Elisa Marconi e Francisco Bicudo*
Livro resgata a trajetória e derruba mitos a respeito da imigração de libaneses para o Brasil
A página na internet do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) é bem didática e oferece dados bastante precisos: entre 1884 e 1933, chegaram ao Brasil 157 mil alemães, 1 milhão e 400 mil italianos, 142 mil japoneses, 1 milhão e 146 mil portugueses, 587 mil espanhóis, 94 mil sírios e turcos e 435 mil denominados genericamente como “outros”. No gráfico que sistematiza a imigração no período de1945 a1959, asituação é a seguinte: foram 22 mil alemães, 96 mil espanhóis, 106 mil italianos, 106 mil portugueses, 34 mil japoneses e 162 mil “outros” que desembarcaram por aqui. Acontece que “outros” é uma expressão ampla e imprecisa demais para retratar com o rigor necessário as nacionalidades que chegaram, as dificuldades enfrentadas durante a viagem e as razões reais dessa vinda para o Brasil.
Pois foi justamente esta lacuna que chamou a atenção da historiadora Samira Osman, enquanto se debruçava sobre as disciplinas do mestrado no Núcleo de Estudos em História Oral da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH/USP). Somando isso a sua origem, uma família de libaneses muçulmanos, Samira encontrou seu objeto de pesquisa. Trabalharia com entrevistas de vida de libaneses e descendentes que aportaram em terras brasileiras após a década de 1950.
“Tradicionalmente, os livros de História apresentam a imigração dos japoneses, italianos e alemães. Todas as outras nacionalidades são agrupadas numa categoria ‘outros’, o que conta muito pouco sobre a nossa formação como povo e como nação”, explica a professora de História da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Dentro desse “outros”, estão os árabes; dentro dos árabes, os libaneses; e dentro dos libaneses, os muçulmanos. Quantos foram? O que vieram fazer aqui? Como foram recebidos? Como os descendentes se adaptaram ao Brasil? Havia poucos trabalhos sobre essa minoria. Os cristãos libaneses até mereceram mais atenção dos pesquisadores, mas os seguidores do Corão ficavam em segundo plano.
Por isso, todas essas perguntas e mais algumas foram o início da pesquisa e da dissertação de mestrado da historiadora. “Foquei nos libaneses que chegaram depois da década de 1950, um período que corresponde ao fim da 2ª Guerra Mundial e também à independência do Líbano, tempo em que a situação não estava fácil por lá e alguns libaneses sonhavam em ganhar a vida fora para voltar para casa ricos”, conta Samira.
Desconstruir mitos
A investigação foi concluída em 1998 e há poucas semanas – com as devidas atualizações – foi publicada com o nome de Imigração Árabe no Brasil: história de vida de libaneses muçulmanos e cristãos (Editora Xamã). Além de preencher uma lacuna que carecia de estudo, a obra também ajuda a desconstruir mitos bem solidificados. O primeiro, segundo a autora, é o de que todo libanês que veio para o Brasil enriqueceu, fez sucesso, se deu bem.
“Não é bem assim. A maior parte dos que chegaram trabalhavam como mascates. E, ao contrário do que reza a lenda, que a segunda geração era de comerciantes, e a terceira, de doutores, quem ascendeu economicamente virou pequeno comerciante e estacionou aí”, ensina a professora da Unifesp. Ao ouvir depoimentos dos libaneses e dos filhos e netos deles, a pesquisadora confirmou que os pioneiros saíram do Líbano em busca de melhores condições de vida. Rapazes, em sua maioria, vinham com 15 ou 16 anos com o sonho de trabalhar, juntar dinheiro aqui e voltar para casaem breve. Porisso vinham sozinhos, sem família. E, ao chegarem ao Brasil, procuravam morar perto de conterrâneos ou conhecidos também libaneses e, embora trabalhassem duro, logo descobriram que enriquecer não seria tão fácil assim. Os imigrantes logo perceberam que, não obstante trabalhassem muito, enriquecer não era assim tão fácil. Assim, começam a casar, constituindo família. E foram ficando. Casam-se na própria comunidade, com filhos e filhas de libaneses que tinham imigrado em décadas anteriores.
Apoiar-se na colônia libanesa já constituída – fortemente concentrada na região central de São Paulo, nas imediações da Rua 25 de Março e da Ladeira Porto Geral – era uma estratégia de sobrevivência econômica, além de explicitar viés simbólico. Era com os patrícios que os novatos conseguiam trabalho e garantiam a manutenção da língua, dos costumes e – no caso dos muçulmanos – da religião menos praticada em solo brasileiro que o cristianismo. Nesse ponto, começam a emergir as preocupações dessa população no que diz respeito à adaptação na terra nova.
“Havia um empenho grande, ao menos até a terceira geração, de se preservar a língua natal, os costumes e os ritos religiosos. Os avós faziam muita força, os pais já percebiam que era difícil manter tudo igual, e os filhos já eram considerados brasileiros”, analisa a pesquisadora. Entre os cristãos estudados por Samira, essa trajetória se repetia, com a diferença de que a religião era uma barreira um pouco menor, ainda que se manifestasse em sua versão ortodoxa, mais comum no oriente. Ainda sobre a relação entre os libaneses cristãos e os libaneses muçulmanos, a autora conta que havia, no aspecto social, uma proximidade suave, “moravam em bairros próximos, as famílias se conheciam, mas não se misturavam muito”.
No aspecto econômico, no entanto, os relatos ganhos contornos mais afetivos: “muitos entrevistados contaram que os cristãos, por terem chegado antes, abriram comércio antes. E essas lojas costumavam ser muito parceiras dos mascates muçulmanos que iam ali abastecer suas malas e baús para vender pela cidade”, lembra Samira. Um caso emblemático é o da loja Niazi Chofi, muito tradicional até hoje na rua 25 de março. O dono era de família libanesa cristã e facilitava o pagamento dos produtos adquiridos pelos patrícios islâmicos, porque entendia que deviam se ajudar mutuamente, para além das diferentes opções religiosas, e em nome da origem comum.
O leitor também vai encontrar no livro Imigração Árabe no Brasil: história de vida de libaneses muçulmanos e cristãos uma série de referências à contribuição dos libaneses à cultura nacional. A professora de História da Unifesp começa ressaltando a culinária, que, segundo ela, já virou patrimônio brasileiro. Esfiha e kibe fazem parte dos cardápios das famílias brasileiras e não causam nenhuma estranheza. Parte dessas iguarias começaram a ser vendidas em armazéns e restaurantes na região mais frequentada pelos libaneses, a da rua 25 de março. A presença no comércio popular, aliás, é outra das marcas dessa comunidade. O comércio de armarinho e de enxovais, por exemplo, está intimamente ligado às lojas do centro da cidade e ao trabalho dos mascates, que espalhavam essas mercadorias pela cidade.
“Eram produtos baratos, acessíveis e, principalmente, fáceis de carregar, porque eles transportavam nas costas, vendendo de casa em casa, então tinha de ser leve e rentável”, ensina a autora. A medicina de excelência é outra característica da comunidade libanesa. Resgatando a máxima que sugeria que todos os libaneses viravam doutores bem sucedidos, Samira conta que, embora não seja 100% realizada, essa ideia de fato povoava as cabeças e os corações dos emigrados. Era sim o sonho de toda família ter um médico, um doutor. Por razões econômicas e sociais, evidentemente, mas principalmente porque, em árabe, a palavra médico – hakim – também significa “o conhecimento”. O médico é, portanto, o profissional que ocupa o posto mais alto, é o sábio. Não à toa, a colônia fundou e mantém o Hospital Sílio-Libanês, referênciaem São Pauloe no Brasil e onde se tratam, por exemplo, o ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva e a presidenta Dilma Rousseff.
Por fim, Samira aponta a arquitetura, que mesmo não apresentando traços mouriscos muito evidentesem São Paulo, bebeu na fonte das construções árabes, chegando aqui via Península Ibérica. “Os prédios cheios de janelas, iluminados e ventilados, por exemplo, são heranças dos árabes, o que prova que eles estão muito mais presentes do que costumamos perceber”, diz, revelando, certamente, o ponto fulcral da pesquisa: a presença do outro na formação e na vida da nação brasileira. E, nesse ponto, a autora apela para o trabalho dos professores.
No ensino de História, Geografia, Artes e Literatura, muitas vezes as referências aos árabes como um todo e aos libaneses em particular ficam em segundo plano “São os outros das estatísticas”, insiste. E, embora a quantidade de pessoas com essa origem que vieram para o Brasil seja significativamente menor que a de japoneses, italianos e alemães, essa população também se faz presente, transformando hábitos, espaços, ritos e a cultura do país. “O trabalho do professor que se interessa por esses ‘outros’ é resgatar o papel da imigração como fator constitutivo da formação do povo brasileiro. Somos um povo múltiplo, com várias ascendências e se não fosse a imigração nem estaríamos aqui”, propõe Samira.
Olhar para esse outro, conhecê-lo com mais profundidade e interesse também pode motivar, de acordo com a autora, discussões a respeito da representação do muçulmano na mídia – principalmente após o 11 de Setembro – e ainda levantar certas características brasileiras. “Não somos uma democracia racial, e é inegável que as dificuldades que um árabe, ou um muçulmano, encontra aqui são absolutamente diversas daquelas enfrentadas pelos conterrâneos na Europa ou nos Estados Unidos e há que se trabalhar esse tema, em nome de uma compreensão mais rica e completa sobre quem somos nós”.
“Parabéns a Historiadora Samira Osman pelo exelente livro sobre os Imigrantes Libaneses no Brasil.”Aqui em minha Cidade Assis, no Interior do Estado de São Paulo,eu nasci e fui criado ao lado de familías Libanesas,Haddad,Youssef,Fez,Sabbeh,Chalk,Dib,ShafikMansur,Sakalen,Hauer,que desenvolveram atividades comerciais de roupas,armarinhos,como retratado pelo livro da professora Samira.Nós filhos de Italianos sempre tivemos ótimo relacionamento com os Libanes,a ponto de dois dos Meus Melhores amigos serem filhos de Libaneses,Marcos Antonio Haddad e Alberto Mansur.Tenho nos Libaneses uma grande admiração pela sua sólida formação familiar,lealdade aos amigos,e apego ao trabalho.Inclusive em minhas aulas de Geopolitíca sobre o Oriente Médio,sempre falo a verdade sobre o papel do Libano nos conflitos da Região,e procuro esclarecer meus alunos sobre as manipulações feitas pelas mídias dos principais veículos do Brasil sobre o tema.Creio que este livro deve ser lido pelos colegas professores, e utilizado em sala de aula.Parabéns Professora Samira.Prof. Msc Ronaldo N Ciciliato-Geógrafo-Colégio Preve Objetivo
Caro Prof. Ronaldo
agradeço a gentileza das palavras e a indicação da leitura do livro. A proximidade das diferentes comunidades migrantes no Brasil demonstram, longe do mito da democracia racial, as diferentes formas de viver e conviver no novo território.
Samira
CONHEÇO O LIBANO E JA ESTIVE LA POR 4 VEZES, E TENHO A INTENÇÃO DE VIVER LÁ POR UM TEMPO MAIOR, POIS TENHO AMIGOS LIBANES.
GOSTARIA DE SABER SE EXISTE ALGUM LIVRO QUE NARRE A HISTORIA E CULTURA D9O LIBANO, PORÉM, NAO SEI FRANCES OU INGLES. GOSTARIA DE ALGUM TITULO EM ORTUGUES OU ESPANHOL, BEM COMO SE HA ALGUM CURSO SOBRE A HISTORIA DESTE PAÍS.
GOSTARIA DE SABER SE EXISTE ALGUM LIVRO EM PORTUGUES OU ESPANHOL QUE NARRE SOBRE A HISTORIA E CULTURA LIBANESA, BEM COMOOINDICAÇÃO DE CURSOS;
CONHEÇO O PAIS E JA ESTIVE LA POR 4 VEZES, SENDO QUE EM SETEMBRO JA TEENHO OUTRA VIAGEM PROGRAMADA;
AGRADEÇO ATENÇAO E AGUARDO RETORNO;