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Cultura

Desengarrafar a Berrini

Elisa Marconi e Francisco Bicudo

A avenida Luis Carlos Berrini, que fica no final da Marginal Pinheiros, na zona sul de São Paulo, é uma espécie de símbolo máximo do caótico trânsito paulistano. Uma pesquisa publicada no guia Como viver em São Paulo sem carro, de Leão Serva e Alexandre Frankel, mostra que a média de veículos com apenas um passageiro na cidade, nos horários de pico, é de 31%; na Berrini, o índice chega a 53%. O trânsito por ali é desumano, até porque algumas empresas que ocupam os modernos e imponentes edifícios que margeiam a via oferecem a seus colaboradores vagas gratuitas nos subsolos e estacionamentos da região. Os congestionamentos são tão sérios que há hora do rush e lentidão até nas garagens.

Mas, enquanto a avenida segue parada, algumas pessoas que precisam desse caminho resolveram se mexer e buscar alternativas para ao menos amenizar a situação. Por reunir todas as características já descritas, a Berrini foi escolhida para acolher um projeto piloto de estímulo à mobilidade urbana, ou, em outras palavras, uma iniciativa para fazer o trânsito fluir melhor, as pessoas chegarem mais rápido e menos cansadas e estressadas ao trabalho, além de elevar a qualidade de vida de quem trafega no pedaço. Detalhe importante: sem que seja necessária nenhuma intervenção ou obra viária.

E isso é possível?

A especialista em gestão pública Andrea Leal tem certeza que sim. É ela quem comanda um estudo do Banco Mundial para propor, implementar e medir impactos da instalação de uma micro-revolução cultural na Berrini. Desde meados de 2012, os pesquisadores do Banco Mundial vêm acompanhando 1500 pessoas que trabalham em dois grandes condomínios situados ali, o Cenu e o World Trade Center, onde fica, por exemplo, o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC). Para começar, checaram como os funcionários chegam e saem da região, depois perguntaram que condições seriam necessárias para que eles trocassem o carro por outro meio de transporte. E, diante desses resultados, começaram a propor mudanças. Principalmente de comportamento e ação.

“Já há iniciativas interessantes de empresas, o IBGC vai pagar a tarifa de transporte público sem descontar os 6% do vale-transporte. E vai dar aos funcionários a opção de trocar o direito a estacionamento por mensalidade de uma academia”

Andrea contou ao jornalista Leão Serva, que publicou uma coluna com essas reflexões na Folha de São Paulo do último dia 16 de setembro, que das 80 empresas com escritórios nesses prédios, 20 aderiram ao projeto. Como exatamente? Trabalhando junto aos funcionários para mudar hábitos. “Foram oferecidas opções como uso de caronas, numa parceria com o site caronetas.com.br, ônibus fretados, horário de trabalho flexível, incentivo ao uso de bicicletas, programas de home office”, diz o texto.

A especialista do Banco Mundial lembra que medidas assim já existem em outros países do mundo. As empresas entendem que precisam dar o seu quinhão em nome de uma mobilidade mais satisfatória para todos. E em algumas localidades não se trata apenas de bom senso. É uma obrigação oferecer alternativas. “Já vimos algo semelhante nos Estados Unidos, em Estados como Washington e Califórnia, onde há dados mostrando redução de congestionamentos e de viagens de carro por causa de programas de mobilidade corporativos”. E completa, sempre na entrevista divulgada por Serva: “Algumas cidades têm leis obrigando empresas com mais de cem funcionários a ter um plano de mobilidade e meta de reduzir o número de funcionários dirigindo sozinhos.”

A tendência é, portanto, desestimular o transporte individual e fomentar o coletivo. Não à toa, Andrea figura entre os chamados “heróis da mobilidade” que aparecem no livro recém-publicado por Serva e Frankel (o lançamento do guia foi assunto aqui mesmo na Giz em 30 de agosto). Na página 19 da obra, ela crava que “o objetivo é mostrar às empresas que elas podem melhorar o trânsito, o que não pode ser competência apenas do poder público”.

Voltando ao levantamento, os pesquisadores chegaram a dois grupos de resultados, aqueles que apontam para a necessidade de melhorias viárias e estruturais e em termos de serviços de transporte – e esses serão apresentados ao poder público, são mais lentos e custam muito; e aquela vertente que ofereceu soluções mais pontuais e mais ligadas ao dia a dia do colaborador na empresa. “Já há iniciativas interessantes de empresas, o IBGC vai pagar a tarifa de transporte público sem descontar os 6% do vale-transporte. E vai dar aos funcionários a opção de trocar o direito a estacionamento por mensalidade de uma academia”, explica Andrea, no guia.

Por reunir todas as características já descritas, a Berrini foi escolhida para acolher um projeto piloto de estímulo à mobilidade urbana, ou, em outras palavras, uma iniciativa para fazer o trânsito fluir melhor, as pessoas chegarem mais rápido e menos cansadas e estressadas ao trabalho, além de elevar a qualidade de vida de quem trafega no pedaço. Detalhe importante: sem que seja necessária nenhuma intervenção ou obra viária.

A divulgação do estudo do Banco Mundial junta-se a outras duas pesquisas que animaram São Paulo nos últimos dias. Em 18 de setembro, o Ibope publicou que 69% dos paulistanos consideram o trânsito da capital ruim ou péssimo. Ainda entre os entrevistados, 79% adotariam o transporte público se fosse eficiente e confortável, e – por fim – 93% são a favor da ampliação das faixas exclusivas de ônibus. São números significativos que combinam com os resultados colhidos por Andrea e sua equipe do Banco Mundial. Em tempo: o hotel Hilton local apresentou a cada funcionário as melhores rotas de transporte público de sua casa ao trabalho. A adesão à carona foi menor que o esperado, mas quem aderiu ao home office ou à semana reduzida diminuiu em 20% a necessidade do carro para outras tarefas. Ou seja, “o impacto quantitativo ainda não foi tão grande. Mas houve um impacto qualitativo em vários funcionários”, disse Andrea à BBC Brasil.

A consequência lógica – e que Andrea espera que os empresários compreendam – é que quanto mais empresas aderirem ao programa, “haverá um efeito maior no trânsito da região”, avalia, ainda no texto da BBC. Os próximos passos são levar o relato e os resultados da experiência à prefeitura e ao Estado e, ainda, estender o programa a outros prédios da marginal Pinheiros, como sugeriu o jornalista Leão Serva em sua coluna na Folha de São Paulo.

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