Francisco Bicudo
A cidade é lindíssima, um sussurro ao pé do ouvido que convida ao descanso. E todos os anos, no início do mês de julho, pulsa no compasso quente e acalentador das palavras, com tons e sotaques diferentes. Há livros e leituras esparramados por todos os cantos, até mesmo durante a madrugada. Esta será a quarta vez que participarei da Festa Literária Internacional de Paraty, a FLIP – a primeira foi em 2009, e o evento desde então integra solenemente a agenda oficial anual da família.
Na programação de 2013, divulgada no último dia 23 de maio, minha percepção à primeira vista é que a organização da Festa achou por bem trocar os autores arrasa-quarteirões (Eric Hobsbawm, Orhan Pamuk, Gay Talese, Chico Buarque, Amós Oz, Tariq Ali, para citar alguns que estiveram em outras edições) por escritores que, se estão longe de serem desconhecidos, pedem passagem para se tornarem um pouquinho mais próximos e íntimos do grande público. As exceções a esse recorte talvez sejam o francês Michel Houellebeck e o irlandês John Banville, dois nomões da literatura que por coincidência subirão ao palco da Tenda dos Autores no mesmo dia, o sábado, 06 de julho, em mesas distintas.
O homenageado da edição 2013 da FLIP é Graciliano Ramos, que me fisgou como leitor na passagem do ensino fundamental para o médio (na minha época, ginásio e colegial, respectivamente), quando li, nessa sequência, “Vidas Secas”, “São Bernardo” e “Memórias do Cárcere”. O escritor alagoano será o tema da Conferência de Abertura (sob a responsabilidade do cosmopolita regionalista do Norte Milton Hatoum) e de dois outros encontros, na manhã (1oh) do dia 05, sexta (“Ficha Política”, com participação de Randal Johnson, Sergio Miceli e Denis de Moraes), e no domingo, 07, também pela manhã, 11h (“Políticas da Escrita”, com Wander Melo Miranda, Lourival Holanda e Erwin Torralbo Gimenez).
Já estou separando o par de tênis surrado – é a forma mais confortável e segura de andar alucinadamente pelas enormes e tradicionais pedras coloniais das ruas e calçadas da cidade – e preparando o bloquinho de anotações velho de guerra, mania de jornalista, para registrar um tantinho das histórias que serão narradas por lá. Assim que a programação foi oficialmente divulgada, cuidei de me debruçar com atenção e fui marcando as mesas que pretendo acompanhar. Compartilho aqui esse meu “roteiro flipiniano bastante pessoal”. Está longe de ser único, claro, há infinitas outras costuras programáticas e literárias possíveis. Fica como uma sugestão para quem pretende se deliciar com a festa das palavras. Respire fundo. A maratona é intensa.
A Conferência de Abertura, na noite de quarta, 03, às 19h, é parada obrigatória. Depois, 21h30, o show com Gilberto Gil. Na quinta, dia 04, meio-dia, quero muito ver a mesa “As medidas da história”, que reunirá o professor e crítico de arquitetura da Vannity Fair, Paul Goldberger, e o arquiteto português Eduardo Souto de Moura, que conversarão sobre “a relação entre os espaços físicos em que vivemos e nossas experiências de tempo e memória”, enfrentando, de acordo com material de divulgação da FLIP, a questão central “como a arquitetura participa da construção das narrativas que definem a identidade de nossa comunidade?”. Quem sabe me ajudem os dois e sugiram algumas pistas para compreender megalópoles como São Paulo, uma capital tão cinzenta e a nos expulsar quanto acolhedora e cheia de amor para dar.
Ainda na quinta, às 17h15, vale uma espiada curiosa em “Formas da derrota”, com o escritor pernambucano José Luiz Passos e o gaúcho Paulo Scott (romancista, contista e poeta). Em pauta, “formas de contar histórias que parecem exigir já de saída a possibilidade de solução harmoniosa para os conflitos de enredo”. Ótimo para exorcizar anjos e demônios e compreender que nem sempre as histórias são marcadas por (começos, meios) finais felizes. A noite está reservada para jantar com a família e os amigos, em um daqueles restaurantes aconchegantes, quase escondidos, ao som de músicas brasileiras.
A proposta é levantar cedo na sexta, 05/07, para ver o “Graciliano Político” (10h) e, logo em seguida, “O prazer do texto” (meio-dia), com a francesa descendente de pais iranianos Lila Azam Zanganeh e o ensaísta e filósofo carioca Francisco Bosco, reunidos para um duelo intelectual instigante de ideias a respeito de dimensões morais, pedagógicas, humanizadoras, eróticas e de encantamento da literatura. Afinal, por que escrever? E por que lemos? Parece interessante. Às 17h15, o estadunidense Tobias Wolff e o norueguês Karl Ove Knausgard (que comprou baita briga ao publicar os seis volumes de “Minha luta”, onde revela segredos que a família gostaria que continuassem guardados a sete chaves) falam sobre “Ficção e confissão” (apropriado, não?), destacando, como avisa a organização, “as relações entre experiências pessoais e literárias”. Chance para desbravar o universo dos dois autores, que pouco conheço – essa, aliás, é outras das janelas apaixonantes abertas pela FLIP. Foi lá que fui definitivamente fisgado, por exemplo, por gente como Laura Restrepo e Rubens Figueiredo, para citar apenas dois. À noite, 21h30, “Uma vida no cinema”, bate-papo com Nelson Pereira dos Santos. Imperdível.
Assim que a programação foi oficialmente divulgada, cuidei de me debruçar com atenção e fui marcando as mesas que pretendo acompanhar. Compartilho aqui esse meu “roteiro flipiniano bastante pessoal”.
Se a sexta termina com cinema, o sábado, 06, começa também na toada da sétima arte – ao meio-dia, encontro com Eduardo Coutinho, que promete revelar alguns dos segredos da arte de produzir documentários. Ao cair da tarde, 17h15, e já com a brisa fresca de Paraty, um dos encontros que mais aguardo, confesso: o irlandês John Banville, candidatíssimo a Nobel e autor de “Mar”, que nos confunde e explica com suas lembranças sobre perdas, e a crítica literária estadunidense Lydia Davis, abrindo espaço para um diálogo a respeito de “caminhos de invenção e experimentações literárias”. Pois vamos experimentar. Para não perder o lugar, acho que não vou nem sair da tenda – na sequência, 19h30, será a vez de ouvir uma das estrelas da Festa, considerado um dos escritores mais originais de nosso tempo, o francês Michel Houellebecq.
Para mim, a Festa vai terminar em grande estilo, com pompa e circunstância – às 17h, sobem ao palco o jornalista e escritor inglês Geoff Dyer e o estadunidense John Jeremiah Sullivan, para nos premiar com debate sobre tema pelo qual sou literalmente fissurado: “A arte do ensaio”, esse gênero que transita de maneira libertária e transgressora pelas fronteiras do Jornalismo e da Literatura e que ainda engatinha no Brasil, embora venha recebendo atenções e espaços generosos de publicações como as revistas “Serrote” e “Piaui”, além do caderno “Ilustríssima” do jornal “Folha de São Paulo”. Quero só ouvir e aprender com as experiências fantásticas dos dois. Fim da peregrinação. Ufa!Não perca a conta nem o fôlego, pois o domingo, 07, promete e está especialmente sedutor. Pela manhã, nem tão cedo, às 11h, o “Graciliano Escritor”. Depois do almoço, às 13h, “Tragédias no microscópio”, com o paulista-gaúcho Daniel Galera (um dos meus autores brasileiros contemporâneos prediletos) e o francês Jerome Ferrari, escalados para falar sobre “histórias com cenários idílicos que servem apenas para revelar conflitos latentes, sob aparente harmonia”. Às 15h, ouvidos atentíssimos para registrar o relato do palestino nascido no Egito Tamim Al Barghoutti, que ficou conhecido como o “Poeta da Primavera Árabe”, já que os poemas dele foram lidos na Praça Tahrir, a inspirar os que lutavam contra a ditadura de Hosni Mubarak. Tamim estará ao lado do professor da USP Mamede Jarouche, a discutir sobre as relações entre arte, política e história.
Para quem pretende acompanhar as mesas, os ingressos começam a ser vendidos no dia 10 de junho. Mais informações no site oficial.
Aos que desejam transitar livremente por outros espaços literários, não custa lembrar que a FLIP acontece também para além das tendas dos Autores e do Telão, onde as mesas com os escritores são realizadas e vistas. Durante os cinco dias da Festa, há uma intensa programação paralela nas casas de cultura, nas livrarias e nas editoras presentes. É delicioso acompanhar e nos enche de esperança ver as crianças sem nem piscar, acompanhando as contações de histórias na Flipinha (que nesse ano será encerrada por show da Adriana Calcanhoto). Há os poetas anônimos, os artistas de rua, os personagens fantasiados que nos cumprimentam nas calçadas, os sons ecléticos de músicas que vêm de todos os cantos, os desfiles de grupos folclóricos, numa cidade que vê seu espaço público ser ocupado e vivido e que se encontra no embalo dos romances, dos ensaios, dos contos, das crônicas, das reportagens, dos poemas…
E então… malas arrumadas? Carregadas de livros?