Por Gabriela Bueno Ziebert
Em julho deste ano, o presidente Michel Temer assinou um decreto que dá novas diretrizes e afrouxa as exigências para a abertura de polos de educação à distância no país. Entre as partes mais obscuras do texto pode-se destacar as novas regras para oferta de cursos de pós-graduação EaD e a possibilidade de convênios entre universidades e empresas privadas.
A Revista Giz conversou com o especialista em Educação, José Thadeu Almeida. Ele explica em longo prazo que a desregulamentação do ensino a distância criará uma massa de profissionais supostamente qualificados, o que resultará em um mercado nivelado pelo mínimo, com salários cada vez menores.
Almeida ainda faz um questionamento. “A oferta de cursos superior precisa estar diretamente relacionada ao desenvolvimento estratégico de um país. Com uma desregulamentação como essas, o que é que queremos e podemos esperar para o futuro do Brasil?”.
Confira a entrevista abaixo:
Giz – Um dos pontos mais polêmicos do decreto está na oferta de cursos de pós-graduação. Uma instituição agora pode ofertar cursos dessa natureza mesmo não oferecendo curso de graduação na mesma área?
José Thadeu Almeida – Em princípio sim, pois a lei não especifica isso. Não há em nenhum lugar afirmando que os cursos precisam ser na mesma área.
Antes se a instituição tinha um curso de graduação em Arquitetura, ela ofereceria pós em urbanismo, visto que é a mesma área de conhecimento.
O decreto tem uma brecha no que trata da oferta de cursos. Ele permite mais de uma interpretação possível e no mundo corporativo são as interpretações quem valem. Onde há brecha na lei, há proveito para usufruir dessa brecha e lucrar em cima dela. O que a lei não diz, ela não proíbe.
Já outro artigo permite a parceria entre instituições de ensino superior e pessoas jurídicas. Desta forma seria possível um polo poderia funcionar dentro de uma empresa?
Pode. Aqui há dois problemas graves. O primeiro é que o polo deixa de ser vistoriado. O grande mote que o empresariado gostou dessa lei é que agora quando o MEC for realizar a avaliação de qualquer instituição, apenas a sede será avaliada e não mais os polos.
Em princípio a iniciativa até poderia ser tida como boa, visto que afrouxa algumas exigências. Antes o polo precisava ter biblioteca física e virtual, salas de aula, laboratórios destinados à prática de alguns cursos.
O problema é que a partir de então, os avaliadores olharão apenas para a sede da instituição. Ou seja, se a sede daquela universidade estiver de acordo com as exigências, os polos também estarão.
Imagine só, se não existem mais as mesmas exigências, a instituição poderá abrir esse polo em uma igreja, em uma empresa, em qualquer lugar, em tese, desde que a responsabilidade de funcionamento seja da empresa sede.
Então um polo poderia funcionar dentro de uma lan house, por exemplo?
Sim, visto que ninguém irá averiguar as condições sob as quais esse polo funciona. É um processo absolutamente desregulamentado.
É verdade que antes algumas exigências impediam muitas prefeituras de receber novos polos. Na UAB, a Universidade Aberta do Brasil, a negociação se dava entre o governo federal e a prefeitura do município, visto que para a cidade isso é interessante economicamente.
Algumas exigências eram impeditivas para que prefeituras menores cumprissem todas as regras. O problema é que agora tudo está liberado…
A única esperança de intervenção só ocorrerá por alguma denúncia, que pode vir de um estudante que está usufruindo de uma má qualidade no ensino. O problema é que aqueles alunos que querem só conseguir um diploma não irão se importar com quais condições o ensino será dado.
Quando o decreto foi assinado a cobertura da mídia foi positiva, por que?
Para responder a essa pergunta é necessário juntar essas duas coisas: Claro, se você olhar decreto apenas por um lado ele pode ser bom, ainda mais porque veio acompanhado do discurso ‘vamos disseminar polos e facilitar o acesso a EaD’. Mas a qual custo? Não adianta discriminar o computador para as pessoas terem acesso wi-fi, pois o polo virará um local com internet e cadeira para os alunos se sentarem. Um polo não pode ser isso!
Além disso, com as novas diretrizes, criam-se dois padrões de educação a distancia. Um das universidades públicas, que é muito bom, que tem excelentes cursos. E algumas poucas universidades privada que zelam por qualidade. E também teremos outro padrão: de pessoas formadas a distância sem nenhuma qualidade, que vão influenciar os seus mercados de trabalho.
A grande consequência disso em médio e longo prazo é o rebaixamento da qualidade de mão de obra e, portanto, um rebaixamento de renda, de exigências. Isso vai construir certa elite de profissionais bem formados, seja a distância ou presencialmente. Ou seja, está formada uma massa de pessoas com diploma de ensino superior, sem a menor capacitação.
Isso permite que o mercado regulamente o salário por baixo. No sistema capitalista se todos forem muito bem qualificados o salário aumenta, visto que há uma disputa no mercado por essa qualificação. Se eu tenho um número pequeno de pessoas com excelência naquilo que fazem, eles serão disputados e, consequentemente, bem remunerados.
Por outro os demais profissionais serão uma sub mão de obra, pretensamente qualificada, que jogará os salários pra baixo. Acaba que essa fatia irá trabalhar com salários baixíssimos em outras áreas que não demandam formação superior.
Nós estamos constituindo uma massa de trabalhadores com formação pretensamente superior, sem a devida qualidade para exercer as suas profissões.
Então essa política pretende apenas ampliar o acesso ao superior? Melhorar Indicadores internacionais?
Claro, pois aí não há distinção de qualidade. Nos últimos 12 anos, as estatísticas indicam o aumento de 6% para 17%, no que trata do ingresso de jovens de 17 a 24 anos no ensino superior. Isso apenas a expansão das instituições federais, com a interiorização e com a expansão também das universidades privadas. É importante lembrar que nesse período a EaD ainda não tinha uma participação muito efetiva nessa ampliação.
Desta forma, no conjunto das desregulamentações praticadas por esse governo, a tendência é ampliar o número de pessoas matriculadas na universidade a distância e ter uma representação cada vez maior no todo da formação superior no Brasil.
Se essa educação a distância fosse de fato regulamentada, qualificada, com professores e alunos cientes de suas responsabilidades, mesmo sendo em vídeo, com um processo nos polos com bibliotecas, nem que seja virtual, que era uma exigência anterior, wi-fi de qualidade, tutores disponíveis para orientação dos estudantes. Se esse conjunto de coisas fosse regulamentado, a educação a distância poderia cumprir um papel muito bom. Visto que por vezes a EaD pode ser mais exigente do que o ensino presencial, pois ela demanda uma disciplina muito maior.
Agora, do jeito que está sendo feito, sem um processo de fiscalização, com uma avaliação frágil, se concretizará no Brasil uma formação de ensino superior muito ruim.
Isso é péssimo para o país. Uma das falhas que se pensa para o ensino superior como um todo, é que ele não pode ser apenas uma oferta de cursos para o que as pessoas podem ou querem fazer. A oferta de cursos superior precisa estar diretamente relacionada ao desenvolvimento estratégico de um país. Com uma desregulamentação como essas, o que é que queremos e podemos esperar para o futuro do Brasil?