Foram várias as surpresas anunciadas pelas manifestações que tomaram as ruas do Brasil em junho. Uma dessas novidades atende pelo nome de Mídia Ninja (Narrativas Independentes, Jornalismo e Ação). Militantes do coletivo Fora do Eixo, que já existe há quase uma década e que se define, em sua carta de princípios, como “uma rede colaborativa e descentralizada de trabalho constituída por coletivos de cultura pautados nos princípios da economia solidária”, os jornalistas-ninja, munidos de computadores portáteis e usando a internet para transmissão ao vivo, foram responsáveis por acompanhar e reportar os protestos mergulhados no olho do furacão, inclusive durante as madrugadas, a consagrar a ideia de “uma pauta na cabeça e um celular na mão”, enquanto a chamada mídia tradicional narrava os acontecimentos mais à distância.
Alçados rapidamente à condição de personalidades com dimensão nacional, os coordenadores do Fora do Eixo/Ninja passaram a ser requisitados para as mais diferentes conversas e atividades, incluindo participação, por exemplo, em uma mesa realizada na última Festa Literária Internacional de Paraty (FLIP) e que analisou a onda de protestos. Essa trajetória culminou com a presença de Pablo Capilé e Bruna Torturra, líderes dos ninja, no programa “Roda Viva”, da TV Cultura, no dia 5 de agosto. A conversa deflagrou fortes pedradas e elogios incontidos, certo espírito de “ame-os ou deixe-os”, a santificar ou demonizar os militantes e as ações e os projetos do coletivo, em mais uma das tantas guerras de torcidas que têm caracterizado o debate político nacional. A disputa tomou conta das redes sociais nos últimos dias.
Atento a esse cenário, e com intuito de ajudar a enriquecer e qualificar a discussão, oferecendo aos professores elementos para reflexão, a Revista Giz publica cinco artigos que tratam do assunto.
No primeiro, “A esquerda nos eixos e o novo ativismo”, Ivana Bentes, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), avalia que “há um medo diante das novas dinâmicas que estão sendo inventadas e experimentadas fora do eixo da esquerda clássica” e destaca que o “movimento Fora do Eixo é um dos mais potentes laboratórios de experimentações de novas dinâmicas do trabalho e das subjetividades”.
O contraponto é oferecido pela cineasta Beatriz Seigner que, em post originalmente publicado no Facebook (“Fora do Fora do Eixo”), critica duramente o que chama de aliciamento patrocinado pelo FdE, a quem classifica de seita, além de condenar o não pagamento de cachês e direitos autorais a artistas que se relacionam com o coletivo. Esse coro é engrossado pela jornalista Laís Bellini, que escreveu, também em texto postado no Facebook, que “o Fora do Eixo é uma das estruturas mais engessadas que conheço na vida, ditatorial, diria eu. Diria mais, ali se vive uma ditadura monárquica, com toda a sujeira do autoritarismo de milhões de outras caras bonitas que possam haver num governo que se descreva como tal”.
Em nota oficial, o FdE garante que não há autoritarismo, ressaltando que “nenhum morador, colaborador parceiro ou qualquer pessoa relacionada aos coletivos da rede jamais foi submetido a trabalho escravo”, sugerindo que esses episódios “possam contribuir para a inteligência coletiva social, tão cara num país ainda tão profundamente marcado por desigualdades, preconceitos e medos”.
Por fim, focando mais especificamente o jornalismo feito pelos ninja, a professora Silvia Moretzsohn, da Universidade Federal Fluminense (UFF), em artigo originalmente publicado pelo “Observatório da Imprensa” (edição de 13 de agosto), escreve que “o jornalismo praticado pela Mídia Ninja, ao assumir claramente um lado, contestou na prática a hipocrisia da imparcialidade (…) No entanto, o jornalismo não se resume ao testemunho e ao imediato. Exige apuração e edição. E é preciso respeitar determinados princípios éticos”.
Os cinco textos são longos. Exigem leitura cuidadosa, atenta. O exercício de reflexão, afinal, requer paciência, persistência. E leva tempo.
Boa leitura.