J. S. Faro*
Chegamos à semana (11 de novembro) em que será feita a primeira tentativa de colocar em vigor a reforma na legislação trabalhista. A expectativa daqueles que acompanham e estudam a história dos direitos sociais dos trabalhadores desde a Revolução Industrial do século 18, mas em especial na era pós II Guerra, é a de que, com as novas regras, o Brasil interdita sua presença entre as nações modernas, aquelas que tentaram equilibrar a selvageria do capitalismo, um sistema cuja dinâmica é socialmente predadora, com garantias asseguradas pelo regime do Estado do Bem-Estar Social. Não é exagero afirmar que nosso país, a partir de 11 de novembro, fica no humilhante primeiro lugar da relação de países onde a pauperização do trabalho é a regra das relações de emprego.
A nova CLT, um mostrengo gestado em gabinetes fechados de Brasília e sob o comando de tecnocratas representantes do empresariado e do Poder Judiário, e com a proteção do mais vil esquema de corrupção parlamentar de que se tem notícia, potencializa ao extremo o regime de acumulação capitalista: aperfeiçoa de tal forma o sistema de apropriação da riqueza gerada pelo trabalho que, em alguma situações, o nível de enriquecimento patronal supera o próprio regime da escravidão sob o qual uma parte da nossa economia ainda vive. Não há meias palavras para definir a nova realidade trabalhista em que passamos a viver…
Como é possível que o Brasil, depois das conquistas construídas em mais de 70 anos de aperfeiçoamento da proteção ao trabalhador e depois de colocar nas mãos da sociedade uma das constituições mais aperfeiçoadas do mundo em termos de direitos sociais, tenha chegado a isso? Penso que há dois fatores que podem nos ajudar a entender o que aconteceu. O primeiro é o que se deu no âmbito da esfera política desde a redemocratização que se iniciou em 1985: um processo conciliador com os interesses do capital que transferiu para as práticas democráticas a convivência com sistemas e lobbies de concessões ao empresariado. Esse fato, que se traduziu numa subversão do próprio conceito de democracia, incrustou no aparelho de Estado coalizões de extração privatista que acabaram corroendo a defesa de uma sociedade de bem-estar. A fragilidade dos governos petistas na esfera da representação parlamentar – compensada com o mito da governabilidade – parece-nos ter aprofundado esse processo. Em linhas gerais, o golpe que derrubou Dilma Rousseff, pode ser visto como o ponto culminante disso.
Em segundo lugar, a liquidação das garantias sociais do trabalho é uma reação de natureza econômica à anemia estrutural e histórica do capitalismo brasileiro. Estamos diante de um um sistema de baixo nível de acumulação gerido por um empresariado parasita, que vive às custas das artimanhas dos benefícios fiscais, da sonegação, das estratosféricas margens de lucro, de baixíssimo nível de inovação e investimento. Não fossem as trágicas disparidades de renda existentes no país, que reduz nosso mercado consumidor a 20% da população e para o qual a produção de bens de consumo está voltada, o Brasil não seria nem mesmo pré-capitalista. A reforma que entra em vigor nesta semana amplia a sobrevivência desse sistema. Em nome da solidificação de seu atraso e em defesa do seu imobilismo, virá da sobre-exploração do trabalho permitida pelas novas regras um novo impulso acumulativo… Continuaremos pobres, desiguais e injustos, mas nossa burguesia vai poder exibir a exuberância de sua cultura socialmente predatória que nos envergonha no mundo todo.
Não há saídas? Claro que há. A porta mais importante é a de resistência. Ives Gandra Martins Filho, um dos arquitetos das novas regras, diz em entrevista à Folha de S. Paulo que o espírito da reforma foi prestigiar a negociação coletiva. Ives Grandra Martins Filho mente, mas no espírito e na contradição da sua mentira pode estar uma rearticulação do movimento sindical como instância autônoma que derrube o caráter draconiano da reforma. Entre os professores, esta é a palavra de ordem: resistir. Mas resistir aqui significa manter o sindicato como o único representante legítimo e legal da nossa categoria, na vida do professor na escola, nos benefícios de que ele goza e no momento em que ele deixa o emprego. A complexidade das nossas conquistas, que decorrem da peculiaridade das atividades que desenvolvemos, precisa ser assegurada e mantida inalterada…
Esse caminho, no entanto, não é o único. Ele deve vir para a nossa prática no âmbito de uma rejeição política aos grupos que, estando ou não no governo, transformaram o Poder Legislativo e o Poder Judiciário em espaços de força dos interesses privados sobre os interesses sociais. Uma rejeição que supere os limites da frágil representação partidária em que vivemos, e que tenha com pauta uma profunda reforma social no país…
Entendo que são essas duas perspectivas que devem alimentar os projetos de mobilização popular que têm como objetivo principal o resgate do país das mãos dos facínoras que estão no governo…
* Professor da PUC-SP e da UMESP
blog: www.jsfaro.net
Leitura ampliada:
* Presidente do TST defende que corpo de pobre vale menos que o de rico (blog do Sakamoto)
* Os juízes não vão aplicar as novas leis trabalhistas? Nem eles se entendem (Uol)
* Empresas já se adaptam às novas leis (Valor Econômico)
* A fronteira potiguar da nova ordem trabalhista (Valor Econômico)
* Uma coletânea de maldades (blog da Cidadania)
* Ações de bloqueio tentar eliminar a existência política dos trabalhadores (Safatle, Folha)