Skip to main content
Educação

A suave curva ascendente

By 02/06/2016No Comments

Elisa Marconi e Francisco Bicudo*

O livro é o melhor caminho para o respeito ao outro e à diversidade cultural

Zoara Failla, pesquisadora do Instituto Pró-Livro, conversou com a reportagem da Revista Giz num intervalo entre viagens. Coordenadora da pesquisa “Retratos da Leitura no Brasil”, realizada pelo Ibope, por encomenda do Instituto Pró-Livro, ela está percorrendo o Brasil para anunciar e debater os mais recentes dados sobre os hábitos de leitura dos brasileiros. O levantamento, que já está na 4ª edição, sistematiza as respostas de pouco mais de cinco mil entrevistados, consolidando a série histórica que teve início em 2001 (as outras edições foram realizadas em 2006 e 2011) e ajudando a compreender com detalhes quais são as relações que estabelecemos com os livros. Em tempo – a pesquisa considera leitores aqueles que tivessem lido ao menos uma obra (inteira ou em partes) nos três meses anteriores à aplicação do questionário.

“Hoje, 56% da nossa população é leitora”, anuncia a coordenadora. Ela esboça um sorriso discreto. “É um aumento em relação ao que encontramos na edição anterior. Em 2011, na 3ª edição, tínhamos 50% de leitores. É uma elevação, sem dúvida. Pequena, mas real”, garante Zoara. O que os números deixam transparecer e, talvez esse seja o real motivo da comedida alegria, é que a curva de leitores parece efetivamente confirmar uma tendência de alta. Quando consideramos a distribuição por sexo, temos que 59% das mulheres e 56% dos homens se consideram leitores e, entre eles, o gênero que mais faz sucesso são as obras religiosas, com destaque para a Bíblia, o livro mais lido e citado no Brasil. “Sobe a fatia de livros religiosos e da Bíblia, cai a fatia de didáticos”, confirma a coordenadora. Para ela, outra boa notícia, que merece comemoração, é o aumento do número de leitores na faixa de 18 a 24 anos. Em 2011, 53% desse segmento se diziam leitores. Agora, 67% deles dizem ler. “É possível perceber que a expansão dessa faixa se dá junto com o aumento da escolaridade. Jovens e adultos estão estudando mais, certamente têm contato com mais livros, precisam ler para fazer os trabalhos e as provas, mesmo que seja só um capítulo da obra”, ressalta Zoara. Ela reforça que o crescimento dos leitores jovens adultos foi um dos pontos que mais chamou a atenção dos pesquisadores do Instituto Pró-Livro – o salto foi de 14 pontos percentuais, entre 2011 e 2016.

Outra constatação positiva e que chama a atenção na pesquisa: 42% dos adolescentes de 11 a 13 anos afirmam ler por gosto. São os campeões nesse quesito, seguidos de perto pelas crianças de 5 a 10 anos (40% delas procuram a literatura de forma espontânea e por apreço). Os olhares mais atentos já vinham notando essa tendência: as filas nas Bienais do Livro, a confusão e os gritos dos fãs nos lançamentos de autores badalados e os encontros que reúnem booktubers e seus seguidores não são fenômenos isolados e, tudo indica, nem passageiros. “Acredito que a pesquisa pegou, pela primeira vez, esse público novo, que tem outra relação com a literatura, bem mais estreita e próxima. Os autores são ídolos e quem indica as obras são os amigos, os jovens, seja na escola, seja nas redes sociais”, decifra Zoara. Este certamente é um dado alvissareiro, mas a questão que sobra é: os pequenos que hoje são leitores vorazes e encantados continuarão a sê-lo no futuro? “Meu palpite é que sim. Talvez não das obras canônicas e clássicas, mas de obras que eles escolherão. Hoje, o gosto dos adultos é pela Bíblia e por religiosos. No futuro, essa nova geração é que vai ditar a tendência”, arrisca.

A coordenadora da pesquisa lembra que esse jovem sujeito leitor precisa ser compreendido e cativado a partir do contexto tecnológico e da oferta farta de atrativos e de seduções em que vivemos. “Essa geração quer estímulos sensoriais intensos. Por isso, ficar quieto, em silêncio, concentrado, revendo vocabulário, é muito desafiador para ela. E boa parcela dessa fatia parece estar conseguindo isso, nessa relação com a leitura. É um avanço”, defende. Otimista, Zoara também sugere que, se formos capazes de consolidar nesse público o hábito das letras, talvez uma parcela desses jovens leitores da chamada Literatura Pop ou da Literatura da Onda comece a se interessar por obras mais sofisticadas, mais profundas. “Eles não têm preguiça, encaram livros bem grossos, coletâneas com três, cinco, sete volumes. E não se cansam. Daí para buscar os clássicos ou os contemporâneos mais complexos é um pulo”. Atenta a essa realidade, a escola, segundo Zoara, deveria justamente aproveitar que os anos de estudo estão aumentando e que os jovens estão cada vez mais interessados nos livros para, em vez de torcer o nariz e virar as costas para os booktubers, aproveitar e apropriar-se da linguagem que esses ídolos adolescentes da internet usam, a fim de estimular ainda mais a leitura. Em geral, avisa Zoara, o que a escola faz é o contrário, condenando essa relação, por entender que essas celebridades indicam e comentam obras não clássicas, que não fazem parte das listas de leitura obrigatórias dos vestibulares. “Mas é preciso considerar que a indicação horizontal, de igual para igual, é muito eficiente com os jovens, assim como as discussões contidas nos comentários”, pondera.

Quando se observa quem serve como influência e referência para despertar o gosto pela leitura, o cenário que vem à tona é praticamente o mesmo de 2011. Em geral, a autora da façanha é a mãe (11%) ou uma professora (7%). Registro alarmante está na triste constatação que revela que 50% dos professores entrevistados não leram nenhum livro nos três meses anteriores à pesquisa e, entre os que leram algo, 22% optaram pela Bíblia. Aqui, a curva do sorriso da coordenadora de ‘Retratos da Leitura no Brasil’ para de crescer. Zoara reconhece também que a média de leitura do brasileiro continua muito baixa: de acordo com a pesquisa, são apenas 4,96 livros (inteiros ou capítulos) por ano. Uma obra a cada 2 meses e meio. Desses, apenas 2,88 foram consumidos por vontade própria, e só 2,43 tiveram a leitura concluída. Também grave: 30% da população jamais comprou um livro. “Realmente são índices ainda muito, muito pequenos. Apesar das tendências de alta que citei, há muito ainda a ser feito”, admite. Como exercício de reflexão e para ajudar a fomentar políticas públicas que possam enfrentar esses obstáculos, o levantamento procurou listar as causas mais comuns alegadas pelas pessoas que não leem: 32% reclamam que não têm tempo, 28% acham chato, 13% não têm paciência e 10% preferem outras diversões. No ranking das atividades que os brasileiros mais gostam de fazer quando tem tempo livre, a leitura ocupa um modesto décimo lugar.

Ao olhar para esses números, Zoara afirma que quem trabalha com ensino ou incentivo à leitura está diante de dois desafios consideráveis e conectados: trazer mais gente para o mundo da leitura e, depois, manter essas pessoas no universo dos leitores. “Não é fácil, as distrações são muitas e o trabalhador comum brasileiro perde muitas horas no deslocamento, num transporte lotado e chega exausto em casa. Nada disso incentiva a leitura”. No entanto, otimista irrecuperável, a pesquisadora vê com bons olhos as iniciativas espalhadas pelas cidades para incentivar a leitura. Para ela, bibliotecas de escolas e de comunidades mais periféricas são um bom exemplo. “A pesquisa aponta que são lugares inspiradores, onde acontecem rodas de leitura e discussões, saraus, contação de histórias”. Para ela, ações promovidas por entidades da sociedade civil, ainda que também movidas por desejo de reforçar marcas, são relevantes e significativas. Além disso, o sistema educacional precisa ser protagonista e promover a leitura, defende a pesquisadora. Ensinar a ler, ensinar a ler bem, de forma crítica, ensinar a viajar nos personagens, nas tramas, nos conflitos, oferecer livros e atividades, convidar autores e estimular a escrita de obras continuam sendo tarefas fundamentais dos professores e das escolas. “São as ações como essas que já existem e não podem deixar de existir que fizeram os índices subirem, tenho certeza. O desafio é manter a curva apontando para o alto”. E avante.

Comentários