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Cultura

Notícias do Oriente Médio

By 17/03/2016No Comments

Elisa Marconi e Francisco Bicudo

Crédito da imagem: reprodução ACNUR/ONU

No final de agosto de 2015, como já manda a tradição, o Sinpro-SP reuniu uma seleto time de educadores e pesquisadores no 4º Congresso de Pesquisa e Ensino, o Conpe, que nessa edição abriu espaço para conversas, debates e reflexões sobre diferentes assuntos relacionados às Ciências Humanas, da globalização às correntes migratórias, passando por disputas religiosas, ideologias, meio ambiente, cultura digital e hábitos de leitura dos brasileiros. Ao reconhecer que é “ao professor que cabe a responsabilidade pelos rumos da atividade que desenvolve”, o objetivo principal do evento foi oferecer ao docente mais um momento privilegiado de qualificação e de interação com os colegas, vislumbrando “a formação integral e cidadã, não apenas em sua dimensão técnica, mas também filosófica”.

Na ocasião, uma das mesas mais concorridas foi a que aconteceu no sábado, dia 22, pela manhã, e reuniu Reginaldo Nasser, professor de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), e o jornalista José Arbex, também da PUC/SP, área de Comunicação. Em pauta, o complexo tabuleiro de xadrez do Oriente Médio, com atenções especiais voltadas para as origens, ascensão e consolidação do Estado Islâmico como ator político protagonista na região. Seis meses depois, o grupo terrorista islâmico permanece no topo da agenda de preocupações da comunidade internacional, espalhando medo e intolerância, desafiando as autoridades mundiais, incluindo a Organização das Nações Unidas (ONU), e sendo responsável direto pelos milhares de refugiados que desembarcam diariamente em países do sul da Europa, como Grécia e Turquia, que servem como porta de entrada para o continente.

Agora no final de fevereiro de 2016, novamente entrevistado pela revista Giz e convidado a resgatar e atualizar o debate, Nasser afirma que “a ebulição continua, alguns aspectos mudaram, se aprofundaram e estão gerando problemas reais e novos”. Ele refere-se mais especificamente e com preocupação redobrada aos refugiados, que estão mudando o cenário do velho mundo. “Em geral, chegam ali expulsos pela violência, pela fome, por perseguições políticas e religiosas e por medo das guerras que acontecem no Oriente Médio”, adianta. “Em agosto, a situação já era bem grave, mas no decorrer do ano, as coisas foram piorando, o fluxo de imigrantes e refugiados aumentou bem. O mundo inteiro está vendo as imagens dos campos de refugiados, dos acampamentos sem nenhuma condição de garantir mínima dignidade humana”, explica.

Apenas da Síria, lembra o pesquisador, saíram 250 mil refugiados e mais incontáveis deslocados internos mudaram de endereço. “Eles não transitam por ambição, mas para sobreviver e isso dá a dimensão da violência que estão enfrentando naquele país”. Segundo ele, a intensidade da guerra na Síria não piorou. Nos últimos meses, lembra, o governo sírio aliou-se à Rússia, e os bombardeios aéreos aumentaram um pouco, mas o perfil da guerra civil permanece, de forma geral, muito parecido. Mesmo com esse recuo, sob o fogo que vem dos céus nos aviões do governo e dos aliados, a população civil foge. Na fronteira da Turquia vivem atualmente cerca de 20 mil sírios que abandonaram suas casas. “E é aqui que o cenário se agrava. A Turquia, assim como outras nações, não está deixando os refugiados atravessarem. Vários países não deixam mais os estrangeiros entrarem. Isso piorou muito nos últimos meses”, lamenta o professor de Relações Internacionais.

Ele cita também como exemplo preocupante a Hungria, que está promovendo um referendo popular para decidir se autoriza ou não a entrada de refugiados oriundos do Oriente Médio, E o governo local, alerta Nasser, está fazendo oficialmente propaganda pelo “não”. Para além desse drama que transforma milhares de cidadãos em párias, o pesquisador chama a atenção para outra questão gravíssima que está emergindo e ganhando força: o nacionalismo xenófobo. “Na Hungria, a pergunta que o governo faz na propaganda anti-refugiados é ‘vamos fazer valer a lei europeia ou a nossa lei, a lei nacional’? Ou seja, está se abrindo espaço para aquela situação que todos conhecemos bem e que coloca conquistas mundiais em risco”.

Nasser não nega que esse êxodo seja também impulsionado pelo governo da Síria que, apesar de debilitado, ainda tem forças e recursos para bombardear cidades controladas por grupos considerados inimigos. No entanto, alerta o pesquisador, o Estado Islâmico, grupo fundamentalista que defende a supremacia da sharia, a lei islâmica, e que persegue de forma implacável e intolerante todos os que são considerados ‘infiéis’ é ator fundamental para compreender a atual crise de refugiados na região. “O ISIS, como é conhecido na sigla em inglês, conheceu rápida ascensão e logo dominou vários territórios e a eles impôs sua cartilha. É estranho que, passados dois anos desde que surgiram com força, não se tenha conseguido detê-los ou eliminá-los. É importante olhar para isso”, sugere o professor da PUC/SP.

Calcula-se que atualmente cerca de 6 milhões de pessoas vivam sob a batuta de um governo do Estado Islâmico. Trata-se de um número significativo de pessoas que pagam impostos e reportam as mais diferentes questões a militantes de um Estado que, de fato, não existe.  O grupo ainda controla minas, jazidas de petróleo e uma boa fatia das economias síria e iraquiana. “Esse é outro segredo, controle da economia. Os militantes do Isis compram e vendem petróleo no mercado negro, fazem tráfico de armas e administram muitos recursos em espécie. Os 30 mil militantes, inclusive, são pagos. Não trabalham por amor à causa. Para tudo isso é preciso uma receita importante”, esclarece.

Ao buscar as origens, Nasser lembra que o Estado Islâmico é um desdobramento de outro grupo de radicais, a bem conhecida Al Qaeda, que até o final dos anos 1990/início de 2000 dominava vários vilarejos e cidades de toda aquela região médio-oriental. Como esse grupo foi sendo gradativamente perseguido, cercado e desmobilizado, sobretudo por conta das ações estadunidenses após os atentados de 11 de setembro de 2001, que incluíram até mesmo o desrespeito às fronteiras paquistanesas para capturar Osama Bin Laden, numa ação militar até hoje controversa e contestada, o Estado Islâmico encontrou espaço livre para implantar sua doutrina. “É um modo de atuação muito mais violento e impositivo: eles matam mesmo, sem perdão. Eles perseguem todos os que consideram infiéis, inclusive outros muçulmanos. Da mesma forma, usam a mídia com muito mais eficiência, seja para convocar novos militantes, seja para expor seus princípios. Foi assim que três mil europeus abandonaram seus lares e passaram a cerrar fileiras com o Isis”, explica.

E qual é o ponto da sedução, o que, no discurso do Estado Islâmico, convence as pessoas e atrai novos militantes? No Congresso de Pesquisa e Educação, em agosto último, Nasser já havia destacado que o Estado Islâmico é fruto do descaso em relação aos sunitas do Iraque, a partir de 2007, em mais uma ação internacional desastrada dos Estados Unidos. “Jogados de um lado para outro, sem representatividade e sem força nenhuma, os sunitas se organizam no Isis e passam a buscar um mundo sem nacionalismos, ou uma volta a um tempo em que não havia países, mas sim um grande território, com povos diversos regidos pelo Islã, como era antes da Primeira Guerra Mundial”, analisa.

Numa provocação assumida, Nasser diz que talvez o Estado Islâmico hoje ocupe o lugar triunfante de inimigo que convém, o inimigo perfeito: todos são contra, mas ninguém o vence. “O EI não é invencível. Acontece que quem está lutando com ele ainda não fechou os dutos que garantem a sobrevivência do grupo: petróleo, tráfico de armas, impostos, controle do comércio local”, conclui.

 

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