Elisa Marconi e Francisco Bicudo
Os primeiros anos da vida escolar certamente são decisivos para qualquer estudante. É quando são plantadas as bases para o processo da construção do conhecimento, são reforçados estímulos à curiosidade e ainda acontece a transformação das descobertas em repertório próprio, dotado de sentidos e significados. No entanto, há crianças que, nessa caminhada, sofrem uma espécie de curto-circuito cerebral, um desvio que pode ser marcado por muitas curvas e estradas vicinais – e chamado de dislexia.
A palavra assusta e causa resistência dos vários atores envolvidos na educação dos pequenos. Em geral, a família custa a encarar o diagnóstico, a escola não sabe muito bem como lidar com o problema, o professor fica receoso com a responsabilidade e, nesse jogo, o aluno pode perder oportunidades preciosas de aprender a aprender. A psicopedagoga Alexandra Belli vem se dedicando aos processos de ensino-aprendizagem dos disléxicos há quase 20 anos e, por isso, não tem o menor receio em afirmar que a melhor maneira de tratar a dislexia é encarar a questão sem tabus.
Segundo a especialista, a primeira providência é tirar da frente a velha noção de que dislexia não existe. “Está cientificamente provado, as ressonâncias magnéticas mais modernas não deixam margem para discussão. O disléxico tem um circuito incomum no processamento das informações, o que gera uma maneira diferenciada de aprender. Portanto, ele é absolutamente capaz de aprender e progredir, só é preciso encontrar a melhor maneira de ajudá-lo”, propõe. E é a partir dessa constatação que Alexandra pretende iniciar o curso que vai ministrar na Escola do Professor, no SINPRO-SP, nos dias 20 e 27 de maio. “Acredito que a melhor maneira de ajudar o aluno disléxico é buscar muita informação para conhecer cada vez mais esse transtorno de leitura, por isso tenho ministrado cursos com conteúdo muito aproveitável pelo professor”, explica.
“A educação acabou sendo influenciada por essa característica mais industrial, mas a gente tem que ter consciência que cada um é um, que cada um tem um desenvolvimento, que existe essa heterogeneidade”
Aliás, ela destaca que a participação do educador em casos de dislexia é fundamental. Mesmo não tendo formação para dar o diagnóstico, passa por ele a atenção para levantar a hipótese. A partir daí, a escola deve pedir uma avaliação para a família, a ser feito por uma psicopedagoga; em caso positivo, o mais indicado é que a intervenção comece rapidamente. “A gente já sabe que quanto antes a escola, a família e o psicopedagogo começarem os trabalhos, melhor será a qualidade de vida do disléxico”, ensina. Ainda para a especialista, um dos objetivos do curso é sensibilizar o professor para a importância dele na vida de tantas pessoas e ainda mais do estudante com dislexia.
“Nesse primeiro momento do curso, a sensibilização também se volta para o que significa ser professor hoje, no Brasil, e sobre como isso impacta o entendimento do que é aprendizado, dos ritmos e dos conteúdos que julgamos necessários para avaliar o estudante”, segue Alexandra. A ideia aqui é desnaturalizar a ideia de que só há um caminho, um ritmo, uma lógica possível para o aprendizado. O professor poderia, assim, aproveitar o tempo do curso para rever esses conceitos. “A educação acabou sendo influenciada por essa característica mais industrial, mas a gente tem que ter consciência que cada um é um, que cada um tem um desenvolvimento, que existe essa heterogeneidade. E não respeitar isso não é culpa do professor, não, é do próprio processo histórico, que leva a massificar, a homogeneizar”, alerta.
O segundo passo do curso é a conceituação propriamente dita, com apoio até da neurociência, para cercar bem a questão. Nesse ponto, a psicopedagoga discute com os professores quais são os transtornos de aprendizagem, que ainda causam certa confusão, e depois se aprofunda na dislexia propriamente dita. “E se é um problema de aprendizagem, ele não se dá apenas com a criança, envolve muitas partes. Criança, família, escola, professor e psicopedagogo. Se uma das partes não compartilha, a aprendizagem não se realiza em sua plenitude”, defende.
“O disléxico tem um circuito incomum no processamento das informações, o que gera uma maneira diferenciada de aprender. Portanto, ele é absolutamente capaz de aprender e progredir, só é preciso encontrar a melhor maneira de ajudá-lo”
Chega o momento em que o professor vira protagonista. A especialista dá as pistas para reconhecer os sinais dos variados tipos de dislexia, no ensino infantil e, depois, no 1º e 2º anos do ensino fundamental. “E quando percebe esses sinais, o professor deve entender que vai propor uma hipótese à escola e à família, porque está baseado em dificuldades evidentes. Mas também nesse momento ele pode perceber os indícios de habilidades no processo de pensamento dessas crianças”, sugere. Normalmente, o processo de pensamento desses alunos é de alto nível, segundo Alexandra. Ou seja, eles possuem singularidades na forma de pensar. E isso é, ao mesmo tempo, encantador e desafiador para o professor e para a criança e a chave para tornar eficiente o aprendizado.
“Em geral, eles têm uma capacidade fora da média de aprender e apreender conceitos, desde que você fale e explique normalmente, em vez de propor uma leitura”. Essa é apenas uma das sugestões feitas no curso. Junto com ela, outras tantas vão sendo propostas. Para cada situação encontrada por um professor com aluno disléxico em sala de aula, uma solução, considerando desde o dia-a-dia na classe, até as avaliações. A boa notícia é que o passo a passo ensinado no curso está longe de ser uma estratégia de exclusão do estudante com dificuldades. Alexandra garante que as atividades, posturas e exercícios facilitam o aprendizado de todas as crianças da classe. “As medidas e adaptações só funcionam se forem efetivas para o grupo todo, incluindo o disléxico, aí a educação deslancha integralmente”.