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Educação

A sede de Marte

By 09/10/2015No Comments

Elisa Marconi e Francisco Bicudo

Setembro estava quase dizendo ‘até 2016’ quando a Agência Espacial Norte-Americana, a NASA, fez chegar ao público uma espécie de teaser sobre uma novidade científica extraordinária que tinha sido confirmada. Pesquisadores e jornalistas no mundo todo ficaram curiosos e animados. Na segunda-feira, dia 28, numa entrevista coletiva para lá de aguardada e disputada, o Diretor de Ciência Planetária da agência, Jim Green, foi objetivo e direto: “Marte não é o planeta seco que pensávamos. Em certas circunstâncias, existe água líquida em Marte”. Estava dada, em primeira mão, a manchete de todas as editorias e publicações científicas nas horas e dias seguintes.

Mais precisamente, os pesquisadores estadunidenses chegaram à evidências fortíssimas da presença do líquido – em versão salgada – nos terrenos marcianos. Vá lá, ainda não é a prova cabal, embora, vale insistir, os indícios sejam muito fortes e tenham sido obtidos a partir de técnicas confiáveis como sensoriamento remoto feito por sondas no solo do planeta e espectrometria de massa. O físico Pierre Kaufmann, professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, concorda que foi um passo importante. No entanto, ele lembra, “há evidências de água – principalmente gelo – em Marte desde o século 19, desde quando começaram a usar os telescópios, portanto não há grandes novidades teóricas”, aparentemente jogando um balde d’água fria na fervura. De fato, há estudos bem antigos sugerindo a presença de calotas de gelo no planeta vermelho, outros propondo que as calotas cresciam ou diminuíam de acordo com as estações. Aí, como quem inverte a mão de direção, o pesquisador oferece um copo de água fresca no calor, reconhecendo a relevância da descoberta. “A água é o ponto de partida para muitas coisas. É um planeta próximo, candidato agora a abrigar expedições exploratórias. Além disso, é uma confirmação de uma ideia antiga e vai proporcionar o financiamento de novas missões”, completa, em conversa exclusiva com a Giz.

É um roteiro conhecido para o mundo científico: uma descoberta estimula a pesquisa e o anúncio de outras tantas novidades e, assim, de avanço em avanço, sequência de verdades provisórias, vai se construindo o conhecimento. Não há dúvida que as evidências anunciadas pela Nasa contribuirão para essa dinâmica. Porém, há mais em jogo. No plano da simbologias, a humanidade aguardava há séculos por essa indicação mais precisa de líquidos conhecidos em Marte. Confesse: ao receber a notícia você também fez a associação mais clássica. Sim, onde tem água, tem vida! “Claro que ter água é condição para existir vida, mas vida como a que a gente conhece. É possível que existam outras formas que ainda não descobrimos”, explica Kaufmann, “mas esse foi sim um motivo de alegria entre especialistas e leigos”.

Em entrevista ao site da BBC Brasil, o astrofísico Eduardo Cypriano, professor da Universidade de São Paulo, concorda: “a descoberta é importante porque a água líquida é um meio facilitador uma série de reações químicas essenciais à vida. Então, é possível sugerir que aumenta a esperança de que se possa encontrar algum tipo de vida em Marte. Mas é claro que também não me surpreenderia se a Nasa conseguisse fazer uma análise química dessa água e não encontrasse qualquer composto orgânico nela.” A ciência, segundo Kaufmann, se faz assim mesmo, a partir de inquietações, de buscas, de vontade de descobrir.

Para o Brasil, mais especificamente, duas frentes de investigações e atuações são abertas. A primeira é de ordem mais prática. “A ciência brasileira não deixa nada a desejar em vários campos do conhecimento. O que o Brasil não tem é dinheiro para montar uma expedição exploratória a Marte. Mas pode embarcar numa missão através de cooperações”, especula o físico do Mackenzie, antecipando como o país poderia pegar carona nesses avanços. Por outra via, já que o encontro de água no planeta vizinho autoriza a especulação e a proposição de novas realidades, o Kaufmann defende que este é um bom momento para trazer a discussão para a sala de aula. “As perguntas que a ciência responde hoje, como eu já disse, foram feitas lá atrás. Os jovens precisam ter inquietações para fazerem as novas perguntas que vão guiar as investigações, em todas as áreas”, recomenda.

O problema, lamenta Kaufmann, “é que estamos num momento em que a sociedade é consumista, imediatista e, por outro lado, muito apática. Então, a força dessa descoberta é fazer pensar, opa, pera lá, tem mais coisa à nossa volta!”. E aqui entram os professores, de todos os níveis escolares. Levar a notícia para a sala de aula, explorar as possibilidades da descoberta – seja pelo viés da ficção científica, da física, da química, da matemática, da história – pode ser uma ponte a garantir a transição entre a apatia e o impulso para descobrir. O material é farto e há vários caminhos possíveis, da pré-escola à graduação. Seja qual for a escolha, “a gente precisa ensinar que a dúvida, a pergunta e a busca que se segue a elas é um valor e não uma dificuldade. A evidência de água em Marte é um estímulo a isso”, conclui o físico.

Crédito das imagens: NASAJPL-CaltechUniv. of Arizona

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