Texto Publicado originalmente no Outras Palavras, em 02 de dezembro de 2015
Por José Tadeu Arantes, na Agência Fapesp
O ensino superior privado lucrativo teve início, no Brasil, durante a ditadura militar e não parou de se intensificar desde então, adquirindo uma escala sem paralelo no planeta. Atua hoje, no país, o maior grupo educacional privado lucrativo do mundo, com cerca de 1 milhão de alunos.
“Transitamos de pequenas faculdades isoladas para grandes universidades até chegar aos fundos de investimento, com ações altamente cotadas na Bolsa de Valores. São instituições voltadas para obter lucro com a educação. Fato bem diferente do que ocorre nos países desenvolvidos, onde não houve estímulo estatal para a existência de empresários donos de universidades”, afirma o pesquisador Wilson Mesquita de Almeida, em seu livro Prouni e o ensino superior privado lucrativo em São Paulo: uma análise sociológica, publicado com apoio da FAPESP.
O livro é resultado da pesquisa de doutoramento de Almeida, orientada pela professora Heloisa Helena Teixeira de Souza Martins, do Departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo.
Segundo o pesquisador, o modelo de ensino superior que se tornou dominante na graduação brasileira é um modelo empresarial, originado na década de 1970, no regime militar, por meio de dois incentivos dados às universidades privadas: a não cobrança de impostos e o crédito educativo, criado em 1976, atual Fundo de Financiamento Estudantil (Fies).
“Com esses incentivos dados pelo Estado, que continuam até hoje, o setor privado lucrativo conseguiu acumular poder financeiro e político para fazer prevalecer seus interesses nos governos democráticos que vieram depois. O ensino superior privado lucrativo é algo bastante peculiar ao Brasil das quatro últimas décadas”, disse Almeida à Agência FAPESP.
Entre o fim da década de 1990 e início dos anos 2000, as universidades lucrativas enfrentaram grave crise financeira. Em 2005, o setor acabou beneficiado com a criação do Programa Universidade para Todos (ProUni), que confere bolsas de estudo integrais ou parciais, em cursos de graduação e sequenciais nas universidades privadas, para estudantes egressos do ensino médio da rede pública ou da rede particular na condição de bolsistas, com renda familiar per capita máxima de três salários mínimos. Os candidatos são selecionados pelas notas obtidas no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).
Em troca das bolsas de estudo, na proporção de um bolsista para cada nove alunos pagantes, as instituições com fins lucrativos ficaram livres de impostos, ajudando-as a sobreviver naquele contexto de crise econômica.
Pesquisa qualitativa
Almeida centrou seu estudo no acesso e permanência dos bolsistas do ProUni em São Paulo, procurando verificar os limites, avanços e desafios do programa “Fiz uma pesquisa qualitativa, na qual investiguei os casos de 50 alunos de várias universidades privadas lucrativas da cidade de São Paulo. As entrevistas e questionários foram estruturados segundo quatro grandes eixos temáticos: família, trabalho, acesso à universidade e vida universitária dos bolsistas”, informou Almeida.
Segundo o pesquisador, a principal limitação do programa é ele ter sido montado em um sistema no qual a maioria das universidades participantes possui baixa qualidade educacional, atestada nos exames nacionais de avaliação do ensino superior.
“Para conseguirem mais lucros, os empresários do ensino reduzem investimentos no mais importante: na qualidade do professor (demitem e investem pouco em profissionais mais qualificados, com doutorado, devido ao “custo”) e em uma seleção mínima do estudante, de forma a ter maior número de alunos pagantes”, diz Almeida.
E acrescenta: “Hoje o quadro está mais sombrio, dado que as maiores instituições estão na Bolsa de Valores. Assim, a lógica do curtíssimo prazo, de resultado trimestral, passa a ditar as regras. Essa lógica econômica não combina com qualidade de ensino, sobretudo quando está direcionada para estudantes dos segmentos mais destituídos socialmente.”
A partir dos cruzamentos feitos, os resultados da pesquisa apontam que há uma heterogeneidade entre os bolsistas. Estudantes de Licenciatura e Tecnólogos, os quais constituem a maioria dos bolsistas pesquisados, são filhos de pais migrantes, de origem rural, com baixa escolaridade e com trajetos profissionais precários, trabalharam e estudaram durante a fase pré-vestibular, estão situados na faixa etária entre 25 e 30 anos, residem em bairros mais periféricos da Grande São Paulo. Não tentaram entrar na universidade pública, não fizeram pesquisas prévias sobre as instituições onde estudam e elegeram como motivos principais para escolha do curso a proximidade da residência e a oportunidade em si de cursar o ensino superior, independente da carreira desejada.
“Tais estudantes são tipicamente de mais baixa renda e estão nos cursos com formatos mais curtos, nas universidades mais desprestigiadas da hierarquia acadêmica quando o comparamos com o outro grupo pesquisado, os bacharelandos”, diz Almeida.
Esses, segundo a pesquisa, frequentam cursos tradicionais das universidades privadas mais qualificadas, com formatos mais longos, mais prestigiados e são alunos de baixa classe média, tendo um perfil bem próximo aos alunos que frequentam universidades públicas, inclusive, alguns chegaram a ser aprovados em tais universidades.
Inclusão social
“Seria então preciso questionar: para quais bolsistas, de forma efetiva, foi propiciado acesso a um curso com boa qualidade de ensino?”, diz o pesquisador.
Segundo sua análise, apesar de não ter sido criado com o objetivo de ser uma política de acesso e permanência no ensino superior e, sim, mais como um programa para socorrer as universidades lucrativas em um momento de crise financeira pela qual passavam, há um importante componente de inclusão social no programa.
“Ele possibilitou, na última década, que uma faixa de estudantes de baixa renda, negro e oriundo da escola pública pudesse chegar ao ensino superior. Não obstante as limitações apontadas, abriu perspectivas para um aluno brasileiro que ainda é constrangido por imensas desigualdades cotidianas”, pontua Almeida.
O pesquisador também descreve em seu livro que há desafios estruturais e conjunturais colocados ao ProUni para que ele possa tornar-se, de fato e de direito, uma política estratégica de inclusão no ensino superior dos estudantes de baixa renda. “Para ser mais eficiente economicamente e socialmente, o ProUni precisaria ficar restrito somente às instituições sérias, com qualidade educacional, o que, em grande medida, são as instituições sem fins lucrativos. É assim no mundo desenvolvido, no qual o ensino superior é público ou, quando é privado, não se volta para o lucro.”
Além disso, deveria cuidar mais da permanência do bolsista, articulando uma série de ações para que ele faça um curso superior consistente. “O Estado brasileiro repassa uma fortuna para sustentar esse segmento econômico, tendo um retorno muito baixo: de cada R$ 100 que os maiores grupos faturam, R$ 40 vêm do governo por meio de isenções fiscais do ProUni e dos repasses do Fies. É muito dinheiro, bilhões anualmente, com retorno educacional de qualidade extremamente duvidosa, o que impacta o sistema público e o mercado de trabalho brasileiros, pois o professor da educação básica pública e parte substantiva da força de trabalho são formados nesse setor privado lucrativo”, conclui Almeida.
<img src="http://revistagiz.sinprosp.org.br/img/img_diploma.jpg" width="300" height="250">