Elisa Marconi e Francisco Bicudo
Manifestações genuínas e bastante significativas da era da internet, as redes sociais certamente transformaram a maneira como os usuários se encontram e se relacionam com seus variados grupos de interesse. Os benefícios são evidentes. No entanto, esse mix de palanque com quermesse dos tempos atuais pode também ser um espaço de convivência agressivo e violento para os jovens e, de maneira especial, para as garotas.
Uma pesquisa realizada com 12 usuárias pelo site Weheartit.com e publicada há alguns dias pela revista norte-americana Time revela que os usuários mais novos, embora usem com frequência os sites de relacionamentos, encontram por vezes um ambiente hostil, cheio de regras e pressões, como, por exemplo, apagar fotos que não obtiveram muitos likes e só postar no Facebook imagens não tão boas para ir para o Instagram.
Outro levantamento, feito em dezembro pelo mesmo site, confirma o desconforto: dos 5 mil entrevistados, 66% disseram já ter passado por experiências de agressão verbal no Facebook, 19% no Twitter e 9% no Instagram. Entre os participantes, 80% já estiveram envolvidos em algum desentendimento ou discussão com seguidores no Facebook, 22% passaram pela experiência no Twitter e 12% no Instagram.
Uma das facetas dessa violência a que meninos e meninas podem ser submetidos quando navegam pelas redes sociais é a violência sexual. A psicóloga Renata Liborio, doutora em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela Universidade de São Paulo (USP), vem se dedicando à questão da violência contra os jovens nos últimos anos, em particular à violência sexual contra crianças e adolescentes. “A violência sexual, o abuso, pode acontecer em casa, na escola ou em qualquer instituição a que a criança esteja relacionada. E pode acontecer também na internet”, alerta.
Renata, que é também professora da Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Estadual Paulista (UNESP), conta que, em relação às redes sociais, o que mais a preocupa é a frequência e como muitas vezes elas são usadas. “Por exemplo, quando uma menina tira foto com o namorado, que um dia se torna ex-namorado, e esse homem espalha as fotos dela, compartilha seja no Facebook, no WhatsApp, ou no Instagram, isso é uma forma nova de violência sexual, favorecido pelos recursos de tecnologia”. Uma vez na rede, essa imagem deixa de ser privada e passa a ser de domínio público e tanto o dono quanto o personagem perdem o controle e a situação passa a ser uma confusão, um vexame, o que não deixa de configurar uma agressão.
“Estamos totalmente midiatizados, mediados pela imagem desde que nascemos, quando já temos os rostos expostos nos sites das maternidades e, em segundos, em todas as redes sociais”
O aumento nos casos de violência, sexual ou não, via web contra jovens é, segundo a psicóloga, sinal dos tempos e da sociedade em que vivemos. “Estamos totalmente midiatizados, mediados pela imagem desde que nascemos, quando já temos os rostos expostos nos sites das maternidades e, em segundos, em todas as redes sociais”. Inútil imaginar que haverá uma volta para o final dos anos 1980, ou início dos 1990, quando o alcance e os atrativos da rede eram infinitamente menores. O novo cenário, essa maneira recente de estabelecer e desenvolver relações, pede cuidados que, talvez, os adultos não estejam sendo aptos a ensinar para os mais jovens.
Renata defende que há um excesso de exposição. Essa geração que tem hoje 10, 12 ou 15 anos, nasceu sob esse universo. Para eles é muito natural. Por isso mesmo cabe aos adultos ajudá-los a se conscientizar dos riscos e das vantagens dessa marca da sociedade. “Converso muito com os adolescentes e eles sempre atribuem à confiança no amigo, no namorado, o envio de uma foto comprometedora, ou até de uma informação sigilosa”, levanta a professora da UNESP. “Precisamos ajudá-los a diferenciar amizade de desproteção. Em tempos de exposição midiática, se proteger – em todos os sentidos – é fundamental”, completa.
O mesmo conselho que se aplica à violência sexual serve para o bullying virtual, a agressão moral que fragiliza, derruba a auto-estima. Para a especialista, nem sempre a garota sabe por que está tirando e enviando uma foto nua ou sensual e nem sempre um jovem sabe por que está curtindo, comentando ou compartilhando um post ofensivo. Atenção – é agressor tanto quem escreve quanto quem repercute. E trazer essa discussão à tona é mais que necessário para evitar o sofrimento dos garotos e das garotas. “Tanto a violência sexual quanto o bullying acontecem no mundo real e no virtual e trazem consequências graves para os adolescentes. No ano passado houve dois casos de suicídio de meninas que tiveram as fotos compartilhadas nas redes sociais”, lembra Renata.
É sabido já que os jovens não vão reduzir o uso das mídias sociais, “isso é descartado, porque faz parte da linguagem e da cultura juvenil atual. Faz parte do desenvolvimento e da socialização deles. Estão se socializando via redes sociais”, garante a psicóloga. A diferença é que o que antes era de foro íntimo – a relação com o namorado, a gozação com os colegas da escola – ficava restrito às paredes do quarto, ou ao aos muros da escola. Hoje as pessoas estão muito mais sujeitas ao vexame, à vingança e à violência. “A sexualidade entre os jovens sempre existiu, mas agora eles têm de ter mais maturidade e mais reponsabilidade para não se exporem mais do que já se expõem. E essa é uma questão que vamos ter de enfrentar”, propõe.
A chave para um relacionamento menos conflituoso com as redes sociais é, segundo Renata, a mesma que deve ser sacada na vida além-tela: se auto-proteger, se cuidar, não facilitar que alguém invada a privacidade e acabe machucando. Mas essa não é uma postura que os adolescentes têm naturalmente – aliás, como já foi dito – eles nasceram e cresceram num ambiente de superexposição. Assim é dever da família educar para esse auto-cuidado hoje tão necessário. É papel da escola aprofundar essa discussão.
“Não acho que a escola é a principal responsável por essa educação não. A família precisa assumir essa tarefa. Mas a escola pode ser o lugar da reflexão”
“Não acho que a escola é a principal responsável por essa educação não. A família precisa assumir essa tarefa. Mas a escola pode ser o lugar da reflexão”, sugere a professora da UNESP. Os parâmetros curriculares contam com a chamada “orientação sexual” como tema a ser discutido transversalmente. O conceito está previsto e pode ser o início de conversas e debates sobre o assunto e um bom caminho para que meninos e meninas alcancem a maturidade necessária para não sofrerem situações perversas na rede.