Conversamos o Cientista colaborador da Nasa, Nilson Rennó. Ele conta alguns detalhes da Missão Curiosity, que enviou um robô ao planeta vermelho. Além de reconhecer, e analisar, o solo do planeta, a sonda também foi à procura de uma das maiores expectativas dos cientistas, a existência de água. Leia a reportagem e saiba mais!
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Elisa Marconi e Francisco Bicudo*
No início da madrugada de 06 de agosto último, sob forte salva de palmas dos cientistas envolvidos com o projeto, o robô Curiosity pousava na superfície rochosa de Marte. Havia, de fato, motivos de sobra para comemorar.
A missão havia concluído uma parte delicada da ambiciosa iniciativa científica, fundamental para seu prosseguimento: uma aterrissagem sem avarias ou danos aparentes. Agora era começar a exploração.
Se o leitor já viu as imagens do robô, notou que ele se parece bastante com um jipe. Contudo, é bem mais que um veículo. Trata-se de um laboratório completo sobre rodas.
Controlado aqui da Terra por uma equipe de cerca de cem cientistas, Curiosity mede os ventos, tira fotos, coleta e armazena amostras de rocha, analisa a atmosfera do planeta e vai intensificar a busca da maior obsessão do grupo internacional de pesquisadores que se uniu para conceber e compor o superequipamento: registros de presença de água.
Instalado no mesmo Centro de Controle de onde os colegas aplaudiram o pouso da missão, o cientista brasileiro Nilson Rennó conversou com a reportagem da Revista Giz, para contar como foi sua participação no projeto e narrar as principais expectativas da equipe. Enquanto monitorava os dados enviados pelo robô, a quase 570 milhões de quilômetros de distância, o engenheiro civil, doutorem Ciências Atmosféricas e professor da Universidade de Michigan, no estado norte-americano homônimo, relembrava a trajetória dos trabalhos.
Entre 2003 e 2004, a Agência Espacial Americana, Nasa, lançou o desafio para uma missão de grande porte, que construiria um robô-veículo-laboratório, com colaboração de cientistas do mundo inteiro. “A Nasa convida os cientistas a propor instrumentos ligados ao robô, coleta todas as propostas e seleciona os pesquisadores.” Rennó foi um desses escolhidos – ao lado de colegas do Japão, Espanha, França, Itália, Alemanha, Rússia, Estados Unidos e Canadá. “Trabalhei na especificação do Rover Environmental Monitoring System, Rems, uma mini-estação meteorológica que vai investigar o clima e as condições atmosféricas do planeta vermelho”, conta.
O dia a dia, nos quase 10 anos necessários para se concluir a construção do Curiosity (o investimento foi de cerca de 2,5 bilhões de dólares), foi dividido mais de perto com um grupo de espanhóis, mas com acesso à produção de todas as outras equipes multinacionais, os mesmos que hoje, lá do Centro de Operações, controlam o equipamento remotamente.
O brasileiro – que não era o único por lá, Jacqueline Lyra e Ramon de Paula também compõem a equipe – sente-se privilegiado por estar ali e por ter participado da missão. “Estou ao lado e colaborando com os melhores cientistas do mundo nessa área. Foram dez anos trocando informações e suando a camisa junto com essas pessoas. Aí nós lançamos o Curiosity, ele pousou muito bem, no melhor lugar possível, e agora trabalho ao lado dessas mesmas pessoas tomando as decisões diárias que podem fazer a diferença dessa experiência. Como traduzir? Um prazer indescritível”, comemora Rennó.
Mas, tirando a parte da natural felicidade, o que foi mesmo que os cientistas foram buscar em Marte? Quais são as verdadeiras expectativas da missão? O professor da Universidade de Michigan conta que a maior curiosidade é saber se o planeta tem condições de abrigar vida bacteriana. “São vários os indicativos que podem ajudar a mostrar se Marte poderia ou não ter vida bacteriana, mas o principal deles é a água. O robô foi atrás de água”, pontifica Rennó. Pessoalmente, o cientista está atrás de dados que comprovem que houve, ou que ainda há a formação de gotículas de água na atmosfera de Marte.
“A temperatura lá é muito, muito baixa, mas tem muitos sais na atmosfera, então a água, se é que existe, não congela, fica na forma de gotículas, e é isso que quero achar”, revela.
Curiosity já está explorando o solo marciano há alguns dias. Nesse período conseguiu esticar o braço mecânico e coletar amostras, andar, enviar dados e fotos, mas a análise dessas informações todas está começando só agora, numa terceira etapa da missão. De qualquer maneira, os cientistas já podem fazer algumas previsões sem muito medo de errar: o lugar do pouso não poderia ter sido melhor, “porque a gente desconfia – por conta da formação geológica do local, onde parece que existem pedras sedimentares – que seria um forte indício de que, no passado, ali foi o fundo de um lago”. A água, sempre ela. A razão da obsessão: “É o único indicativo invariável da possibilidade de vida. Onde a gente acha água, a gente acha vida. Pode ser quente ou frio, meio ácido ou não. O único fator comum a todas as situações em que há vida é a presença de água”, descortina Rennó.
Contudo, ele discorda que a busca é só pela água. Os pesquisadores também estão atrás do gás metano na atmosfera marciana. Sabidamente, metano é o gás mais abundante nos processos de decomposição de materiais orgânicos. Em outras palavras, material vivo, vida mesmo. Cientistas do mundo inteiro se uniram para, digamos assim, caçar marcianos. A brincadeira causa boas risadas no professor da Universidade de Michigan. A verdade, segundo Rennó, é que o grupo sabe que produziu um feito respeitável: mandar um robô-pesquisador de campo para um destino tão distante.
Só a viagem de ida levou cerca de nove meses. A coleta até agora bem sucedida de dados e materiais também já é digna de orgulho. E a avenida de investigações que será aberta quando os dados começarem a ser examinados de perto deve encher a equipe toda de ânimo para descobrir novidades. E esse sentimento todo é contagiante, de acordo com o brasileiro.
“Estudantes do ensino fundamental e médio aqui dos Estados Unidos mandam mensagens dizendo que estão muito empolgados com a missão e que agora querem ser cientistas também”. Os alunos daqui também, professor. Cada foto divulgada como de autoria do robô corre as redes sociais, vira assunto de conversa entre adolescentes e pode até inspirar brasileirinhos a se tornarem pesquisadores também. “Daqui do Centro de Operações, na Nasa, nos Estados Unidos, a gente não sente tão fortemente a vibração brasileira, mas o potencial da missão é mesmo bem alto, então pode sim inspirar professores, estudantes, escolas, universidades”, calcula o doutorem Ciências Atmosféricas, que segue filosofando:
“Passei boa parte da minha vida olhando para o céu, com a cabeça nas estrelas. Fazer um feito grande como esse pode ser inspirador para que os brasileiros vão atrás do que acham realmente importante. Quando eu for ao Brasil, vou fazer palestras e contar mais sobre essa experiência”.
Para concluir, e por pura curiosidade, perguntamos a Nilton Rennó, cientista brasileiro, colaborador da Nasa na missão que mandou o robô Curiosity para Marte, qual era a parte ruim de trabalhar num projeto dessa envergadura. “O horário de trabalho. Agora saímos mais tarde, porque nosso expediente acompanha o dia marciano, que começa um pouco mais tarde que o terráqueo, mas também acaba 40 minutos depois”, brinca.
Acompanhe o Curiosity pelo Facebook: www.facebook.com/MarsCuriosity
No endereço mars.jpl.nasa.gov/msl/ é possível saber mais sobre a missão a Marte, além de curiosidades sobre a sonda. No site também há o “Diário de um marciano” que conta o dia-a-dia do robô no planeta vermelho.