aliás do jornal O Estado de S. Paulo; e Alexandre Teixeira, jornalista e escritor. A primeira questão apresentada solicitava uma avaliação a respeito das recentes greves no setor público, que atingiram, por exemplo, as universidades e a Justiça, levando em conta que o país está há 10 anos sob um governo liderado pelo Partido dos Trabalhadores (PT).

De acordo com Antunes, de 2004 para cá, a economia do país cresceu sensivelmente e passou a incorporar novos trabalhadores. É esperado, portanto, que com mais trabalhadores no mercado, haja mais reivindicações também.

As greves são uma tendência do capitalismo. E tanto aqui, quanto no mundo todo, a exploração do trabalho vem se intensificando de forma brutal. As condições de trabalho caíram muito e a tendência à precarização é bem visível”, explica.

Na década de 1990, o Estado foi fatiado, seguindo a cartilha neoliberal. E, nessas condições, os trabalhadores ficaram desorganizados. Mas, com o crescimento da economia – tem o PAC, tem eventos esportivos grandiosos – e as condições muito ruins de trabalho, “esses funcionários dormem em alojamentos onde as classes médias não colocam seus cães”, e os trabalhadores perceberam que era possível fazer greve, que a situação política e econômica era favorável. Para o sociólogo, muitos trabalhadores e trabalhadoras votaram no PT acreditando que nesse governo teriam mais espaço. E não foi isso que viram.

Ainda sobre a temática das greves, Antunes respondeu que a reação do governo – comparada por ele muitas vezes à postura linha-dura da primeira-ministra britânica Margareth Thatcher – era previsível. “O governo Dilma é inexperiente na questão da negociação com os trabalhadores, se compararmos com Lula, que foi o mais importante líder sindical do país. O governo vem se mostrando insensível e incapaz de lidar com essa situação. Mesmo entre os ministros. Onde está o ministro do Trabalho para negociar? Ou onde está o ministro da Educação, já que a greve é nas Universidades? Sobrou para o ministro do Planejamento”. Amparando-se na história recente do país, Antunes lembrou que, até 1988, o funcionalismo público não podia fazer greve e que isso foi uma conquista da Constituição. Por isso, é inaceitável que esse governo, dos trabalhadores, não se disponha a negociar. Para ele, a atual administração federal tem mostrado um tratamento muito duro com o funcionalismo, que foi uma das bases eleitorais do PT e que elegeu Lula em 2002. Esse endurecimento pode colocar por terra, segundo o entrevistado, a cooptação das centrais sindicais, ocorrida na gestão de Lula. Caso a relação do governo com os trabalhadores continue exatamente como vem sendo hoje, Antunes acredita que o PT e o governo perderão essa importante base de sustentação, que é o funcionalismo público. “As universidades federais ainda estão paradas. E acredito que essa pode ser a primeira grande crise do governo Dilma. Quero ver como o governo do PT vai resolver isso. Vai chamar o Exército?”, provocou o professor.

Em relação aos professores universitários, o governo de Fernando Henrique Cardoso e o primeiro governo Lula foram muito duros com a categoria. Já o segundo governo de Lula, de acordo com Antunes, foi marcado por postura dúbia. “De um lado, o aumento expressivo no ensino público, abertura de universidades, contratação de professores. E, de outro, incentivo ao ensino privado, com Reuni e Prouni”. Tem-se então toda uma geração de jovens doutores que conhecem a situação precária das universidades particulares, “onde o importante é subir no ranking e não fazer pesquisa”, e por isso vão ser professores na rede pública, onde encontram a mesma precarização que viram de perto nas particulares. “Não me refiro às PUCs, FGVs e fundacionais, me refiro às que não têm perfil científico, que contratam três professores titulados para subir no ranking e depois despedem esses professores”. Para ele, fala-se muito em acabar com a estabilidade, porque é a maneira mais fácil de atingir a universidade pública. E um dos problemas, nesse caso, é que a ciência fica defasada.

“O tempo da ciência não é o tempo do mercado. Como posso mensurar o tempo científico se sou pressionado pelo mercado?”, pergunta.

O professor da Unicamp não é contrário à avaliação das universidades, que devem sim prestar contas à sociedade dos investimentos que recebem. Mas defende que é preciso mais que a contabilização de índices para avaliar com rigor as instituições.

Provocado pela professora Liliana Segnini, da Unicamp, Antunes faz um breve relato sobre a evolução do mundo do trabalho, do início do século 20 até os dias atuais. Na resposta, o entrevistado destacou a tendência contemporânea à precarização. Em aparte, Conti lembrou que seriam 900 mil contratos de diaristas, colocando o Brasil como o 5º país do mundo em termos de temporários. O entrevistado confirmou e garantiu que esse número deve subir. A terceirização da mão de obra, de acordo inclusive com o livro de Antunes, Adeus ao trabalho, está muito próxima da informalidade. Tanto um terceirizado facilmente vira informal, quanto um informal facilmente vira um terceirizado. E hoje são 10 milhões de trabalhadores terceirizados no país. E, lembrou Antunes, os sindicatos não conseguem representar os terceirizados, porque foram fundados na era varguista, seguindo a mesma receita de representar no mundo inteiro uma classe trabalhadora taylorista, fordista, masculina e com direitos.

Hoje, essa mesma classe é masculina e feminina – sempre foi, mas procurava-se esconder – e a feminização do trabalho no Brasil é intensa. É difícil para esse sindicato tradicional entender essa classe trabalhadora composta por jovens, mulheres e terceirizados. “Mas não será a primeira vez que os sindicatos terão de se adaptar aos novos tempos. Do século 19 para o século 20, os sindicatos eram de corporações de ofício e precisaram mudar para representar uma nova classe trabalhadora de massa. Hoje a gente precisa de um sindicato mais horizontalizado, que compreenda a nova morfologia do trabalho”, opinou Antunes.

O jornalista Alexandre Teixeira lembrou em seguida que, há cerca de dois anos, o professor da Unicamp afirmara que os sindicatos estariam passando por uma espécie de tsunami e que daí deveriam surgir novas formas de sindicalismo, de atuação sindical. E perguntou: “Já há exemplos no mundo desse novo sindicato?”. Girando a cadeira em direção ao entrevistador enquanto refletia, Antunes afirmou que os sindicatos estão sendo pressionados e que já há sim exemplos novos. “A Argentina conseguiu fundar uma nova Central Sindical, independente daquela mais tradicional, que remetia a Perón, depois da crise. As centrais sindicais de Portugal e da França estão fazendo um grande esforço para tentar entender esse novo trabalhador”, responde.

Ele completou dizendo que mais importante são os novos movimentos sociais de precários e precárias. O maior deles, em escala mundial, segundo o sociólogo do trabalho, é o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra, o MST. “Um movimento social que representa os deserdados do campo, que não está na Lei, não é legal, mas se tornou legítimo. E esses movimentos sociais têm influenciado os piqueteiros, movimentos de desempregados”. O pesquisador lembrou que,em São Paulo, a gente viu o trágico caso de da ocupação Pinheirinho, movimento de trabalhadores urbanos e de trabalhadores desempregados. E na França também há um movimento forte de desempregados. Casos mais delicados, como os bolivianos, peruanos e haitianos que vêm para o Brasil, numa onda migratória nova, por conta do desenvolvimento econômico, ainda não encontram sindicatos que os representem. Daí porque há a necessidade de adaptação. “Vivemos na selva, na forma mais avançada de selva, quase sem proteção”, alertou o professor. Mas os sindicatos não vão desaparecer, nem os partidos políticos – na opinião de Antunes, vão aparecer novos desenhos de movimentos.

Foi a vez de Eleonora de Lucena pedir para Ricardo Antunes falar mais sobre a precarização do trabalho, num tempo em que a economia cresce e a classe C emerge como consumidora. Para ele, a precarização é a regra, e ela acontece também nas camadas com grande capital cultural – seria o caso dos jornalistas, que passam a trabalhar como pessoas jurídicas, por exemplo. Ele reforçou: o crescimento dos empregos formais não conseguiu acabar com os precários. A precarização veio para ficar. Na década de 1990, lembrou o professor, o país passou por uma estagnação profunda, foi a desertificação neoliberal. No primeiro governo de Lula, essa tendência se manteve. Aí veio o Mensalão, detonou o PT e ameaçou o governo com a perda de parte da base de apoio, que são os trabalhadores. Lula, que desde os anos 1970 defendia que o segredo no Brasil era ampliar o mercado interno, passou a tomar uma série de medidas para expandir o poder de consumo dos mais pobres. Aí vieram Bolsa Família, microcrédito, redução de IPI e etc…

Eleonora cortou e perguntou: “Nesse contexto, Dilma está à direita ou à esquerda de Lula?”. O professor da Unicamp riu e confessou achar difícil responder, mas arriscou: “Evidentemente não os considero governos de esquerda, mas no caso dos Direitos Humanos, por exemplo, Dilma está bem à esquerda. Lula não mexeu uma palha e morria de medo dos militares e ainda afirmava que nunca os bancos tinham ganhado tanto”. Ele completou: “Dilma já é mais dura com isso, pede aos banqueiros para baixar um pouco os juros, negocia. O esquema é o mesmo, o plantel partidário é o mesmo, mas o ponto fraco é que Dilma é uma gestora dura, que não conhece os movimentos sociais, não há nenhum ministro que tenha esse papel e não vai adiantar ficar ligando toda hora para São Bernardo do Campo”, provocou.

No terceiro bloco do programa, Antunes apresentou reflexões sobre a influência do desenvolvimento tecnológico na transformação do mundo do trabalho. Lembrou que hoje há mais gente trabalhando em casa, ou a qualquer momento, através de computadores, tablets e celulares conectados à internet. As tecnologias da informação e comunicação têm sentido duplo, trazem avanços e prejuízos. Por exemplo, todos os movimentos de indignados em Portugal, Grécia, Espanha, Egito tiveram grande apoio, fundamental apoio nas redes sociais, nas conexões. Sindicatos e partidos tiveram um papel pequeno papel nessas movimentações. Por outro lado, os celulares são escravização moderna. Borraram o espaço da vida pública e vida privada. A empresa flexível faz experiências e retira a estrutura física, mas cobra metas. Cria problemas sérios, como suicídios, depressões. E ainda cria um problema geracional. Quem tem mais de 40 anos não cresceu nesse mundo informatizado. E hoje a empresa acha o funcionário a qualquer hora do dia para cobrar as metas.

O jornalista Alexandre Teixeira questionou se Antunes reconhecia também os avanços oferecidos por essas formas de trabalho mais desarticuladas e como se deve lidar com a legislação que não prevê nada disso. O sociólogo garantiu que reconhece e até faz uso dessa flexibilidade. Trabalhos mais intelectuais e de criação combinam bem com essas empresas mais fluidas. Mas lembrou que, se alguém adoece, ou sofre um acidente, fica desamparado. E essa segunda parte não aparece na imprensa, no discurso oficial. Exatamente como acontece com o trabalho terceirizado, precarizado, das empresas de limpeza ou telemarketing, que exploram a força de trabalho ao limite, chegando a propor que as atendentes de telemarketing usem fraldões para não precisar levantar para ir ao banheiro e não perder esse tempo. Para ele, há uma questão fundamental a ser enfrentada pelo mundo sindical:

“Vamos demolir a CLT, ou vamos partir dela para construir algo novo? No mundo todo, as leis de trabalho estão desmoronando, na Europa e até na Escandinávia. Imaginem aqui no Brasil!”.

A última pergunta foi do mediador Mário Sérgio Conti: “Não seria um pouco de nostalgia, professor? Hoje é ruim e antes é que era bom? E como é que se enfrenta tudo isso?”. Antunes afirmou que não sente nenhuma saudade do Fordismo, por exemplo, e disse que só acredita em mudanças imaginando outro mundo. “Não tenho saudade, mas também não tenho a ilusão de que hoje adoeço mais e sou cobrado 48 horas por dia para trabalhar mais, produzir mais. E olha que eu gosto de trabalhar, hein?”, finalizou.

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