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Destaque

Arqueologia de nascentes

By 24/04/2015No Comments
Elisa Marconi e Francisco Bicudo

No último Dia Mundial da Água (22/3), cerca de 500 pessoas se reuniram numa praça verde e bem cuidada do Alto de Pinheiros, bairro nobre da zona oeste de São Paulo. Um farto café da manhã comunitário dava as boas vindas, mas não era o motivo principal do encontro. Aquelas crianças, adolescentes e adultos – moradores do bairro, estudantes ou professores de escolas da região e simpatizantes em geral – juntaram-se ali para seguir Adriano Sampaio, ativista ambiental que vem ficando conhecido por seu trabalho de caçador de nascentes. Naquele domingo de sol, o grupo de paulistanos, alguns mais outros menos militantes das causas do meio ambiente, estava indo descobrir uma verdade difícil de acreditar em tempos de racionamento camuflado: existe água em SP.

Sampaio, aliás, comanda justamente um coletivo com esse nome, Existe Água em SP. Sua página no Facebook já reúne pouco mais de 6 mil seguidores. Gente que se encanta com o fato de que, por baixo de tanto asfalto, há muitos rios e córregos cortando a megalópole, alguns canalizados, outros não. Há aqueles que se mantêm quietos nos seus cursos, já outros, mais rebeldes, se espalham e teimam em brotar, de forma que, aprendendo a identificar, qualquer um pode reconhecer um olho d’água.

Exploração arqueológica

“Nosso trabalho é caminhar de quinze a vinte quilômetros, buscar essas nascentes e marcar, porque elas não estão em nenhum mapa, ninguém tinha feito isso ainda”, conta o ativista ambiental. No entanto, o trabalho mesmo começa antes e tem um jeitão de exploração arqueológica. Sampaio recorre a mapas da São Paulo antiga, que indicam a presença de cursos d’água e o relevo original da cidade. “São mapas de 1915, 1916, antes de começar a urbanização, ou de 1930, ou 1940, quando a cidade começou a crescer. Nessas imagens constam o relevo e os percursos da água”, explica.
A etapa seguinte é viajar do passado para o futuro. Sampaio sobrepõe os mapas com imagens feitas pelo Google Earth que, através de geoposicionamento e fotos em alta resolução, mostram a cidade hoje, com suas ruas, edifícios e outras construções.

O resultado? “É que a gente consegue saber exatamente onde estão as nascentes no espaço urbano hoje”, completa. O relevo ajuda muito a dar as pistas da água também. Em geral, os olhos d’água aparecem no pé dos morros, perto dos baixios.

Mapa de 1930 do percurso original dos rios utilizado pelo projeto “Existe Água em SP”

E, com sorte, o desenho do solo está camuflado, mas não de todo escondido, modificado. As ladeiras e vales, mesmo sob asfalto e concreto, guardam similaridades com a paisagem natural anterior ao surgimento da cidade. Sampaio, por exemplo, identifica os pés do morro sem recorrer aos mapas e pode apontar onde estariam as nascentes sem muito esforço. “A maior parte delas está canalizada, com rua passando em cima, ou com casa construída em cima. A gente sabe que elas estão ali, mas não temos evidências”, conta. Mas algumas minas d’água insistem em ser vistas e simplesmente brotam do chão, umedecendo as calçadas, pingando em caninhos de muros, ou escorrendo paralelamente às guias. Pode parecer pouca coisa, mas reconhecer que essa água improvável é, na verdade, uma nascente muda a relação do paulistano com as águas da sua cidade.

Naquele domingo, 22 de março, o grupo ia descendo as escadas íngremes da praça e, lá embaixo, no pé do morro, Sampaio indicou a primeira nascente. “Ela escorria até a sarjeta, mas a gente cavou o entorno e montamos um laguinho”, foi contando o ativista ambiental. Ao lado da mina d’água, uma plaquinha de madeira informava que ali vive uma nascente. No laguinho raso, uma dúzia de peixinhos nadava entre sossegado e atento, caçando possíveis larvas de mosquito. “É uma troca, damos o lago e a água limpa para os peixes e eles comem os ovos e as larvas que o mosquito pode colocar ali, assim não propaga a dengue”, ensina Sampaio.

Gestão da água

E essa foi apenas a primeira parada. O grupo seguiu pela rota das nascentes já identificadas e marcadas na região. A cada mina d’água encontrada, a reação dos participantes era de surpresa e alegria. À medida que os exploradores começaram a identificar sozinhos os sinais de que poderia haver uma nascente por perto, a alegria virava euforia e começava a pairar uma sensação que os militantes ambientalistas ali presentes traduzem como empoderamento. Em outras palavras, os paulistanos vão percebendo que a cidade não é tão árida assim e que tem muita água escondida em São Paulo. “Aí a gente começa a se perguntar se precisa mesmo ter rodízio, faltar água, buscar litros e litros lá do Cantareira. Existe água bem aqui”, propõe o ativista.

Além de mobilizar essa gente toda, envolver escolas, moradores da região e outros coletivos que militam pela preservação do meio ambiente na cidade, Sampaio sonha mais alto. “Quero sensibilizar as autoridades para que eles desenvolvam políticas públicas de gestão da água, que existe e está ao nosso alcance”, provoca.

Segundo ele, a cada expedição, mais gente se junta e novas conquistas são feitas para dar seguimento a esses planos. “Sempre chega alguém que pode ajudar mais, juridicamente, ou pressionando políticos e autoridade. A minha parte é continuar encontrando as nascentes, marcando e mostrando para as pessoas que Existe Água em SP”, conclui.

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