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Educação

Professor ou pesquisador?

By 01/09/2011One Comment

O desejável diálogo entre pesquisador e professor foi o tema de uma das mesas do Congresso Brasileiro de Matemática, realizada na sexta-feira, 26 de agosto, e que contou com as participações de Cláudio Saiani (Universidade Federal Fluminense), Maria Cristina Gramani (Instituto de Ensina e Pesquisa, o Insper) e Lulu Healy (Universidade Bandeirante) e teve a mediação de Celso Napolitano, diretor do SINPRO-SP. As reflexões apresentadas durante o debate foram ricas e diversas, mas apontaram para um consenso: o ensino de Matemática em sala de aula terá tanto mais qualidade quanto for capaz de se apropriar das pesquisas que são desenvolvidas na academia, nessa área do conhecimento. E, adotando também uma perspectiva dialógica, via de mão dupla, a recíproca também pode ser verdadeira – ou seja, os estudos sobre a Matemática devem ter como uma de suas inspirações a realidade e as dificuldades vividas em classe, nas relações que o professor estabelece com os alunos.

Em suas exposições, os três palestrantes reconheceram que estamos falando de personagens distintos, com papeis sociais diferentes, mas que podem (e devem) buscar pontos de encontro entre suas atividades. Citando contribuições de Antonio Claudio Lucas da Nóbrega, também da UFF, Saiani listou as tarefas essenciais de um pesquisador: planejar, criar as condições para o desenvolvimento do projeto, executar e supervisionar trabalhos, gerenciar grupos e laboratórios, prestar contas à sociedade e publicar seus estudos. Dialogando então com as reflexões de Maria Isabel da Cunham autora de “O bom professor e sua prática”, Saiani destacou as competências e habilidades do educador: organizar o contexto da aula, incentivar participação dos alunos, clarear conceitos, estabelecer associações entre teorias e práticas, variar estímulos didáticos e pedagógicos e usar a linguagem com clareza.

Para ele, feitas as comparações, são mesmo profissões que à primeira vista indicam caminhos mais distantes do que afinidades. A preocupação primeira do pesquisador é com seu objeto de estudo; no caso do professor, a preocupação mais intensa se dá com o aluno. “No entanto, não é possível para um educador localizar, contextualizar e apresentar referências de mundo e de saberes se não for capaz de investigar, de pesquisar, de levantar dados. Há certamente como estabelecer conexões, embora não exista a obrigação de as duas competências estarem na mesma pessoa”, reforçou.

Saiani foi enfático ao afirmar que a melhor maneira de ensinar o aluno a pensar é mostrando para ele como a gente pensa. Quem sabe o que perguntar, garante, já tem metade do caminho andado. “Difícil não é montar um projeto. É achar uma pergunta. Muitas vezes um aluno que desenvolve Trabalho de Conclusão de Curso demora um semestre para descobrir com precisão o que ele deseja pesquisar”, afirmou, para em seguida completar: “O pesquisador é aquele que encontra um problema onde todo mundo acha que a situação é normal”. E citou dois exemplos de contribuições que a pesquisa pode oferecer ao trabalho em sala de aula: o uso de jogos (“é lúdico, é divertido, mas… será que os alunos estão aprendendo? Essa é a questão que não pode ser perdida”) e a apresentação de filmes e de vídeos (“que não pode criar nos alunos a impressão que estamos matando aula, mas sim que usamos um eficiente recurso pedagógico e de pesquisa”).

Estímulo à capacidade de análise
Maria Cristina iniciou sua fala reforçando os pressupostos estabelecidos por Saiani e lembrou que o bom professor é aquele que pesquisa sempre e que portanto procura incentivar a capacidade de análise, ampliar o conhecimento existente, encaminhar novos problemas e proporcionar aos alunos os horizontes das descobertas e dos novos raciocínios, mostrando que a docência é uma profissão encantadora, para fomentar a formação de novos professores e pesquisadores, criando assim um ciclo virtuoso. No entanto, lamentou a palestrante, o que lemos nas narrativas midiáticas é que faltam professores em áreas como Matemática e Física, sem contar o desempenho pífio dos estudantes brasileiros em provas internacionais como o PISA, avaliação organizada e aplicada pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico. Para ela, um dos principais gargalos dessa relação se dá porque o professor-pesquisador não vai atuar na educação básica, por conta dos baixos atrativos (salários defasados, salas de aula lotadas, condições de trabalho insuficientes); por consequência, os estudantes encontram cada vez menos estímulos para optar pela carreira docente. E o que era para ser virtuoso se transforma dramaticamente em vicioso.

Disposta a compreender essa realidade com mais detalhes, Maria Cristina desenvolveu recentemente um estudo que tinha como objetivo principal dar conta da seguinte pergunta: a boa performance dos alunos da educação básica em Matemática tem interferência no momento da escolha da profissão, no vestibular? O trabalho foi dividido em dois momentos: inicialmente, a pesquisadora resgatou as notas de Matemática no Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB) e também no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), sistematizando dessa maneira um ranking dos estados do Brasil, revelando quais tinham obtido as melhores e as piores notas em Matemática. Em seguida, também por estados, observou a procura das carreiras nos vestibulares. Duas conclusões principais saltaram aos olhos: a carreira de Engenharia de fato tem maior procura em estados com melhores desempenhos em Matemática. Mas, triste constatação, Matemática e Física são cursos mais procurados por estudantes com resultados baixos em Matemática. “O Piauí, de mais baixo desempenho, é o estado com maior procura”, reforçou. O que essas observações sugerem? Na avaliação de Maria Cristina, que os professores posteriormente formados nessas carreiras não terão conhecimento específico mínimo, não vão saber ensinar com qualidade porque não dominarão esses conteúdos e vão lidar com alunos que provavelmente serão professores no futuro. O tal do círculo vicioso alcança contornos ainda mais graves. Para ela, não há muito segredo: é preciso investir recursos, esforços e atenções nos anos iniciais do sistema educacional, na base, para formar desde cedo repertório e consciência crítica.

Matemática inclusiva
A exposição de Lulu foi marcada pela reflexão permeada de emoções e sensibilidades. Ela falou sobre experiências (pesquisas, portanto) bem sucedidas na área de ensino de Matemática para portadores de necessidades especiais. “A inclusão é obrigatória. Mas sabemos fazer isso? É preciso discutir como os pesquisadores podem oferecer contribuições aos professores que vão lidar com essa realidade em sala de aula”, afirmou. Para ela, a exigência está em idealizar e criar uma Matemática amigável, atraente e viva – inclusiva, portanto. “É a Matemática escolar que deve se adaptar aos aprendizes, nunca o contrário”.

Ela mostrou então no telão um trabalho desenvolvido com um aluno cego, com 18 anos, no primeiro ano do ensino médio. A proposta era construir, a partir do “olhar com as mãos”, uma pirâmide de base quadrada, usando palitos e massa de modelagem. As primeiras tentativas foram frustradas – não conseguia escapar da perspectiva plana. A professora retomou as orientações, repensando a melhor maneira de favorecer essas intervenções. “A aprendizagem é mútua. A professora deve estar aberta para ampliar suas referências”, reforçou Lulu. A pirâmide finalmente ganhou forma. E foi definida pelo aluno da seguinte forma: “a base é quadrada, os lados vão subindo e ficando estreitos até que se encontram em cima”. Para Lulu, um conceito brilhante.

Em outra atividade, alunos com deficiências de audição foram estimulados, por meio da linguagem de libras e usando intérpretes, a compreender sequências – na lousa, no lugar de números, havia carinhas com expressões de felicidade, de indiferença e de tristeza. O estudante precisava compreender o mecanismo, organizar o raciocínio e indicar, por meio de sinais, como se construía uma sequência com três expressões. Numa terceira experiência discutida, os alunos usam um jogo com tartarugas vermelhas e azuis para trabalhar com retas e pontos simétricos. Em seguida, a simulação é reproduzida em sala de aula: a professora coloca os estudantes a uma distância de quatro passos entre eles, que precisam fazer a conta de divisão e dar dois passos cada um para que se encontrem no meio do caminho. Ao final, desafio cumprido, os alunos sorriem, se abraçam e comemoram. Lulu mostrou ainda uma calculadora que, ao fazer as contas, associa números e resultados a notas musicais – os estudantes descobrem por exemplo que frações equivalentes fazem surgir a mesma música. “É preciso reconhecer que há várias formas de pesquisar e fazer Matemática. Todos aprendem, nem sempre da mesma forma. Não é deficiência. É diferença”, reforçou Lulu. A plateia aplaudiu e agradeceu, com entusiasmo.

One Comment

  • sandra regina da silva gangi disse:

    parabéns! Pela iniciativa
    Este congresso foi enriquecedor para o nosso trabalho.
    Essa matéria sobre professor ou pesquisador? Foi reescrita de forma clara incentivando aqueles que querem ser pesquisadores.

Comentários