Por Francisco Bicudo, de Paraty
As vozes das ruas também se fizeram presentes – e foram debatidas – na Festa Literária Internacional de Paraty. Na noite de quinta-feira, na Tenda dos Autores, entre aplausos e gritos de “fora, Cabral!”, puderam ser ouvidas quatro narrativas sobre os protestos que tomam conta do país. Em comum, o tom otimista, a percepção de que vivemos momento político privilegiado e a convicção de que o Brasil que sairá das manifestações será bem melhor do que aquele que temos hoje.
Pablo Capilé, coordenador da Rede Fora do Eixo e da Mídia Ninja (Narrativas Independentes, Jornalismo e Ação)
“Hoje, só consegue entender o que está acontecendo nas ruas quem está no mesmo lugar onde as manifestações acontecem, onde estão os desejos dessa geração. Há uma sinergia, é algo orgânico. Se não está dentro, não entende a dimensão dos atos, dos protestos. Há uma evidente crise dos intermediários, o jornalismo feito por empresas como Globo, Folha e Veja caducou. Não estão entendendo nada, estão perdidos. Não é nem mais a tentativa de impor agenda conservadora, mas a reação a um fim que é inevitável. Há quinze anos, algo parecido aconteceu com a música, quando rompeu-se a centralidade da distribuição das gravadoras. Esse dilema agora impacta a imprensa, que estava acostumada a controlar, a ser filtro e é pega de calças curtas. A partir da experiência que tivemos aqui no Brasil, acabamos de mandar um repórter para passar vinte dias no Egito, financiado por colaboradores. É o novo que se impõe. O governo Lula teve a competência para tirar 40 milhões de pessoas da miséria, mas criou novas expectativas e levantou novas perguntas. Há muitas micro indignações nas ruas, que estão se somando. O Brasil pode ser vanguarda nessa crise civilizatória, na crise do capital e vetor de um novo mundo possível. Nessa hora, ficar em cima do muro não é opção. Não dá para ter medo”.
Marcus Vinicius Faustini, escritor, diretor teatral e criador da Agência Redes para a Juventude
“Estamos filmando uma história de amor que nasce nas passeatas. É ficção, usamos atores que encenam pessoas que não são militantes e que se conhecem nas ruas. Queremos discutir como se constrói essa imagem das manifestações, quem narra, como narra, retratando ainda as agressões que o capital impõe ao território do Rio de Janeiro. O gigante não acordou agora. Os movimentos sociais estavam agindo, vivos, discutindo, cobrando. O que aconteceu foi uma reordenação dessa expressão, quando todo mundo se encontrou nas ruas. É algo expressivo, vem dos coletivos, das plenárias, das assembleias, das periferias. Nesse momento de disputa do país, vários setores passaram a constituir suas dicções. Por medo, todos querem controlar a multidão, categorizar, hierarquizar. Estamos atrás da nossa versão. É uma disputa interessante. A pauta é clara: queremos espaços de participação. Também não tenho medo. E é preciso dizer bem alto que a Polícia Militar não está preparada para lidar com essas demandas populares e democráticas. É fundamental acabar com essas polícias”.
Fabiano Calixto, poeta e organizador do e-book ‘Vinagre: Uma antologia de poetas neobarracos’
“A manifestação do dia 13 de junho em São Paulo, duramente reprimida pela PM, gerou uma mistura de preocupação e de solidariedade. Pensei na força que teria um grito. Não importava o poético. Conversando com amigos que estavam produzindo textos para distribuir na manifestação do dia 17, decidi viabilizar um material on-line. A iniciativa repercutiu no face, ferramenta fantástica para esse tipo de demanda, e conseguimos reunir, no final, 170 poetas. O livro foi resultado desse trabalho coletivo. É a linguagem como ferramenta política. Disputamos narrativas e ressignificamos o ‘vândalo’ midiático, que ganhou sentido de alguém que se insurge contra as coisas que incomodam. Fazer poesia já é uma forma de resistência, é algo anárquico em um país que não lê poesias. Juntamos poemas visuais, alguns que implodiam a linguagem, outros mais formais, outros bem humorados. A antologia foi esse gesto de solidariedade”.
Juan Arias, correspondente no Brasil do jornal espanhol El Pais
“Estou muito orgulhoso. O Brasil é um adolescente rebelde agora. Nos últimos dez anos, eu viajava pela Europa e por outros lugares do mundo e ouvia sempre maravilhas sobre o Brasil. Era um país tido como rico, invejado, cheio de conquistas, que não tinha mais pobres, onde hospitais e escolas funcionavam perfeitamente. Pensava comigo mesmo: é verdade, o país cresceu, está melhor. Mas faltava muita coisa. E a sociedade estava morta. Em 2011, escrevi um artigo que questionava quando esse Brasil que juntava milhões em passeatas do orgulho gay e das marchas de Jesus iria também protestar contra tantas coisas que estavam ausentes. E aconteceu. Na Espanha, os protestos são contra direitos que eles estão perdendo. No Brasil, as pessoas se manifestam e tomam as ruas por coisas que ainda não têm. É diferente. A sociedade resgatou sua voz e está fazendo perguntas aos poderes. E a História se faz perguntando, não obedecendo. O Brasil já perguntou. A responsabilidade agora é dos que estão no poder. E não vai adiantar tentar enganar e criar respostas para questões que não nasceram nas ruas”.