* Prof. Dr. Nelio Bizo, docente titular do Instituto de Biociências da USP. Coordenador Científico do 5o. Congresso de Pesquisa e Ensino do SINPRO-SP
O ensino de Física e Química é visto, por muitos, como uma das áreas mais difíceis e espinhosas de nosso currículo. No início de setembro o SINPRO-SP promoverá o 5º. Congresso Pesquisa do Ensino focalizando essa região curricular onde se encontram as chamadas “ciências duras”, com uma programação que promete nos proporcionar uma profunda revisão do que pensamos sobre essa suposta aridez epistemológica.
Ao trazer especialistas das mais diferentes regiões do país, pretende-se refletir sobre algumas premissas implícitas do chamado ‘conhecimento docente espontâneo’. Uma das primeiras que será questionada é a de a nomenclatura química que utilizamos nas aulas, termos técnicos como sulfato, sulfeto e sulfito, tenham sido adaptados ao nosso idioma por estrangeiros. A conferência de abertura, a ser proferida pelo professor Carlos Alberto Lombardi Filgueiras, docente da UFMG, versará sobre uma figura surpreendente, a do mineiro de Congonhas do Campo, Vicente Coelho de Seabra Silva Telles (1764-1804). Ele é conhecido como Vicente Seabra, embora alguns historiadores o tratem por Vicente Telles e, em seus livros originais, o destaque ao nome do autor seja conferido a “Vicente Coelho”. Todos designam o mesmo mineiro de Congonhas do Campo.
Em seu recente livro “Origens da Química no Brasil” (Ed. da Unicamp, 2015), o professor Filgueiras fala com profundidade desse pouco conhecido personagem de nossa história.
Ele foi um dos primeiros a refutar as crenças dominantes de seu tempo e adotar o pensamento de Lavoisier, em uma época em que isso era considerado não apenas polêmico, mas também muito perigoso. Afinal, o químico francês acabou guilhotinado, e viu sua “química pneumática” ser questionada por figuras de proa da ciência da época, como Lamarck, por exemplo.
Vicente Seabra frequentava a Universidade de Coimbra, na qual teve atuação destacada em diversas áreas, e preparou o primeiro livro didático em português para o ensino de Química, Elementos de Chimica (ii vols), como previam os novos estatutos daquela instituição. No entanto, nenhuma das obras de Vicente Seabra jamais foi considerada para adoção nos cursos de Coimbra, sendo mantidos os livros tradicionais, retardando as inovações nos bancos escolares. Não surpreenderia se por trás dessa misteriosa decisão estivessem colegas da universidade retaliando seu rigor na avaliação de trabalhos acadêmicos, que vinham “escandalosamente ofendendo a mim e aos meus colegas”, como escreveu em uma carta, em 1801, pouco antes de sua morte precoce, sem completar 40 anos. As inovações foram, no entanto, apenas retardadas, uma vez que a nomenclatura de química inorgânica em língua portuguesa proposta por ele é ensinada hoje, passados 200 anos, seja em Coimbra, seja no Brasil.
O professor Filgueiras resgata essas histórias após uma longa trajetória de excelência acadêmica, que combina formação em Engenharia Química, com doutorado em química pela Universidade de Maryland, nos Estados Unidos, e pós-doutorado pela Universidade de Cambridge, na Inglaterra. Ele atuou por 30 anos como docente da Universidade Federal de Minas Gerais, transferindo-se para a Universidade Federal do Rio de Janeiro entre 1997 e 2010, tendo retornado para a instituição mineira logo em seguida. Ele trabalha em diversas áreas “duras” da Química, e ampliou sua atuação para História da Ciência recentemente, sendo seu livro “Origens da Química no Brasil” um bom indicador nesse sentido.
O congresso abordará o passado, mas também o futuro, com outra conferência de destaque, proferida pelo professor Silvio Meira, da Universidade Federal de Pernambuco, que abordará “A sala de aula do futuro”. Ele nos promete outro momento ímpar no congresso, agora projetando o olhar para adiante, falando das possibilidades da tecnologia para a escola e para os processos de ensino-aprendizagem. Sua experiência na área é extraordinária, tendo se formado em Engenharia Eletrônica no ITA, com mestrado e doutorado na área, este obtido na Inglaterra, em 1985. Ele orientou quase 150 teses de mestrado e doutorado, e publicou mais de trezentos artigos científicos, além de destacada atuação na área das tecnologias digitais. Portanto, é grande a expectativa sobre o que ele nos trará com esse enorme cabedal de conhecimento, aliada à sua conhecida facilidade de comunicação com o público.
O 5º. CONPE ainda contará com um variado cardápio de mesas-redondas e minicursos, além da apresentação de trabalhos, em forma oral e em pôsteres. A programação merece ser analisada com atenção, pois certamente todo professor de Física e Química poderá encontrar contribuições para o debate e aperfeiçoamento de suas práticas.