No texto, a professora de geografia Silvia Bárbara, discute a proposta de reestruturação curricular na Educação Básica. “Assim como nos anos 90, a responsabilidade pelo mau desempenho escolar ainda recai exclusivamente sobre o ensino e os professores. Ora o problema está no currículo, ou no conteúdo, ora na didática, ora na formação dos docentes.” Leia o artigo na íntegra!
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Silvia Barbara
Quatro economistas franceses lançaram, em 2010, um manifesto contra as políticas econômicas europeias. O documento rapidamente ganhou a adesão de outras pessoas e deu origem a um grupo nomeado ‘Les économistes atterrés’, em livre tradução, os economistas horrorizados, perplexos.
O manifesto faz uma crítica contundente à “lógica neoliberal, tida como a única legítima apesar dos fracassos evidentes”. Organismos financeiros internacionais baseiam-se numa pretensa eficiência do mercado para impor o receituário de sempre – corte de despesas públicas, redução das aposentadorias, flexibilização das leis trabalhistas, liberalização comercial etc.
“Como economistas, estamos perplexos ao ver que essas políticas continuam na ordem do dia e seus fundamentos nunca não são questionados (…) mas agora estão sendo desafiados pelos fatos. A crise desnudou o caráter dogmático e infundado da maior parte das alegações repetidas à exaustão por quem tem poder de decisão e seus conselheiros.”(Manifeste d’economistes atterrés, 2010).
Depois de ouvir Aloizio Mercadante descrever sua proposta para o currículo no ensino médio, ocorreu-me uma ideia. Que tal se fundássemos o grupo dos “professores horrorizados”, a exemplo dos economistas franceses? Faça um teste: transponha a citação acima para o campo da Educação e veja se dá jogo.
O ministro da Educação criticou o excesso de disciplinas e defendeu um modelo organizado em quatro áreas – matemática, linguagens, ciências da natureza e ciências humanas, centrado na interdisciplinaridade.
“Estamos desenvolvendo um novo currículo, mais flexível, menos fragmentado, para tirar um pouco essa sobrecarga de disciplinas”, declarou Mercadante em entrevista ao programa Hora da Educação, do MEC.
Não há nada de novo nas palavras do ministro. A proposta existe desde a primeira versão das diretrizes curriculares, de 1998, aprovadas na gestão Paulo Renato de Souza, ministro da Educação de 1995 a 2002.
Na verdade, a mudança anunciada é apenas parte de um modelo educacional que se mantém hegemônico desde os anos 90. Talvez aí resida o problema…
As reformas iniciadas há quinze anos transpuseram para o universo escolar modelos de gestão empresarial, como fixação de metas, busca por eficiência e aferição de resultados por meio de avaliações externas e padronizadas, como Enem, Saeb etc.
Na época, os críticos classificam as reformas como neoliberais, a serviço do mercado e de grandes organismos internacionais. Hoje, esse discurso anda cada vez mais escasso.
Assim como nos anos 90, a responsabilidade pelo mau desempenho escolar ainda recai exclusivamente sobre o ensino e os professores. Ora o problema está no currículo ou no conteúdo, ora na didática, ora na formação dos docentes. Daí a profusão de propostas tão salvacionistas quanto inexequíveis.
Nessa linha, surgem profissionais – consultores, gestores – especializados em dizer como a escola deveria funcionar e como os professores tinham que trabalhar. Atualmente, existe até a bizarra figura do consultor de gestão de sala de aula!
Regras e receitas são abundantes. A escola não pode ser conteudista, nem centrada no professor e os alunos têm que ‘aprender a aprender’, sempre com muito gosto. Não por acaso, dois verbos quase desapareceram do vocabulário desses “pensadores pedagógicos”: ‘ensinar‘, um atributo dos professores, e ‘estudar‘, ação que pressupõe trabalho e esforço do aluno.
Em todo esse tempo, dois aspectos sempre me chamaram a atenção. Em primeiro lugar, a existência de um mesmo receituário que pode ser aplicado em todas as etapas da educação básica, como se os desafios fossem os mesmos na educação infantil e no ensino médio.
Um outro elemento é a menor importância atribuída ao conteúdo que o professor leciona, em nome de uma supervalorização da ‘prática pedagógica’, como se um pudesse prescindir do outro. Como consequência – para o bem e para o mal – desde os anos 90 tem havido mudanças em todas as disciplinas, da redefinição de conteúdos a diferentes formas de abordá-los, inclusive de forma interdisciplinar.
Se o resultado não foi tão eficaz, talvez seja porque a educação não opera por milagres, como alguns teóricos gostam de pregar. A questão é que a interdisciplinaridade não é um fim em si mesmo, nem pode ser aplicada a todas as situações, o ano todo.
Por fim, se o problema está no excesso de disciplinas, sugere-se que a discussão passe, em primeiro lugar, por uma mudança na Lei de Diretrizes e Bases (LDB).
A legislação criou distorções que não podem ser resolvidas por uma nova abordagem na sala de aula. Não tem sentido, por exemplo, manter o ensino religioso com status de ‘disciplina’ no ensino fundamental ou ainda garantir que apenas filosofia e sociologia sejam as únicas disciplinas obrigatórias em todos os anos do ensino médio.
Passados quinze anos do início das reformas educacionais, talvez seja hora de nós, professores, darmos um basta e recuperarmos espaço nesse debate.
A Professora Silvia Bárbara coloca os “is” no lugar correto, porque tudo dá errado na educação por culpa exclusiva dos professores. Mas veja, se o interesse é de ambos, alunos e professores, mais a sociedade em si, então todos temos culpa no cartório. Nada acontece por culpa exlusiva do lado do professor. O professor geralmente segue a cartilha que a escola impõem para ser seguida na sala de aula.O que falta geralmente é autonômia ao professor para ser expressar e praticar livemente as sua reflexões sobre o SABER em sala de aula