Skip to main content
Destaque

A VIRADA DO CLIMA

By 27/11/2015No Comments

Conferência  deve, finalmente, formalizar metas estabelecidas pelos países para a redução das emissões de carbono

Elisa Marconi e Francisco Bicudo

No dia 29 de novembro começa, em Paris, França, a 21ª Conferência do Clima, a muito aguardada COP 21. A ansiedade é justificada. Depois de exaustivas rodadas de negociação realizadas desde o fracasso de Copenhagen, na Dinamarca, em 2009, a chamada reunião do clima finalmente parece apresentar as condições prévias suficientes para que um grande acordo entre os países envolvidos seja anunciado, com metas factíveis para diminuir a emissão de gases de efeito estufa e, assim, minimizar os efeitos do aquecimento global.  A comunidade científica internacional tem consciência de que a ampliação média anual das temperaturas no planeta é inevitável. Diante dessa constatação, a proposta que pode estar perto de se concretizar sugere criar condições reais para limitar esse aumento em 2 graus centígrados, até 2100.

“As expectativas para a COP 21 são grandes e situam-se em várias frentes”, anima-se o climatologista José Marengo, do Centro Nacional de Monitoramento e Alerta aos Desastres Naturais, o CEMADEN. Marengo, um dos cientistas mais respeitados na área de clima no Brasil, é membro do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, o IPCC, e vem participando das várias COPs desde 1992, no Rio de Janeiro. Ele explica que, ao contrário do que as pessoas imaginam, a Conferência não é apenas um evento científico, embora os cientistas também participem dela, “mas para apoiar os tomadores de decisão”. O pesquisador reforça: as COPs são instâncias de negociação que envolvem diferentes atores internacionais. “E as expectativas são elevadas para esse ano justamente porque as autoridades estarão ali e, pela primeira vez, os participantes estão muito perto de chegar a metas factíveis, possíveis de serem implantadas”, comemora o climatologista. Depois de duas décadas de cabos de guerra sucessivos, muitos estudos, imposições de dificuldades por parte de empresas de setores estratégicos, países que não conseguiam se afinar, “posso dizer que estou otimista”, garante.

Considerando a Conferência do Clima a partir dos propósitos do Brasil, a indicação é de tempo bom. O país vem se preparando há anos para esse momento, produz pesquisa de qualidade em meteorologia e climatologia, com modelos muito bem aceitos pela comunidade científica mundial, é – por isso mesmo – uma das nações mais levadas a sério pelas outras nações envolvidas e, principalmente, já divulgou as metas que pretende defender e alcançar nos próximos anos. “A presidente Dilma anunciou na ONU, em setembro, o que o Brasil vai buscar alcançar. São metas ambiciosas, mas perfeitamente cumpríveis”, explica Marengo. Entre as propostas brasileiras estão reduzir, entre 2005 e 2025, emissões de gases causadores do efeito estufa em 37%; acabar com o desmatamento ilegal; restaurar 12 milhões de hectares de florestas; garantir 45% de fontes renováveis no total da matriz energética; e ampliar para 23% a participação de fontes renováveis (eólica, solar e biomassa) na geração de energia elétrica.

Apesar de considerarem os números razoáveis, organizações não-governamentais que atuam na área cobram mais fiscalização em relação ao desmatamento e ao reflorestamento. O climatologista do CEMADEN concorda: “A presidente falou em desmatamento ilegal. Como cientista, eu preferia que ela falasse de desmatamento como um todo, porque para a natureza não tem diferença. O ideal seria o desmatamento zero, mas isso teria um impacto econômico e social gravíssimo, então a meta é reduzir o máximo possível”. Manter as árvores existentes e plantar novas ajuda muito a descarbonizar o planeta. É um processo longo, mas precisa começar a ser feito, defende Marengo.

Como se pode suspeitar, esse processo de descarbonização vai encontrar adversários. Aqui no Brasil, grandes empresas, representantes do agronegócio e céticos em relação ao aquecimento global configuram o time opositor. No entanto, até em relação a isso, Marengo está esperançoso. Ao referir-se aos pesquisadores descrentes da elevação das temperaturas do planeta em virtude das ações humanas e da emissão desenfreada de carbono, o climatologista lembra que “eles insistiam que não tinha aquecimento, mas as evidências vão mostrando que há. E o que tivemos recentemente? A divulgação de que 2015 já é o ano mais quente da série histórica”. Para ele, as teorias de que o aquecimento global seria um embuste a cada dia perdem força. Menos e menos cientistas defendem essa tese, porque as evidências são muito claras, de acordo com o pesquisador do CIMADEN.

Sobre os agricultores e os empresários de setores estratégicos, até eles estão se convencendo, acredita Marengo. “Há alguns dias eu estava justamente conversando com empresários do setor de seguros. Eles estão com muito receio dos impactos no setor, de como os fenômenos da natureza podem prejudicar a venda e a aplicação dos seguros”, lembra, já completando: “os empresários estão sendo forçados a virar ambientalistas, porque já entenderam que disso depende o futuro dos negócios deles. As forças estão se movimentando”, propõe.

O adversário mais resistente, no entanto, reconhece Marengo, estava fora do país. O bloco constituído por Estados Unidos, China e Austrália colocava-se historicamente contra qualquer mudança nas economias para mitigar os efeitos nefastos do aquecimento global. “E a decisão precisa ser unânime. Basta um país, como a China, não se comprometer, que toda a proposta dará errado. O planeta Terra é um só, se uma parte não atua afinada com as outras, o prejuízo é geral”, define Marengo. Depois de muitos anos impedindo o avanço das políticas globais de descarbonização, no entanto, a China vem dando sinais de que vai aderir ao acordo. Os Estados Unidos também vêm sinalizando claramente que apoiam as metas que serão negociadas em Paris. “O presidente Obama tem discursado sobre isso, a última reunião da ONU mostrou exatamente essa disposição norte-americana em negociar”, lembra o climatologista. E a Austrália, embora menos poderosa no cenário mundial, que fazia coro com as duas superpotências e reforçava o travamento das negociações, recebeu um empurrãozinho justamente do clima e começou a rever suas posições. “Foi um ano extraordinariamente seco na Austrália, teve uma série de incêndios e o clima ficou mesmo ruim. Estão sentindo na pele os efeitos da mudança do clima, por isso devem mudar de posição”.

Na opinião de Marengo, o Brasil chegará bem preparado à COP 21, em Paris, porque vem realizando reuniões prévias bem sucedidas e, principalmente, porque defende uma linha respeitada entre os países participantes. “É verdade que o país está alinhado com os BRICS, Índia, África do Sul, que são países mais similares à nossa realidade. Mas estamos também próximos à União Europeia, um bloco muito forte e fechado no sentido de aplicar as mudanças necessárias. Por isso tudo, devemos sair de lá com boas notícias”, finaliza.

Comentários