Por Elisa Marconi e Francisco Bicudo
O 5º relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), divulgado no último dia 31 de março, apresenta previsões ainda mais sombrias que as estabelecidas em edições anteriores. O documento, esperado com ansiedade por cientistas e pela imprensa, tratou de reforçar que o aquecimento global, da maneira como estamos presenciando, é, sim, consequência das ações humanas sobre o planeta. “As primeiras versões buscavam essa comprovação científica, baseada na literatura publicada e no que se estava estudando e isso foi alcançado”, lembra o biólogo Marcos Buckeridge, do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo e membro do IPCC desde o início. Ele lembra que os textos seguintes, incluindo o atual, foram mostrando os impactos já ocorridos no planeta e na vida das espécies, em função das mudanças climáticas.
“Isso significa que há mais energia em movimento no planeta. E o ar e a água mudam de comportamento em situações assim. Isso significa, em outras palavras, que os eventos meteorológicos podem se tornar mais intensos”, ensina o professor.
Buckeridge afirma que o novo documento não traz muitas novidades em relação aos anteriores, mas reafirma os alertas e acende uma luz amarela em relação a questões que deviam estar sendo mais bem cuidadas. “Trabalhamos em cima de modelos matemáticos muito bem construídos e baseados em evidências comprovadas, mas são modelos e, portanto, podem trazer erros. Não prevemos o futuro, mas buscamos antecipar cenários, para que as autoridades e a população saibam o que poderão enfrentar”, explica.
Entre o que se pode comprovar, estão a subida da temperatura no mundo todo e o aumento na emissão de CO2. “Isso significa que há mais energia em movimento no planeta. E o ar e a água mudam de comportamento em situações assim. Isso significa, em outras palavras, que os eventos meteorológicos podem se tornar mais intensos”, ensina o professor. Por isso, não por acaso, pode haver aumento no número de furacões, El Niños, La Niñas e outros fenômenos extremos. Simultaneamente, também os chamados eventos gradativos foram reafirmados neste novo relatório. E, ao que tudo indica, aqui está a principal contribuição do documento.
Impactos para a saúde mundial
O aumento da presença de gás carbônico, por exemplo, provoca um crescimento na taxa de fotossíntese das plantas. “A princípio, aumentar a fotossíntese é bom, porque faz a agricultura funcionar melhor e mais eficientemente. No entanto, quando a planta acumula muito carbono, acaba não absorvendo muito nitrogênio”, afirma. Parece aula de química, mas é mais que isso. É biologia, nutrição, climatologia, economia e saúde pública. Para clarear: o nitrogênio é um dos componentes principais dos aminoácidos, que formam as proteínas. Ou seja, “plantas que absorvem mais carbono ficam, a longo prazo, menos protéicas e, portanto, menos nutritivas e os mercados não vão aceitar consumir e importar, por exemplo, soja menos nutritiva”, prevê Buckeridge.
“As autoridades precisam investir pesado, deixar os cientistas trabalharem nas soluções para modificar a absorção de nitrogênio e para produzir mais sem desmatar nenhum hectare”, propõe.
Se esse cenário se confirmar, o que vai se observar no futuro é uma população mais obesa, porque comerá mais derivados de carbono e menos proteína. Essa mudança traria impactos para a saúde mundial, porque o sobrepeso está associado a uma série de doenças. Também a economia padeceria, porque quem produzir alimentos com mais proteína certamente conseguirá um preço melhor no mercado. Quem continuar produzindo como se faz hoje terá impacto no preço final, o que pode acarretar diminuição dos salários, por exemplo, e aumento da pobreza. Em vista disso, o painel do IPCC aponta que o ano de 2040 será crucial, porque por volta dessa data, o planeta terá de produzir o dobro de alimentos do que consegue fazer hoje, porque a população mundial está crescendo e a demanda por comida está aumentando ainda mais. Dessa forma, em 2040, as técnicas de produção precisarão ter encontrado um jeito de suprir a quantidade de nitrogênio nas plantas, ao mesmo tempo em que a safra precisará ter duplicado.
Nesse cenário, é possível pescar uma boa notícia. “Há apenas dois lugares no mundo com áreas agriculturáveis o suficiente para produzir alimentos para a população inteira: a África e o Brasil. A África não apresenta estabilidade política e econômica hoje. Pode até alcançar no futuro próximo, mas será penoso. O Brasil não. Aqui dá para começar a plantar já”, se anima o biólogo membro do IPCC. Em outras palavras, o Brasil pode passar definitivamente a player mundial no quesito alimentação. O biólogo sabe que não é simples, mas é otimista e acha que há possibilidades para fazer esse investimento. O que falta para isso? Uma decisão política, segundo Buckeridge. “As autoridades precisam investir pesado, deixar os cientistas trabalharem nas soluções para modificar a absorção de nitrogênio e para produzir mais sem desmatar nenhum hectare”, propõe.