Elisa Marconi e Francisco Bicudo
Aqui no Brasil, o resultado oficial saiu pouco depois das oito horas da manhã da sexta feira, 19 de setembro. Por uma diferença apertada, algo em torno de 400 mil votos, a Escócia recusou, em referendo, sua independência e optou por não sair do Reino Unido. Das cerca de quatro milhões de pessoas registradas para votar, 3,6 milhões compareceram às urnas. Desse total, 55% disseram não à separação e 45% votaram sim. Mais precisamente, foram 2.001.926 votos “não” e 1.617.989 votos “sim”. No entanto, o significado dessa escolha democrática vai muito além do universo dos números e aponta uma série de caminhos diferentes e de novos sentidos e de ressignificados para o velho mundo.
O cientista político Marcelo Coutinho, professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e do Centro de Pesquisas e Ensino de pós-graduação em Ciências Sociais (Iuperj), explica em conversa exclusiva com a Revista Giz que, apesar da situação da Escócia ser tecnicamente semelhante ao que tem acontecido desde a unificação, em 1707, muita coisa muda com essa sinalização. “Após terem decidido pela permanência no Reino Unido, eles conseguem também uma série de concessões por parte da Inglaterra na área de impostos, fiscal, e até mesmo de políticas sociais. Passam a ter mais autonomia em termos de distribuição de recursos”. O número expressivo de votantes certamente foi o primeiro sinal de força: há muita gente ali interessada em discutir autonomia. “Avisam ao mundo que sim, querem ficar no Reino Unido e, consequentemente, na União Europeia, mas querem discutir concessões e autonomia. E conseguiram”, afirma o professor, lembrando que essa maior liberdade cobrada pelos escoceses deve estar na legislação até janeiro de 2015; a partir daí, as mudanças terão início na prática.
Para ele, devem ocorrer mudanças não apenas no Reino Unido, mas também no cenário internacional. O mundo deve começar a enxergar o condomínio dos países britânicos de forma diferente. Para lembrar: a Escócia se submete ao comando da Inglaterra desde o início do século 18, quando a grande ilha europeia conseguiu construir hegemonia mundial, dominou até ¼ dos territórios do planeta e foi, sem dúvida, um dos maiores impérios da história da humanidade. No entanto, esse domínio global foi sendo minado desde o final da Primeira Guerra Mundial e, depois da Segunda Guerra Mundial, sucumbiu à Guerra Fria, à independência de muitas colônias e ao poderio de Estados Unidos e da União Soviética. Por consequência, junto com o declínio inglês, os países do Reino Unido também vêm perdendo influência mundial.
A Escócia, entretanto, sempre foi um país muito próspero, é um dos berços do liberalismo clássico. Seu principal porta-voz, Adam Smith, nasceu ali. Por essas razões, o país conheceu processo de industrialização bastante rápido e pujante. A economia foi muito bem até a Segunda Guerra, quando então começou a enfrentar crises, voltando a se recuperar nas duas últimas décadas, por conta da integração à União Europeia, avalia o pesquisador. Para Coutinho, a participação do Reino Unido nas finanças internacionais ainda é muito significativa, mas a fatia da Escócia tem um valor especial. “As reservas de petróleo no Mar Negro são as maiores da União Europeia. E essa, então, continuará sendo a influência do Reino Unido, mas com maior participação escocesa”, calcula.
Recado aos movimentos separatistas
Além de exigir mais participação na economia mundial, a Escócia pós-referendo também manda um recado àqueles que acompanham a ascensão de movimentos separatistas na Europa e fora dela. Especulava-se que, se a independência ganhasse, ventos separatistas poderiam assolar com mais força o velho continente. Embora a permanência tenha aliviado um pouco as tensões, o número de votos “sim” foi bastante representativo. Mais de 1,6 milhão de escoceses queriam o divórcio. Uma separação amigável e democrática, é verdade, mas ainda assim, cisão.
“Há muitos movimentos separatistas na Europa, povoados inteiros que querem se desvencilhar dos Estados aos quais estão ligados. A Escócia é só um deles. Na França, na Espanha e na Ucrânia eles vieram à tona com força, mais recentemente”, lembra Coutinho. Ele lembra que a globalização propõe um entrelaçamento e uma circulação cada vez maior entre os Estados, os mercados, as comunicações. Por um lado, há uma integração entre as nações. Mas, de outra forma, estimula o local, identidades regionais, o florescimento desses movimentos separatistas, aparentemente contraditórios em relação à onda de integração internacional, principalmente após a Guerra Fria. No entanto, na opinião de Coutinho, os escoceses não queriam mesmo a separação, mas sim a autonomia decisória e mais recursos financeiros. Daí por que não chega a ser um grande impulso e uma grande inspiração para os separatistas. Aliás, nesse sentido, ele completa, os escoceses deram uma aula de democracia e civilidade.
O professor e pesquisador avalia que a Escócia soube, como poucos países, jogar o jogo da democracia internacional, com as regras propostas pelos players mundiais e, assim, conduzir o processo sem maiores sobressaltos. Cabe destacar que foi um período efervescente, com campanha forte de parte a parte, gente nas ruas, pesquisas que num momento indicavam a vitória do sim, noutro a vitória do não. O comparecimento em massa da população e a disputa voto a voto ajudaram a temperar ainda mais a história. Em tempos de conflitos violentos na Crimeia, por exemplo, Coutinho diz que a situação escocesa representa um ganho para todos. “Ganham a Escócia, a Inglaterra, o Reino Unido, a União Europeia, ganha o ocidente, ganha a democracia”, comemora.