Elisa Marconi e Francisco Bicudo*
Pesquisa sugere caminho diferenciado para tornar ensino médio mais estimulante
O matemático José Carlos Costa lecionou essa disciplina para alunos do ensino médio durante mais de 20 anos. Nesse período, encontrou muitos estudantes que não entendiam os números, as equações, os logaritmos e tantos outros conceitos e que simplesmente diziam que não gostavam da Matemática; havia outros que até entendiam, mas não se envolviam com a matéria; e existia ainda um terceiro grupo que via nos cálculos, nas incógnitas e nos problemas desafios enigmáticos a serem solucionados. Segundo o professor, essa diversidade de expectativas e de posturas é absolutamente normal e desejável. O equívoco, diz o pesquisador, está na maneira que o país escolheu para resolver essa questão e lidar com a pluralidade. “O Brasil é o único pais em que o currículo do Ensino Médio é exatamente igual para todos os alunos. Não há nenhuma possibilidade real de flexibilização desse caminho, o que mata na origem a aventura do conhecimento que deveria ser a educação”, lamenta Costa.
Depois de tantos anos nas salas de aula de colégios públicos e particulares, o matemático – atualmente professor de Matemática na Faculdade de Engenharia Celso Daniel da Fundação Santo André – decidiu ele mesmo voltar a estudar. Fez mestrado na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FE-USP) e depois doutorado na mesma instituição. Seu objeto de estudo sempre foi o currículo escolar, sua imobilidade e possíveis soluções para esse entrave. Na pesquisa de doutoramento, chamada O currículo de Matemática no ensino médio do Brasil e a diversidade de percursos formativos, orientada por Vinício de Macedo Santos, o professor comparou os currículos do Ensino Médio do Brasil, da França, da Espanha, de Portugal, da Inglaterra e nos Estados Unidos. E chegou a algumas conclusões importantes.
A primeira e certamente a que deveria ser a motivadora das discussões e possíveis mudanças sugere que um currículo imóvel não atende às expectativas e anseios dos diferentes alunos.
“Os interesses são variados, os talentos – nessa fase – já começaram a aparecer. Não oferecer aulas aprofundadas de acordo com as preferências dos alunos é muito desmotivador”, defende Costa.
Em outras palavras, o currículo não diferenciado promove estudantes entediados ou perdidos: “O primeiro é aquele que tem muito potencial e não tem espaço para usá-lo, enquanto o segundo não consegue criar vínculos com o que vê na lousa ou ouve nas aulas”, ensina.
Essa discussão a respeito de um trajeto mais de acordo com as habilidades e competências dos estudantes não é nova. Durante a década de 1990, enquanto se debatiam as novas diretrizes curriculares, a questão veio à tona e foi alvo de muita reflexão. Segundo o pesquisador, não faltam idéias, nem soluções adaptadas para o Brasil. Na avaliação que faz, faltou o grupo que defendia o currículo flexível conseguir convencer quem estava – e está ainda – no poder de que o instrumento é não só factível como também condição necessária para colocar em prática o que o pesquisador chama de uma educação verdadeiramente de qualidade.
De acordo com Costa, os gestores da educação no país ainda acreditam que oferecer educação igual para todos é a única forma de garantir oportunidades iguais a todos. “Mas olhando o processo da educação em si, sabemos que isso não é verdade. Se o garoto tem muita aptidão para ciências, por que não aprofundar os conhecimentos dele com aulas mais avançadas apenas para os grupos que se interessam mais? Isso é dar oportunidade de educação de qualidade”, propõe o professor. E continua respondendo à própria pergunta:
“Além disso, essa educação igual para todos é mais barata, menos trabalhosa. É um professor só para 40 alunos e não quatro ou cinco, especializados, em salas diferentes, lecionando para pequenas turmas”.
O que Costa defende, portanto, é que além de certo ranço de nivelamento por parte dos gestores públicos, a questão econômica também é fator determinante para esse engessamento. “Em especial na escola particular. O Estado determina um currículo raso, mas fácil de aplicar e barato, e as escolas privadas acham ótimo, porque ganham na quantidade e não precisam investir em mais professores, mais salas de aula, espaços diferenciados”, provoca.
Entre os países estudados no trabalho desenvolvido por Costa, apenas nos Estados Unidos e na Inglaterra o Estado não interfere diretamente no currículo e nos conteúdos das disciplinas. Nos outros todos, inclusive no Brasil, é o Estado quem cumpre esse papel. A diferença é que, por aqui, a determinação é por uma grade inflexível e igualitária para todos os estudantes, independentemente das diferenças regionais e das singularidades dos alunos. E, nos sistemas em que as características do ensino são pautadas por gestores púbicos (sindicatos e associações de classe, por exemplo) e difundidas pelo país, caso os administradores passem a entender educação de outra maneira, o currículo pode, claro, ser diferente. Costa ressalta, por exemplo, em um possível novo modelo, nenhum aluno deixaria de ter aulas de língua portuguesa, matemática ou história.
“Na França, por exemplo, há uma carga mínima a ser cumprida. No equivalente ao primeiro ano daqui, 70% das disciplinas são obrigatórias. À medida que os anos avançam, o aluno vai tendo mais autonomia de escolher o que gostaria de estudar, mas o básico está presente em todos os caminhos”, explica.
O professor da Fundação Santo André é bem crítico em relação às consequências desse sistema. “A perda de alunos ao longo do caminho é enorme. Muitos desistem, repetem sucessivamente, abandonam os estudos. E os que ficam são mal formados, não escrevem, não leem e não fazem as contas elementares”, alerta. Trazer características da universidade para o Ensino Médio seria uma tentativa de manter o aluno interessado, descobrindo, e aprofundando sua curiosidade, e tudo isso poderia garantir um aprendizado de boa qualidade.
A segunda dinâmica que precisaria ser alterada para se chegar a um currículo mais flexível seria a relativização da ideia consagrada que diz que colégio bom é o que aprova mais alunos no vestibular. Atualmente, o que se vê, segundo Costa, são disciplinas e conteúdos muito voltados para os processos seletivos. “Novamente nesse ponto, as escolas particulares se destacam. Os rankings, os anúncios na mídia e tudo mais conspira para essa percepção, que não é a única possível”.
Nos países com quem o Brasil pareia, ou procura se parear, a razão de ser da educação secundária não é o vestibular, é a aprendizagem. “Não precisamos ir longe. Na Argentina e no Chile, por exemplo, o currículo é diversificado”, conta.
Nesses países, lembra o pesquisador, há clubes de física, química, matemática, rodas de literatura, laboratórios de história e geografia. Mas, para isso, o colégio precisa entender a educação de outra maneira.
Por fim, a terceira chave é a formação do professor. Nas palavras de Costa, os educadores, no mais das vezes, são formados por faculdades de qualidade questionável, e aqueles que cursam as melhores instituições raramente vão de fato lecionar nos colégios, de forma que o pensamento ventilado, as novidades, as mudanças de percurso não chegam à ponta final, na escola, na sala de aula. E a própria graduação não prevê esse ensino em níveis de profundidade. Se o currículo flexível for adotado de fato, os cursos que formam professores também terão de mudar. E aí…