Roberta Lourenço Ramos
Quarenta aulas por semana. Três escolas diferentes. Condução, livros, pasta. Provas, vinte diários, redações para corrigir. E para completar, uma chuva fininha e insistente caindo, molhando-a toda apesar de sua sombrinha verde-escura, fazendo-a amaldiçoar o tempo, o ônibus que não chega, e até mesmo a sombrinha que pouco adianta…
Finalmente, chega o bendito (?). Pode descansar por dez minutos até chegar ao bairro, atravessar a ponte sob um vento que quase vira sua sombrinha para cima, fazendo-a finalmente sorrir, lembrando-se dos desenhos animados. Escola, sala dos professores, com todos reclamando do salário, e ela apenas ouvindo, calada, às vezes sorri para si mesma, porque desespero de nada adianta…
Sinal. Balbúrdia nas escadas, trezentos alunos se acotovelando, se empurrando para subir. “Boa tarde!” Respondem alguns: “Boa tarde, fessora”. Começa a aula de Inglês, sentindo-se a mais inútil de todas: acaso precisariam algum dia conjugar o verbo “To Be”? Dá para se entender a forma negativa do passado com a cabeça lá fora, pensando no que seria a merenda do dia? Ela várias vezes se indagou isso, mas felizmente consegue passar para os alunos que é necessário, sim! Que vão precisar um dia. Que o Inglês está presente em toda parte, e que é legal aprender o significado de umbrella !
Lá fora a chuva continua castigando a cidade. O rio Paraíba, ao lado da escola, parece mais triste ainda, mais sujo, mais maltratado. Olha para os alunos, e vê a mesma cena: tristes, maltratados… Suspira e continua com a lição.
Eis que aparece do lado de fora um senhor muito sem graça, com uma sacola de supermercado na mão. “Eu queria falar com o meu filho, o João.” Vai o João falar com o pai. Menino franzino, não aparenta a idade que tem. O pai abre a sacola e entrega-lhe uma sombrinha. “Umbrella!” Entra o João com a sombrinha, sendo aclamado pelos colegas: “Nossa, que pai legal! Veio trazer a sombrinha para você!” Senta-se o menino, sorridente, mas todo sem graça, como o pai.
Umbrellas e mais umbrellas se passam, e o sinal toca. Todos saem felizes com a liberdade, ainda mais que a chuva havia passado! Só fica para trás o João, juntando devagarinho seus livros surrados. Vem carregando o umbrella. “Puxa, professora, meu pai trouxe a sombrinha à toa, a chuva passou!” Comenta ela o quanto é bom ter um pai assim… E o menino conta que mais tarde, se estivesse chovendo, teria que trazer a irmã à aula. Ela não entende: no Noturno estudam adultos, como um menino pequeno daqueles iria trazer a irmã? Pergunta ao João. Ele conta que a irmã é moça, mas na casa deles só tem uma sombrinha. Se chovesse, ele viria com ela para poder levar a sombrinha de volta, que o pai teria que ir trabalhar… Umbrella…
Ela junta seus diários e folhas e sai. Passa pela ponte sobre o rio mais calmo, agora que a chuva passou. Espera o ônibus novamente, sem mais o amaldiçoar. Uma chuva fina cai sobre ela, e nenhuma umbrella vai poder protegê-la.
O que fazer para ajudar tantos joões espalhados neste Brasil? Tantas chuvas atrapalhando meninos franzinos e irmãs mocinhas e pais legais, todos com uma sombrinha só, e tantas umbrellas por aí, coloridas, arregaladas, a espiar a chuva com desdém!
E se ela desse a ele uma sombrinha? Talvez cessasse a chuvinha triste que insiste em chover sobre ela.
Aula seguinte, pergunta ela, pisando nas palavras com sapatos de algodão, morrendo de receio da reação do menino. Inventa uma sombrinha esquecida em sua casa, deixada de lado, sem função, poderia dar a ele? Ele agradece, satisfeito, abre um sorrisinho: little umbrella, diminui um pouco a chuvinha triste sobre ela.
Corre a comprar um guarda-chuva para ele. Escolhe um preto, de “homem”, que abre automaticamente, uma etiqueta prateada pendurada, que ela logo tira: afinal, era umbrella esquecido!
E agora? Como entregar ao João? A turma não pode saber! E lá vai ela novamente pisando com cuidado no terreno de palavras de areia movediça mais úmida que nunca pela chuvinha que insiste em cair, triste. Combina com ele: na saída, passar na secretaria e pegar com a moça. Os dois cochicham, meio assustados, combinando a entrega do “contrabando” de solidariedade!
Na saída, pergunta à secretária: ele pegou? Sim, tinha que ver a carinha de felicidade! Eu até falei que queria um igual pra mim, de tão bonito, e ele sorriu mais ainda!
Ah… Passa a chuvinha triste totalmente… Umbrella! Um desses bem coloridos, enormes, que não deixam passar uma gota de tristeza, abre-se totalmente em sua vida. E ela vê umbrellas em todas as bocas, imensos, acabando com as chuvas que gostam de inundar nossos dias com tristezas…
Passando pela ponte, vê o Sol intenso, despedindo-se. Até amanhã… Não mais haverá chuva para um menino franzino e sua irmã mocinha e seu pai legal. Muito menos para uma professora de Inglês. Umbrella!!!