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Cultura

A desafiadora história de um sapo que não vira príncipe

By 14/11/2014No Comments

Elisa Marconi e Francisco Bicudo

Era uma vez um mineirinho sereno que, depois de ganhar os prêmios Casa de las Americas, o Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA) de melhor ficção e o Machado de Assis de narrativa, decidiu se embrenhar numa aventura nunca antes imaginada. Luiz Ruffato, nascido em Cataguases (Zona da Mata de Minas Gerais) há 53 anos, filho de um pipoqueiro e de uma lavadeira, inventou de escrever uma história diferente de todas aquelas que ele tinha publicado antes. E quando a trama ficou pronta, ele entendeu o que havia de especial nela. Tratava-se de A história verdadeira do sapo Luiz, seu primeiro livro para crianças, publicado recentemente pela Editora DSOP.

Na verdade, Ruffato não escreveu essa obra, nem qualquer outra, pensando num público específico. “Eu não acredito nisso. Tirando os livros para crianças bem pequenas mesmo, aquelas que estando se alfabetizando ainda e que têm uma linguagem muito específica, ou se faz literatura ou não se faz. Realmente, para mim, literatura não tem idade”, sugere o escritor. Assim como as obras anteriores, cada história que o autor tem para contar já vem com um formato próprio e não poderia assumir outra forma ou outro gênero. O que ele fez então foi escrever uma fábula que procura desconstruir algumas ideias pré-concebidas que estão muito impregnadas no imaginário das crianças e dos próprios escritores. “Por exemplo, essa ideia de que para ser feliz, você precisa se transformar em príncipe. É uma grande estupidez, porque você pode e deve ser feliz sendo quem você é. Seja um sapo, seja uma princesa”, provoca o autor. E, por isso, evidentemente, o sapo de Ruffato não vira um príncipe.

Outro ponto que o autor premiado trabalhou bastante foi a velha concepção machista e muito presente nas histórias para crianças que colocam a mulher quase como um apêndice do homem. “Nas histórias de princesas, elas beijam os sapos, que viram príncipes, e se transformam apenas na mulher desse homem. Elas não viram nada, nem rainhas, apenas a mulher do rei”, propõe, indignado. Em A história verdadeira do sapo Luiz, esse desfecho é diferente. Primeiro, porque como já foi dito, o sapo não vira príncipe e, depois, a princesa vira rainha, e o sapo é apenas o marido dela e não o rei. “Essa inversão me interessava discutir um pouco, o machismo escondido ali na história”.

No entanto, mesmo se contrapondo ao discurso das histórias infantis, Ruffato se apropria da forma, da linguagem bastante conhecida e difundida das fábulas para criança. Não foi por acaso, foi uma escolha consciente. O autor recorre aos elementos tradicionais, mas, num golpe de ironia delicada, aproveita para tratar de assuntos pouco discutidos. “A maneira de narrar para crianças é uma maneira bastante conhecida e palatável. Por isso mesmo a usei para falar de temas mais delicados, que dificilmente são abordados”, explica. Ou seja, a criança reconhece algo ali e, assim, se entrega, mas se surpreende com a mensagem que está sendo passada, sente a novidade. “No fundo, no fundo, a melhor maneira de desconstruir mitos é partindo deles. A ideia era justamente essa, discutir partindo dos próprios elementos”.

Para contar sua história, que já partia de um desafio, Ruffato contou com um apoio fundamental: a ilustração. Linguagem mais que conhecida e aprovada pelo público infantil, trabalhar com imagens foi uma novidade para o autor. Nos livros destinados ao público mais velho, ele não gosta de desenho, ou foto, ou qualquer ilustração. “Gosto que o leitor imagine. A figura dada impede isso, interfere nesse processo. Na literatura adulta, a meu ver, quem faz o livro é o leitor”. No entanto, para a literatura para crianças e jovens, Ruffato entende que a ideia é outra. “As imagens são uma segunda história. No caso do Sapo Luiz, as ilustrações da Ionit Zilberman são quase um segundo livro presente ali, que acho tão ou mais importante que o primeiro”, defende. O escritor lembra que nessa fase de transição para o letramento, as referências das crianças ainda vêm muito daquilo que ela capta no mundo exterior – em livros e fora deles. Mas, à medida que vai se transformando num leitor, a criança e o jovem começam a criar suas próprias imagens, passam a ter um repertório mais rico e personalizado. Assim, até chegar essa fase, a ilustração tem um papel decisivo. “E minha felicidade foi encontrar a Ionit, que não só soube compreender o que era o livro, como soube captar e transmitir as imagens, oferecendo essa segunda leitura do livro”, comemora.

Como a obra foi lançada recentemente, Ruffato ainda não sabe dizer se as crianças têm gostado de A história verdadeira do sapo Luiz. O que ele tem, até o momento, é a resposta da crítica para a sua ousadia. “Tem sido positiva”, conta. No entanto, ele aposta que 2015 será o ano de colher as impressões do seu público alvo, porque aí o livro pode ter sido escolhido por escolas e mais leitores-mirins travarão contato com a narrativa instigante e controversa. “Eu não me preocupo muito, porque, como eu disse antes, não tenho a pressão de viver de literatura infantil. E, por isso mesmo nem sei se farei outro livro infantil. O que sei é que faço literatura e se tiver outra história que a expressão dele seja para esse público, ótimo, vou escrever”. E, assim, certamente, vai vivendo feliz para sempre.

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