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Destaque

Um livro, muitos donos

By 19/08/2015No Comments

Elisa Marconi e Francisco Bicudo

width=O post foi publicado no início da tarde do domingo, 02 de agosto, no facebook, na página A menina que doa livros. Dizia assim: “Hoje muitas pessoas apareceram por aqui, foi muito legal. Muita gente trouxe mais livros e muitos livros ganharam novos leitores. Obrigada a todos”. Vinha seguido por aqueles já tradicionais e conhecidos três rostinhos amarelos sorridentes e com olhar apaixonado (os emojis, bastante difundidos nas redes sociais). A mensagem, em tom alegre e de comemoração, confirmava que a tarefa literária – mais uma vez – tinha sido cumprida com sucesso. Administrada pelo fotógrafo Paulo Pampolim, A menina que doa livros já tem 3200 seguidores. Não é um número exorbitante, principalmente se for comparado com páginas mantidas por celebridades, por exemplo, mas é extraordinário quando se considera a natureza do projeto.  O espaço foi especialmente criado, com muito carinho, para dar visibilidade à ideia e aos feitos de Giovanna Zambaldi Pampolin, 9 anos, filha do Paulo e leitora ávida. A proposta é simples e encantadora: em alguns domingos por mês, aproveitando que o Elevado Costa e Silva, o famoso Minhocão, fica fechado para carros, a estudante e seu pai esparramam ali, na rua mesmo, alguns livros. Com uma cartolina escrita à mão, avisam que aqueles volumes estão ali para quem deles quiser desfrutar. É assim que a confraternização das letras começa.

Giovanna conta, com a tranquilidade de quem está fazendo algo bastante natural, que gosta muito de ler e que tem alguns livros de estimação, mas que fica feliz por poder passar outros para quem por eles se interessar. Foi assim que o projeto surgiu. “Leio muito, tenho muitos livros e aí perguntei ao meu pai se não podíamos doar alguns. Ele concordou. Mas não sabia como distribuir nem quem poderia querer”, lembra. Foi Pampolin quem sugeriu o Minhocão, porque eles já eram frequentadores do lugar. “Estar num ambiente conhecido ajudou. O Elevado, quando está aberto à população, aceita todas as iniciativas. Doar livros ali fez muito sentido”, continua o pai.

A primeira experiência da dupla foi no início do ano. “Começamos com uns poucos livros e a cartolina que Giovanna escreve à mão”, lembra o fotógrafo. Conseguiram doar algumas obras. Nas semanas seguintes, a frequência de gente pegando livros começou a aumentar. Pampolin sorri quando recorda que muita gente achava que era pegadinha “ou alguma campanha de marketing. A gente tinha de convencer que, se quisesse algum título, era só pegar mesmo, não precisava fazer nada, pagar nada, dar nenhum dado”. E Giovanna se diverte explicando que eles descobriram que a empreitada era mais eficiente quando eles levavam Eros, o cão da família. “O pessoal vem ver Eros e acaba pegando algum livro”. Claro que o mascote passou a participar com maior frequência das doações. A iniciativa mais recente – e que de fato resultou num salto razoável de procura – foi a criação da página A menina que doa livros. A ideia foi da jornalista Patrícia Brito Teixeira, esposa de Paulo e apoiadora do projeto. “Ela foi um domingo com a gente e percebeu que era preciso promover um ponto de encontro virtual para o projeto, que estava começando a ganhar corpo”, diz o fotógrafo. O nome faz alusão ao livro A menina que roubava livros, best seller do escritor australiano Markus Zusak. A associação é um dos chamarizes para seguidores na página.

Pampolin admite que eles não imaginavam que o perfil chegaria tão rapidamente a essa quantidade de seguidores. “A gente não esperava. O Facebook serviu para ajudar a espalhar a ideia. Começou a aparecer gente curtindo. As entrevistas e outras conversas também vieram daí”, explica. Mas, afinal, por que Giovanna decidiu doar seus livros? “Porque ela cresceu cercada por eles. Brinquedo e outros presentes, ela sabe que só ganha em aniversário, Natal e Dia das Crianças. Mas livro, ela pode pedir quantos quiser, sempre que quiser”, explica o pai. Assim, na mesma proporção em que a biblioteca mirim crescia, a parceria da menina com os livros também crescia. E, ao mesmo tempo em que era estimulada a cultivar uma amizade especial com a literatura, Giovanna foi educada a não acumular o que não usa mais. Somando aquilo com isso, a garota percebeu que estava sobrando algo no resultado final das contas.

“Se eu já li, alguém pode querer ler também, não é?”, pergunta. E a resposta, tendo em vista o crescimento das retiradas de livros e de doações de novos, nos domingos no Minhocão, é sim, evidentemente. Mas existem algumas obras que a estudante de 9 anos não quer passar para frente. “Tem alguns que líamos juntos desde que ela era muito pequenininha, tem a coleção do Diário de um banana, que ela adora, e tem as histórias de assombração, que ela sempre gostou. São os preferidos”, lista Pampolin.

Agora, a cada semana, os livros expostos na mureta central do elevado Costa e Silva se multiplicam. Se, no início, eles vinham só da biblioteca de Giovanna, logo os livros dos adultos da família também começaram a pintar por ali. Um pouco mais adiante, quando a menina e seu pai já eram figuras conhecidas e esperadas no Minhocão, os frequentadores começaram a deixar seus livros já lidos ali. “Não muitos ainda, mas tem aumentado”, diz o fotógrafo. No domingo, dia 2, a página do Facebook publicou a foto de uma doadora e agradeceu a ajuda dela. Os livros que sobram voltam para casa com a dupla de leitores-doadores, para, num outro final de semana, voltarem a ser oferecidos.

A garota reforça: o sonho é mesmo compartilhar os livros. Cada vez mais. O pai concorda: “Não temos nenhuma outra pretensão que não dar livros a quem quiser ler. O único pedido que fazemos é que a pessoa, depois de ler, passe para frente, para que o livro não fique parado numa estante”. Mas, mesmo que esse não seja o objetivo, Giovanna virou inspiração. Algumas escolas, além de representantes de outras entidades ligadas à leitura, já chamaram a estudante para dar palestras, ou ensinar a implantar projetos similares. O pai não acha que esse seja o melhor caminho. Não se furta a nenhuma conversa ou entrevista, mas sugere outra abordagem. “Quem gostou, pode fazer igual. As escolas podem fazer isso, colocar os livros ao alcance da mão das pessoas. Gostou? É seu, leva para casa para ler”.

O encanto da iniciativa não vem apenas com a idade da idealizadora, embora isso torne A menina que doa livros algo ainda mais simpático, mas acontece principalmente por conta da natureza da ação: livros precisam ser lidos, desfrutados, manuseados, degustados. Não podem ficar esquecidos em prateleiras empoeiradas. Devem estar ao alcance de pessoas sedentas por boas histórias.

 

 

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