Por Artur Costa Neto *
Nos levantamentos estatísticos da ONU um dos itens em que o Brasil se situa sempre entre os cinco últimos colocados é o da desigualdade social. Este é um dos países do mundo com maior diferença entre ricos e pobres.
Sem me atrever a dizer que o histórico pouco caso com a educação é causa ou consequência disso, afirmo, sem qualquer hesitação, que este foi um dos maiores crimes cometidos pelas elites governantes contra a população brasileira.
Desde o período colonial, passando pelo império e mesmo durante a república o Brasil sempre distinguiu a educação da elite da educação do povo. Resultado de todas estas políticas educacionais, temos hoje uma estrutura educacional das mais absurdas: a elite cursa a educação básica nas escolas particulares, mas, para o ensino superior quer ocupar as vagas existentes na educação pública. Para garantir esta possibilidade o Brasil criou o vestibular e fez dele o centro de toda a nossa estrutura curricular. Se o que estudamos é importante ou não para a vida não interessa, cai no vestibular por isso deve ser estudado.
Estive em Córdoba na Argentina há três anos. A grande obra, orgulho dos nativos é a universidade feita pelos jesuítas por volta do ano 1630, patrimônio da humanidade, tombada pela UNESCO. E esta foi a terceira universidade da colonização espanhola, já existia uma no México e outra no Peru.
Quando visitamos Curitiba, eles orgulhosamente anunciam: esta foi a primeira universidade brasileira construída no ano de 1940. Se foi lá, ou em Manaus ou se é a USP de S.Paulo, não importa, o dado significativo é que ela foi construída apenas 300 anos depois.
As primeiras faculdades foram feitas na Bahia e no Rio de Janeiro no ano de 1808, com a vinda da família real, que fugindo da invasão napoleônica trouxe para cá boa parte da corte portuguesa. E esta sim, precisava de educação. Para o nosso povo isto não era necessário.
Até 1971, ano da Lei 5692 que fez a grande mudança na educação, acabando com o exame de admissão e transformando o primário e o ginásio no chamado primeiro grau de oito anos, 50% da nossa população não tinha mais que o segundo ano primário. Enquanto na Europa desde o início do século XX não havia mais analfabetismo, com exceção de Portugal, no Brasil nossos índices beiravam os 80%.
Fruto desta história é a nossa realidade atual como o país da América com maior número de analfabetos: 13 milhões de brasileiros com15 anos ou mais não alfabetizados. Em termos absolutos pode-se até admitir isto devido a nossa população gigantesca comparada aos nossos vizinhos, mas mesmo em percentuais temos muito
mais analfabetos do que Paraguai, Bolívia, Peru e mesmo do que os países da América Central.
Foi dado um passo em 1988 com a Constituição Federal que tornou obrigatória a educação de oito anos, dos 7 aos 14 anos de idade, e depois em 2006, houve a elevação para nove anos.
MAS, É AGORA, A PARTIR DESTE ANO DE 2016 QUE O BRASIL DÁ SEU GRANDE SALT0 EDUCACIONAL. HOJE, NO BRASIL A EDUCAÇÃO É OBRIGATÓRIA DOS 4 AOS 17 ANOS.
Se antes esta obrigatoriedade atingia apenas o ensino fundamental, dos 6 aos 14 anos, a partir de 01/01 /2016 ela se estende à educação infantil e ao ensino médio. A emenda Constitucional nº 59 de 11/11/2009 modificou o art. 208 da CF dando-lhe a seguinte redação: “educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria”. Apesar de a Emenda ser de 2009 ela determinou que o início desta obrigatoriedade fosse a partir de 2016 para que os municípios e os estados construíssem as escolas e se preparassem para este momento.
Hoje educação no Brasil não é só para a elite ou para quem tenha recursos financeiros, ela é para toda a população. Passou a ser um direito de todo cidadão.
Foi preciso chegar ao século XXI para reconhecer o direito à educação de todo o nosso povo e para mudarmos aquele paradigma de ser um país que se preocupa exclusivamente com a educação da sua elite. Conseguimos criar leis que garantem este direito, como direito público subjetivo. Além disso, se as autoridades públicas competentes: o diretor da escola, o secretário de educação e o prefeito ou governador não atenderem a este pleito de qualquer cidadão, a ele será imputado crime de responsabilidade.
Ganhamos mais uma batalha, mas, a luta continua. Hoje 60% da nossa população ainda não têm os oito anos de escolaridade previstos na CF de 1988. Não adianta termos nossas crianças matriculadas na escola a partir dos 4 anos, precisamos reduzir a zero nossos índices altíssimos de evasão escolar e reprovação.
A qualidade educacional, entre outras coisas, ainda depende da melhoria salarial dos professores. É tão grande o desinteresse pela profissão que não estamos repondo os quadros que se afastam ou se aposentam com novos profissionais bem formados e entusiasmados pela nobre tarefa.
Durante meses se discutiu no Congresso destinar os recursos do pré-sal para a educação. Teremos pré-sal com o atual custo do petróleo? E donde virão os recursos?
Ainda vai demorar um tempo para vivermos uma situação que uma aluna me relatou, ter ocorrido com ela há uns 20 anos atrás. Estava no interior da França com sua mãe e
a irmã, também criança como ela, e foram paradas, no meio da tarde, por um guarda que perguntou para a senhora: por que estas crianças não estão na escola? Anos depois contei esta história para um educador amigo que me disse ter vivido a mesma experiência ao sair do metrô de Paris com seu filho. Devemos nos lembrar que lá e em todo o mundo civilizado, onde educação sempre foi um grande valor, a escola é em período integral faz muitos anos.
No nosso Plano Nacional de Educação, aprovado como lei em junho de 2014, a meta da educação integral prevê para 2024, um índice de 25% dos alunos do país em período integral.
Esta E.C. nº 59 foi realmente um grande passo, mas, ainda temos que valorizar muito a educação neste país, para recuperar o tempo perdido e podermos dar o salto do desenvolvimento que todos os brasileiros tanto desejam.
*Artur Costa Neto é Coordenador Estadual da União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação, graduado em Filosofia, Pedagogia, Administração Pública e Direito, mestre pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), nas áreas de Educação e Gerontologia. Foi professor da Faculdade de Educação da PUC-SP durante 33 anos e atualmente leciona na FAAP.
Leia mais aqui sobre as ideias de Artur Costa Neto na entrevista concedida ao site Direcional Escolas