A Filosofia é uma disciplina obrigatória no Ensino Médio desde 2008[1], quando o Presidente da República em exercício José Alencar aprovou a lei[2]. Na época, a obrigatoriedade da Filosofia na educação básica gerou muitos comentários, prós e contra a sua implantação, por ser uma disciplina obrigatória em todos os anos do Ensino Médio, na ocasião a Sociologia também se tornou obrigatória.
Atualmente, tais comentários parecem estar superados, porém, as discussões tomaram outros rumos e incitaram novos debates acerca da influência política da Filosofia na escola. A questão mais emblemática nos últimos tempos se ateve numa acirrada disputa ideológica, de um lado, o setor mais conservador da sociedade destila seu veneno reacionário acerca do receio da “politização à esquerda” nos planejamentos escolares e, do outro lado, os filósofos denunciam os desfavores do sistema econômico e não poupam esforços para questionar a política vigente.
Numa outra perspectiva, completamente distinta das apontadas acima, algumas escolas apostaram na Filosofia como disciplina fundamental para o desenvolvimento humano, pois se por um lado elas implantaram a Filosofia no ensino médio porque estava previsto em lei, por outro lado, algumas foram ousadas em antecipar a formação filosófica no Ensino Fundamental. Em alguns casos, contratou-se um professor especialista para lecionar a disciplina no ciclo II (6º ano ao 9º ano) e, em outros casos, mais desafiadores ainda, no ciclo I (1º ano ao 5º ano) com as professoras polivalentes e, com raras exceções, também, na Educação Infantil.
A primeira lição aprendida pelo aprendiz de filosofia fundamenta-se sobre a “in-utilidade” da Filosofia[3], na qual sem ela todos podem viver felizes para sempre, principalmente, num contexto social efêmero e pragmático por qual aponta às relações entre os seres humanos e o consumo[4], porém, sem a Filosofia há um empobrecimento da formação intelectual do indivíduo, uma vez que ela é um dos pilares da formação cultural do ocidente.
A Filosofia surgiu na Grécia antiga quando o filósofo pré-socrático Tales de Mileto colocou em questão o princípio das coisas e encimou a Água como o elemento primordial da natureza. Provavelmente, Tales não escreveu um livro sobre a temática, mas o ato de refletir sobre a natureza o tornou o primeiro filósofo, sendo assim considerado por Aristóteles[5]. A atitude de reflexionar diante da natureza e das coisas capacita a criança à construção de um pensamento autônomo, assim como foi proposto por Descartes na instauração da modernidade. Todavia, num primeiro momento, pode-se até afirmar que seria invalidado o ato da reflexão sem uma adequada revisão bibliográfica porque existe um vasto repertório filosófico que já investigou os diversos assuntos possíveis ao longo da história da filosofia, mas, num segundo momento, pode-se afirmar que educar uma criança à reflexão já a torna habilitada para reconhecer as principais questões filosóficas que diversos pensadores da humanidade o fizeram e continuam a promoverem nos dias de hoje. Portanto, se o indivíduo foi exposto à Filosofia desde a tenra infância com exercícios de reflexão, ele terá mais possibilidades de elaborar pensamentos assertivos sobre o mundo quando adulto.
Um artigo, recentemente publicado na Revista Galileu[6], relaciona a importância da Filosofia à melhora do desenvolvimento das crianças no âmbito escolar. Os cientistas ingleses aferiram um bom desempenho em dezenas de escolas e em centenas de alunos de escolas primárias, principalmente, na matemática e na leitura. No processo de ensino-aprendizagem, as crianças são expostas às perguntas reflexivas do cotidiano com a finalidade de incentivá-las ao debate filosófico e ao posicionamento pessoal. O método realizado pelos cientistas e pelas professoras sugere a Maiêutica Socrática, pois Sócrates questionava seus interlocutores com perguntas a respeito de crenças populares, ou de pensamentos afirmados pelo senso comum, acerca da realidade com a intenção de buscar a Verdade. A ação política de Sócrates o condenou a morte por serem muito radicais para o contexto histórico da época, pois a ação de incentivar as pessoas à reflexão gera a insurgência e muito incomodam os agentes políticos autoritários, por isso, a Filosofia é uma disciplina tão questionada por setores reacionários da sociedade que, no Brasil, sempre estabeleceram alianças com a política familiar oligárquica.
Vale lembrar o relevante papel da Filosofia de questionar o Senso Comum[7] e de questionar as formas como os pensamentos são oferecidos por “intelectuais” mal intencionados – a grande mídia brasileira – que subverte e confunde com muita perspicácia os leitores despossuídos do menor repertório filosófico. Uma coisa é fato e não se pode confundir, os filósofos seguem suas pesquisas acadêmicas em caráter pessoal e apenas por discordarem da forma política vigente não os tornam marxistas, mas Filósofos. Por exemplo, um cristão católico bem formado e informado pode apontar erros na estrutura da política neoliberal sem nunca ter lido Marx tampouco ser marxista[8], também, um filósofo pode tecer críticas à democracia contemporânea fundamentando-se nas considerações realizadas por Aristóteles, e assim por diante.
Por fim, o cenário educacional mundial precisa ampliar o número de boas iniciativas como a apresentada na reportagem da Revista Galileu, até mesmo porque, a Filosofia não é uma agente secreta do marxismo para ficar sobre a atenta vigilância da comunidade escolar ou dos “políticos à direita”, mas sim, uma disciplina fundadora do pensamento libertador e autônomo.
Como lição de casa e para provocar o debate entre você e seus pares, reflita socraticamente sobre a seguinte questão: Será válida a Filosofia na escola para as crianças?
[1] LEI Nº 11.684, DE 2 DE JUNHO DE 2008, que altera o art. 36 da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir a Filosofia e a Sociologia como disciplinas obrigatórias nos currículos do ensino médio.
[2] Ministro da Educação Fernando Haddad
[3] CHAUÍ, M. Convite à Filosofia. São Paulo: Ática, 2000.
[4] BAUMAN, Zygmunt. Amor Líquido. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.
[5] BORNHEIM, Gerd A. Os Filósofos Pré-Socráticos. São Paulo: Cultrix, 1998.
[6] http://revistagalileu.globo.com/Ciencia/noticia/2016/03/estudar-filosofia-faz-com-que-o-desempenho-escolar-das-criancas-melhore-sugere-pesquisa.html <acesso em 01/05/2016>
[7] No sentido europeu do termo.
[8] Carta Encíclica Rerum Novarum, do Sumo Pontífice, o Papa Leão XIII.