Elisa Marconi e Francisco Bicudo
A escola está enfeitada com as artes que as crianças prepararam no último mês. Os cartões com gravatinhas de papel e divertidos bigodes já estão esperando nas mãos ansiosas dos meninos e das meninas. Os jogos com bola ou de tabuleiro são interrompidos momentaneamente para que os alunos subam ao palco e apresentem para a plateia masculina sorridente o número musical que canta a história de um pai que trabalha muito, é o protetor e provedor da família e o heroi dos filhos. Depois das palmas, abraços fortes sim, com tapas nas costas. O espírito que permeia a comemoração valoriza sobretudo a força física e faz questão de destacar e de elogiar a racionalidade masculina.
A cena descrita acima, que muito provavelmente repetiu-se à exaustão em inúmeras comemorações de Dia dos Pais, em escolas públicas e privadas das mais variadas cidades do país, nos últimos 20 ou 30 anos, e que talvez ainda seja a marca de muitas dessas festas, está cada vez mais distante e descolada das rotinas e estruturas familiares contemporâneas, bem mais diversas e complexas.
Para além dos muros dos colégios, a figura do pai e os papeis sociais que ele exerce são outros, principalmente quando se considera a participação dele no dia a dia da família e na criação dos filhos. “É ainda um movimento tímido, mas já dá para perceber pais se apropriando cada vez mais da educação dos filhos, se preocupando em acompanhar de perto a vida dos pequenos e mudando, inclusive, a vida profissional para ter mais tempo e mais disposição”, avalia a psicóloga Rosely Sayão, que conversou com a reportagem da Revista Giz.
Na verdade, o pai não está mudando sozinho. Talvez seja a revolução mais notável. Mas a família toda está tomando novas formas. A relação entre os membros do clã está passando por transformações profundas – talvez tendendo a uma maior divisão dos poderes – e, a reboque, a distribuição das tarefas também já não é mesma de outros tempos. Rosely destaca que muitos pais hoje fazem questão de dar banho nos filhos, de dar o jantar – ou o café da manhã – e de levar e buscar na escola. “Alguns, com a rotina mais flexível, chegam a assumir um período inteiro em casa”, lembra a psicóloga, o que significa trazer para si a lida doméstica e os cuidados com a rotina dos filhos, para que a mulher possa trabalhar ou ter outras atividades.
“É ainda um movimento tímido, mas já dá para perceber pais se apropriando cada vez mais da educação dos filhos, se preocupando em acompanhar de perto a vida dos pequenos e mudando, inclusive, a vida profissional para ter mais tempo e mais disposição”
Na coluna que publicou no jornal Folha de S. Paulo em 12 de agosto, Rosely conta que havia lido “um artigo em uma revista dedicada ao mundo dos negócios que trouxe uma notícia bem interessante: o diretor executivo de uma empresa importante no mercado decidiu abandonar seu cargo para se aproximar mais de sua família –principalmente dos filhos– e tornar-se um pai melhor. Com filhos de nove, 12 e 14 anos, esse homem escolheu priorizar seu papel de pai. Claro que ele não abriu mão de seu trabalho: abdicou apenas do cargo que ocupava, que exigia demais dele. Ele continua a ‘trabalhar em tempo integral, mas não mais em tempo integral louco’, segundo suas próprias palavras”.
Agora, se os pais estão dispostos a mexer nas instituições tidas como imutáveis até poucos anos atrás, nem sempre os interlocutores desse novo homem são capazes de compreender essa mensagem. Entram em cena novamente as escolas. “Primeiro que não seria papel da escola comemorar dia dos pais ou dia das mães. Os colégios fazem isso muito mais para agradar a clientela do que por qualquer outra razão. Segundo que, quando fazem, exageram nos estereótipos, na falta de diversidade. As famílias são outras. Tem mãe solteira, pai solteiro, separados, casais homoparentais. Tudo mudou, menos a festa da escola”, provoca a psicóloga.
Ela pergunta, de novo instigando: se a escola quer chamar a família para comemorar, por que não fazer uma festa da família? “Assim qualquer configuração entra, há diversidade e, se naquele dia em especial, um membro não puder ir, outro compensa a ausência. Me parece muito mais atual isso”, sugere. Rosely defende ainda que há mulheres muito satisfeitas com essa nova divisão de tarefas, cuidados e responsabilidades. Mas há também uma parcela significativa delas que não vê com muitos bons olhos essa chegada masculina num terreno antes, por excelência, da mulher.
“Por tradição a mulher sempre foi a responsável pela família e ela pode achar muito difícil ceder esse espaço para o homem”, explica. E mesmo aquelas que abrem espaço para os maridos às vezes não entendem bem o que é a participação dos homens. “Elas acham que o pai está ali para fazer do jeito delas. Elas ensinam, eles fazem daquele jeitinho. Não é isso. O pai terá um jeito próprio e tão legítimo quanto de educar”, alfineta a psicóloga. O caminho para amenizar essa divergência de visões e de desejos é a mãe entender que a participação do homem é apenas diferente da dela, mas não por isso pior, ou errada.
A boa notícia, na visão de Rosely, é que ter uma dupla de pais (ou de mães, ou de pai e mãe) atuantes, presentes e comprometidos na condução da vida familiar é, certamente, o melhor cenário para os filhos dessa nova geração. “Contar com dois parâmetros, duas histórias distintas, duas famílias opostas às vezes, ajuda muito a formar um cidadão que lida bem com a diversidade. E o mundo de hoje pede que a gente saiba lidar com as diferenças”, ensina. Os pais, aparentemente, já estão trabalhando nesse dever de casa.