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Trabalho

Levanta a mão quem quer ser professor

Elisa Marconi e Francisco Bicudo*

Se o pedido grafado no título dessa reportagem tivesse sido feito na fila da matrícula dos alunos recém-ingressados nos cursos de Licenciatura em Física ou Matemática da Universidade de São Paulo, a reação surpreenderia. Apenas 50% dos universitários ergueriam os braços. A outra metade dos ingressantes nos cursos de formação de professores não quer ou tem dúvidas se deseja trabalhar diretamente com alunos, nas salas de aula, sugerindo problemas e resolvendo equações no quadro-negro. O resultado – pouco desejado – foi uma das conclusões da dissertação de mestrado da pedagoga Luciana França Leme, realizada na Faculdade de Educação da USP.

Luciana conta que a ideia de estudar a atração exercida pela carreira docente começou a se desenhar ainda durante a graduação. A proposta era nova, mas potencialmente importante, porque tangenciava questões bastante importantes ligadas à ideia de professor, à carreira dos educadores e ao prestígio social dos docentes. Durante a formação em Pedagogia, lá mesmo na Faculdade de Educação da USP, a pesquisadora se deparou com dados sobre a quantidade insuficiente de professores em determinadas áreas do conhecimento.

“Eram dados reais mesmo, baseados em pesquisa, não eram uma suposição. E a pergunta que acompanhava a leitura dessas informações era: por quê?”, lembra.

A Fundação Victor Civita, por exemplo, divulgou os resultados de um levantamento chamado “Atratividade da Carreira Docente”, que revelava que apenas 2% dos 1500 jovens entrevistados gostariam de ser professores no futuro. Simultaneamente, outro documento chegou às mãos de Luciana, o relatório da Câmara de Educação Básica de 2007, que apontava a falta de 245mil professores de matemática, física e química no Brasil todo.

Na origem das preocupações da autora, outro tema que ela considerava quente: as avaliações externas, que vinham ganhando força e servindo como base para mudanças nos sistemas de ensino, nas aulas e até no valor atribuído a uma instituição de ensino. “Brincam dizendo que lá na Faculdade de Educação somos contrários às avaliações externas. Não é verdade, elas são muito importantes. Apenas chamamos a atenção para alguns usos que são feitos dessas informações”, argumenta Luciana. Por exemplo? “A ponte direta que se faz entre o bom desempenho do aluno no exame e a qualidade do professor”, opina.

Segundo a pedagoga, figurar nas posições mais altas dos rankings passou a ser sinônimo de educação de qualidade e, portanto, a meta deixa de ser educar e se volta para a conquista de bons resultados. Marketing institucional, no limite. Na busca por essas posições mais elevadas, as escolas se deparam com aquele dilema já bem conhecido: como fazer o desempenho do estudante melhorar nas avaliações? E a resposta muitas vezes recai sobre alterar alguma coisa na maneira como o professor ensina, no conteúdo que ele aborda, no poder de atração do docente sobre o discente, etc…

“O problema é que não dá para ter 100% de certeza do que influencia o resultado do aluno. Pode sim ser o professor, pode ser a escola como um todo, pode ser a condição socioeconômica. Então por que a relação bom desempenho – trabalho do professor é tão automática?”, indaga. Antes que a pergunta cause má impressão, Luciana se apressa em explicar que essa é uma reflexão necessária e que, em hipótese alguma, exime o professor de responsabilidade, ou minimiza o compromisso que o educador deve ter com seus alunos e com o ensino dos conteúdos e práticas pertinentes à disciplina que ministra. Mas ele não pode ser visto como figura isolada de um contexto.

Na mesma linha, pesquisas realizadas recentemente nos Estados Unidos sugerem que a maior parte dos professores tem origem nas camadas socioeconômicas menos favorecidas e que, na vida escolar, tiveram um desempenho fraco. A conclusão mais óbvia para esse raciocínio, de acordo com a pesquisadora, é atribuir o ensino de má qualidade à formação global deficiente do docente. E, mais adiante, propor por consequência que só possam ser professores aqueles que tenham tido sucesso na trajetória estudantil.

“Discuto e desconstruo completamente essa ideia. Defendo na minha dissertação de mestrado que deve ser professor quem tem vontade de ser professor, quem tem isso como meta, como sonho. Independentemente do resultado escolar ou da origem mais pobre”. O segredo é conseguir motivar mais estudantes a seguir esses passos. E, para isso, a primeira providência era descobrir o que afasta os universitários da vontade de ser professor.

“Elaboramos uma pesquisa com questões de múltipla escolha e abertas e distribuímos entre quatro grupos da USP: ingressantes de Pedagogia, de licenciatura em Matemática, licenciatura em Física e para um grupo-controle formado por ingressantes de Medicina”, conta Luciana. Os conjuntos não foram escolhidos ao acaso. Os futuros pedagogos certamente abarcariam a docência do Ensino Fundamental e Infantil. Os futuros professores de Matemática e Física representam justamente os profissionais que estão em falta no país. Já o grupo dos futuros médicos foi importante para dar base de comparação. Como eles fazem pontos suficientes para ingressar em qualquer outra carreira da Universidade de São Paulo, servem como parâmetro para os outros pesquisados.

Quem frequenta a Cidade Universitária, no Butantã, zona oeste da capital paulista, sabe como fica o lugar em dia de matrícula dos calouros. E foi nesse clima entre festivo e apreensivo que Luciana e alguns colegas solidários correram entre as unidades do campus para entregar os mais de 500 questionários que versavam sobre a vontade dos ingressantes de seguirem ou não (e os motivos) a carreira acadêmica. A surpresa começou já na entrega do documento.

“Entre os ingressantes na Física-licenciatura, fui eu quem distribuiu pessoalmente os questionários e um dos meninos olhou para mim e disse que não queria ser professor. Quando eu disse que o curso de licenciatura era para formar professores de Física, ele ficou passado, não sabia e me perguntou se eu tinha certeza mesmo daquilo que estava dizendo”, lembra a pesquisadora. A compilação dos dados confirmou a confusão dos ingressantes.

A primeira grande conclusão a que Luciana chegou é que os dados obtidos dentro da USP se equiparam ao que se encontra no Brasil todo, por exemplo, em pesquisas promovidas pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep): quem escolhe fazer licenciatura são os alunos que vêm de situações socioeconômicas mais desvantajosas e apontam como impedimentos ou fatores desmotivadores um conjunto muito uniforme de problemas. O salário? Na verdade é uma trama complexa, mas o salário desponta como uma das questões. Os alunos sabem que, se escolherem ser educadores, certamente ganharão menos que em outras áreas que exigem a mesma quantidade de estudo e empenho.

Dos alunos de Pedagogia e licenciaturas, como já foi dito no início dessa matéria, 50% não queria ou não tinha muita certeza de ser professor no futuro. Entre os estudantes de medicina, 15% confessaram já ter pensado em ser professor. “Esse foi um número que surpreendeu. Positivamente. Esses futuros médicos tiveram boa formação escolar, apoio da família e, em geral, têm origem em classes sociais mais favorecidas. De forma que não era esperado que espontaneamente 15% tivessem manifestado vontade de lecionar”, comenta a autora da pesquisa. Outro dado curioso levantado entre os ingressantes de medicina foi que a maioria do grupo dos 15% já tinha tido alguma experiência no mercado de trabalho. “Trabalhar, enfrentar algumas coisas, pode fazer um estudante ter vontade de ser professor”, comemora a pedagoga.

Luciana segue enumerando o que faz o aluno se afastar da docência. O salário mais baixo, por exemplo, afasta os homens que, por uma questão financeira real, ou por questões culturais, acham que devem ganhar bem, ganhar mais que suas mulheres. Além disso, o salário mais baixo é prova de desprestígio social, que desemboca em complicações como se sentir desvalorizado, ter de trabalhar demais para alcançar um certo nível, não ser respeitado pela comunidade em razão da profissão que exerce, etc… Tanto é assim que, mesmo entre a metade que gostaria de ser professor, se pudessem ser absolutamente livres para decidir o que fazer, poucos manteriam a opção professor.

Então, a solução para atrair novos educadores seria que o país resolvesse a questão do salário, oferecesse boas condições de trabalho, investisse pesado na valorização da carreira docente (com campanhas de esclarecimento e de criação de cultura) e na educação de qualidade.

Mas se os ingressantes não vão ao curso de licenciatura para serem professores, vão para quê? Na USP, o estudante escolhe antes de prestar o vestibular se quer seguir bacharelado – para ser físico ou matemático – ou licenciatura – para ser professor dessas áreas. A escolha, portanto, é feita sob as dúvidas comuns de qualquer adolescente, sob a pressão de ascender socialmente, sob o status de entrar na Universidade de São Paulo, ou a partir da vontade de continuar estudando aquilo que já gostava no colégio. “E licenciatura é menos concorrido que bacharelado, de forma que às vezes é a opção para o jovem estar na USP”, analisa a autora.

E entre os fatores que empurram para a docência? Luciana chegou também a algumas explicações: já ter trabalhado, como já foi dito, gostar de criança – embora gostar de trabalhar com adolescentes preocupantemente não tenha aparecido entre os alunos de licenciatura –, exercer uma função social e política diante da sua comunidade e, com mais força, ter tido uma boa experiência educacional. A pesquisadora reforça que “pelo que deu para perceber, parece que ter uma boa educação faz despertar o gosto pela educação”, conclui.

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