Por Mônica Leopoldino e Érika Odo*
Cientes e até pressionados pela necessidade de inovar e melhorar as relações entre os estudantes e o conhecimento, muitas instituições e movimentos docentes podem pecar pelo excesso e pela complexidade. “- A Solução está na tecnologia!”- gritam alguns. “- É preciso mais tempo na escola!”- bradam outros- E ainda há quem enfatize: “ Derrubemos paredes e muros, a escola precisa ser desconstruída!”. Ainda que não concordemos com o grito, porque sinaliza desespero, nem com mudanças da noite para o dia, porque sinalizam crise de identidade, pensamos que as relações dentro da escola, bem como, dos estudantes com o conhecimento e entre si, precisam de transformações.
As transformações mencionadas devem ser tanto de paradigmas quanto de procedimentos e atitudes. Escola precisa ser lugar de preparação ao invés de simples informação, construção ao invés de competição e também de convivência, em níveis reais. O que significa isso? – Que na escola os problemas devem ser tratados, as dificuldades devem ser vividas e discutidas, as diferenças devem ser compreendidas e as divergências aceitas e refletidas. E isso também é inovação! A escola não é mais impessoal, não é mais padronizada, não é fixa como uma forma à qual a massa de estudantes precisa ser moldada.
Segundo Castellar (2016), às vezes, por receio de encarar o novo, é preferível manter as práticas já adotadas. Outras vezes, porém, afirma-se que tudo não passa de modismo, que é passageiro. É mais cômodo, então, manter o que vem sendo feito para não correr riscos. Ao pensar dentro dessa lógica, a prática docente não é alterada, os paradigmas em que se acredita são fortalecidos e não se busca superar as práticas educativas consideradas ultrapassadas ou problemáticas.
O que fazer? Há muita coisa a ser feita, porém isso só pode acontecer dando passos e não correndo, abrindo caminhos com alternativas e encruzilhadas, onde encontros ocorram e decisões sejam tomadas. Inspirados em citação de Mário Sérgio Cortella para o provérbio africano, repetido pelo pensador Lufaba, afirmamos: “Se quer ir rápido, vá sozinho. Se quer ir longe, vá acompanhado” (1). Constatamos, a partir desta reflexão que a escola precisa ir mais longe! Mesmo porque, para a educação não cabe o rápido, especialmente no que diz respeito aos resultados. E o que há de mais longevo que não as relações, as ações? Elas se propagam, abrem caminhos e deixam marcas, por isso a orientação deve ser para a ação.
Na linha desse caminho que é traçado enquanto percorrido está a Orientação Educacional, que em lugar de ser socorro ou castigo, do tipo: “-Vá para a orientação agora!” – pode ser processo, pode envolver reflexão e ação. Trataremos aqui de nossas práticas, as aulas de Orientação Educacional ministradas semanalmente, construídas pelas professoras coordenadoras de sala em parceria e de acordo com as necessidades das turmas envolvidas. As aulas de O.E, como chamamos, são apenas aulas. Envolvem o cotidiano de sala em uma escola com propostas diferenciadas. Segundo Lilian Bacich e José Moran (2018), o papel do professor hoje é muito mais amplo e complexo e não está centrado só em transmitir informações de uma área específica; ele é principalmente designer de roteiros personalizados e grupais de aprendizagem e orientador/mentor de projetos profissionais e de vida dos alunos. Assim como as aulas de ciências, geografia e história, não ficam restritas ao monólogo do professor, ou à transferência de informações, em nossa escola, nas aulas de O.E, temos atividades reais, diálogos, textos, dinâmicas, exercícios, construções, grupos, entre outros. E isso acontece com o uso de metodologias ativas, discussões, dinâmicas e leituras, que podem ser analíticas além de críticas. O foco das intervenções de aula são os problemas reais, as necessidades emergentes e, principalmente, a melhoria do cotidiano para o estudo, a organização e as responsabilidades.
Por envolver ideias, e atitudes a “disciplina” O.E. atende às demandas por uma escola mais humana e ligada à valorização da vida e à contribuição para a sociedade. Desse modo, ainda que sejam apenas aulas, significam uma grande e necessária transformação. A Pedagogia Inaciana, comentada a seguir, ilustra pontos relevantes da escola que queremos e tentamos construir com aulas de O.E.
“Empenha-se em estimular as pessoas a desenvolver ao máximo suas potencialidades e dimensões, a exercer sua liberdade, a atuar com autonomia e personalidade na transformação da sociedade, a solidarizar-se com os demais e com o meio ambiente. Esta pedagogia se esforça por formar pessoas lúcidas que saibam aplicar os conteúdos, competências e habilidades desenvolvidas durante a escola. Trata-se de pessoas hábeis para interpretar o mundo de hoje, para saber discernir e oferecer soluções aos problemas, para mover-se em um mundo cambiante, para assegurar a sua educação vitalícia.” (2)
A faixa etária entre 10 e 12 anos é uma fase de transição em que se fazem necessários o carinho, a atenção, a orientação e muita conversa. Nesse período, o jovem gosta de estar com outros de mesma idade e com interesses parecidos. É nessa fase que as saídas em grupo começam a surgir (aniversários, cinema, passeios ao shopping, boliche, trabalhos em grupo) e tudo vira uma “desculpa” para estar junto dos amigos. O corpo do jovem começa a dar sinais de mudanças, o foco de interesse e o comportamento também mudam, iniciando um certo distanciamento dos pais e uma necessidade de pertencimento aos grupos. É na escola que todo esse processo eclode e tudo parece acontecer simultaneamente. Os pré-adolescentes precisam lidar com todas as transformações ao mesmo tempo em que precisam estar preparados para a vida e preparando-a, em uma relação dialética. Foi pensando em tudo isso, aliado às demandas da escola de nosso tempo, que foi criada a aula de Orientação Educacional. Em um processo nada solitário, professores e famílias, estreitam as parcerias tão necessárias. Em princípio, a aula de O.E serviria para dar suporte, explicar coisas práticas, entender o cotidiano na passagem e adaptação do quinto para o sexto ano. A ideia era tornar as coisas mais tranquilas e trabalhar as necessidades da escola para casa e vice-versa, sem aquele famoso “jogo de empurra”.
Foi na aplicação e na reflexão sobre o cotidiano, além do impacto e da importância que as aulas foram tomando, que a Orientação Educacional extrapolou as práticas corriqueiras e chegou a diversas sequências de aulas híbridas, dinâmicas e até mesmo polêmicas. Pois foram tratadas situações relativas à adolescência, aos relacionamentos, às novas tendências na sociedade, à diversidade, o politicamente correto, a responsabilidade social, entre tantos outros assuntos que se revelam, não de forma cronológica ou sequencial, mas em uma espécie de teia, uma rede que leva à melhor organização, mais valorização da própria vida e da do outro, respeito, tolerância, pensar duas vezes, etc.
Além de auxiliar pedagogicamente o jovem a se adaptar às novas mudanças, acaba auxiliando também nas relações entre os pares, pois promove uma reflexão e tomada de atitude em diversas situações típicas da idade.
Assim sabemos que Orientação Educacional não é uma disciplina com seus conteúdos e sequências, mas se refere a todas e tem por objetivo ensinar o aluno a estudar e transformar sua relação com a aprendizagem.
A proposta não foge às práticas e situações objetivas, como ajudar na organização de tarefas e pesquisas, preparar para as avaliações e dar dicas sobre a melhor forma de fixar cada conteúdo. Além de aprender (tomar conhecimento, “receber informação de”) a intenção é auxiliar o aluno a apreender e fazer (entender, compreender, assimilar, pensar, transformar), e para isso é preciso agir, exercitar-se, informar-se, tomar para si, apropriar-se…
Como nossa meta se refere à apropriação do conhecimento, para além do simples repasse de informação, é preciso ação constante e consciente, que consiste em ESTUDAR! O estudo, porém, está relacionado a ações que o valorizem e o tornem mais efetivo. No decorrer dessas aulas abordamos assuntos de interesse interpessoal e intrapessoal. Inicialmente partimos do trivial: como estudar para determinada matéria, organização do seu material de estudo, cronograma de aulas/provas e trabalhos. Toda essa conversa “informal” torna a relação aluno-professor mais próxima, as características do grupo começam a aparecer e nesse momento a intervenção e o olhar experiente do profissional afloram. Parceria aceita, passamos a tratar de assuntos corriqueiros nessa faixa etária, como por exemplo, bullying ou como o que foi feito em uma de nossas aulas, o estudo associado à convivência. Nesta aula específica, o objetivo era formar os grupos das cores. Os estudantes, recebendo um cartão de cor primária, precisavam encontrar entre seus pares aquele que tivesse outra cor primária e pudesse formar uma secundária, pintada em um papel em branco para aquele que “procurava” um grupo. A reflexão decorrente de tal prática passou pela funcionalidade do grupo, a importância de cada um para o todo e a construção coletiva. No que diz respeito aos sentimentos e relacionamentos os alunos relataram o que sentiram na procura dos grupos, o que precisaram priorizar para chegarem aos objetivos e como se sentiram ao ter que escolher e ser escolhido.
Conforme nos demonstra o exemplo, a Orientação Educacional passa a ter assim, um papel importante no desenvolvimento da autonomia dos estudantes no processo de aprendizagem. Além disso, auxilia na construção de suas relações afetivas e promove um ambiente harmonioso e saudável para o processo de ensino-aprendizagem e formação integral do aluno.
Por meio de uma relação próxima entre o estudante e o professor, os problemas diários dentro e fora da escola são debatidos em sala de aula, servindo para promover a reflexão e levá-los a mudar algumas atitudes que geram conflito, seja com os colegas, professores ou com familiares. Pode parecer algo simples, mas ensinar o aluno a estudar e conviver bem com os conflitos escolares são características que influenciam e muito na formação do estudante.
Ao passarmos trechos de filmes, animações e pequenos fragmentos de pensamentos sobre um mesmo tema, por exemplo, as doenças contagiosas nas diferentes classes sociais, feito em algumas de nossas aulas não iniciamos com um modelo moralizador. Deixamos que os estudantes, de forma livre, procurassem entender nossas intenções com a exibição do filme para que, no fechamento das discussões, os sentimentos sejam externados e “o fazer” leve à reflexão, a compreensão e à inclusão. Daí deriva as diversas atividades direcionadas e seguidas de reflexão e compartilhamento. São jogos, dinâmicas, frases, desenhos. Tudo a partir do que foi pensado, gerado a respeito do material (filme, texto, imagem).
Para nós, assim como para eles, cada sequência é uma aventura e as árvores acabam dando mais frutos que o esperado. Nossa semeadura reside em pensar em aulas diferenciadas com elementos do bom senso, amor, responsabilidade, entre outros e necessariamente nos deparamos com um grande desafio: incluir todos em assuntos que tratam de exclusão, respeito ao próximo, solidariedade e autorreflexão. Entretanto a colheita tem sido surpreendente. No “pé de amor” pode se colher responsabilidade e no de responsabilidade podem ser colhidos vários frutos que podemos chamar de futuro.
Sujeito do processo, agente do seu aprender, o aluno conquista aos poucos a confiança em si próprio e nas suas possibilidades tornando-se mais independente e autônomo, alterando a sua relação com o aprendizado acadêmico e com o outro, sob o viés do humanismo, da tolerância e da responsabilidade social. O aluno se coloca como agente ativo do processo e a metodologia utilizada varia dependendo da aula que será abordada. A ideia é estimular o pensamento, a socialização e a autorreflexão, sem moralismos, sem desespero e com mudanças.
Bibliografia:
1- Codina, Gabriel. Pedagogía Ignaciana. In: Diccionario de Espiritualidad Ignaciana, Madrid, Universidade Pontificia Comillas, 2007.
2- Klein, Luiz Fernando. Pedagogia Inaciana: sua origem espiritual e configuração personalizada; 2º. Encontro de Diretores Acadêmicos de Colégios Jesuítas da América Latina Quito (Cumbayá): 08 a 12 de setembro de 2014
BACICH, Lilian; MORAN, José e org. Metodologias ativas para uma educação inovadora:uma abordagem teórico-prática. Porto Alegre : Penso, 2018
CASTELLAR, Sonia M.Vanzella. Metodologias ativas. 1.ed. São Paulo : FTD, 2016
* Coordenadoras e professoras de O.E do sexto ano, no colégio Mary Ward