Skip to main content
Cultura

Para destorcer o nariz

        Palestra sobre arte contemporânea promete apresentar essa forma de expressão que depende fundamentalmente do entendimento do público

Um balanço de acrílico com mil alfinetes espetados no assento.

Um vídeo que espelha infinitas outras televisões.

Uma vaca partida ao meio dentro de um tanque de formol.

Não raro, diante de uma obra contemporânea, como as citadas acima (apenas alguns exemplos aleatórios e ilustrativos), quem visita uma exposição se mostra chocado, incomodado, descrente que aquilo seja, de fato, arte. No imaginário de parte significativa da população, dos admiradores de trabalhos artísticos, quadros e esculturas precisam ser bonitos – e ser belo para o senso comum significa, mais ou menos, repetir ou melhorar cenários e formas que se encontram no mundo real (a discussão conceitual é para lá de complexa, certamente). Cada traço, cada sombra, cada figura, cada cor deve ser fidelíssima e servir de enfeite, caso contrário – como os exemplos acima – pode soar como estranha e dispensável. É com certo incômodo que o museólogo e crítico de arte Antonio Santoro constata que, de certa forma, é isso mesmo que acontece. “A pessoa entende a arte tradicional, porque reconhece seus códigos, mas repudia a arte moderna e ainda mais a arte contemporânea, porque escapam dessas convenções”, explica.

Santoro, que é mestreem História da Artee professor dessa mesma disciplina no Centro Universitário Belas Artes, conta que a gente só gosta daquilo que compreende e, por uma falha no currículo escolar, ou por falta de estímulo mesmo, o que acontece é que as duas esferas mais recentes da arte, moderna e contemporânea, acabam sendo ilustres desconhecidas da maioria dos brasileiros. E, diante de tanto desconhecimento, a reação mais automática é o não gostar. Contudo, o professor não é nada pessimista diante dessa realidade. Muito pelo contrário. Por acreditar que a arte pode ser fruída por qualquer pessoa que se interesse é que ele virou professor, escreveu críticas para jornais e revistas, montou o primeiro serviço educativo na Bienal de São Paulo – com a anuência do conde Cicillo Matarazzo, idealizador da mostra – e replicou esse modelo para outros centros de cultura, como o Museu de Arte Sacra, por exemplo.

E pela mesma razão, Santoro ministra palestra no SINPRO-SP sobre arte contemporânea. “Não há nada que impeça alguém de conhecer arte contemporânea, de entender e de gostar. É uma questão de aprender a ler aquilo tudo, entender o contexto e se deixar levar por aquela experiência”, começa. A linha a ser seguida na palestra é a mesma que ele costuma propor nas aulas e nas visitas monitoradas nos museus. “Primeiro fazemos um panorama da arte ocidental, que pode ser dividida em três grandes grupos: a arte tradicional, que nasce na Grécia; a arte moderna, que se fortaleceu em fins do século 19; e a arte contemporânea, que explode nos anos 1960,1970”.

Aqui, segundo o educador, cabe explicar que a arte tradicional sempre buscou o belo, o perfeito, a partir de parâmetros bem rígidos. A experiência estética se dá pelo prazer de se defrontar com a estética do belo. No final do século 19, o mundo passava por transformações severas que desembocariam na Primeira Guerra Mundial (1914 – 1918). Nesse período emergem movimentos artísticos que não mais buscavam o belo, mas sim o choque, o espanto. Se na arte tradicional só quem reina são os artistas, para os modernos, qualquer um poderia fazer arte. Porque a busca já não era mais pela perfeição e sim por uma experiência estética incômoda, nova, “errada”, que se contrapunha à arte tradicional. “Os modernos presenteiam as pessoas com o direito legítimo de fazer arte. Qualquer pessoa pode alcançar o status de criador e isso é muito revolucionário”, lembra o crítico de arte. Por fim, chegamos à arte contemporânea. “Agora não é nem o belo ou perfeito, nem o feio ou comum. A experiência estética, a partir da arte contemporânea, está no entendimento da obra, e o entendimento é uma espécie de co-criação, co-autoria. Sem ela a obra não está completa, porque a fruição não se dá”, ensina Santoro.

A premissa por trás da explanação do professor da Belas Artes é que a arte cada vez mais vem descendo do pedestal e se aproximando dos comuns mortais – embora a maior parte das pessoas ache exatamente o contrário – e vai deixando para trás a bandeira de que só pode ser praticada e realizada por escolhidos encastelados. Segundo Santoro, é como se a arte contemporânea saísse do palco, ficasse bem acessível e, por fim, convidasse o público para dançar. E, uma vez tocado pela arte, “não tem volta. Os canais de sensibilidade não se fecham mais depois de abertos e, normalmente, quem mais torcia o nariz para a arte contemporânea é quem mais se identifica com ela”, comemora o professor. Nessa mesma linha, quando alguém percebe que entende de arte contemporânea e até assume que gosta dessa fruição, “o olhar muda, passamos a enxergar o mundo de uma maneira muito mais sensível, muito mais cheia de significados. Quem lê arte, lê qualquer coisa”.

A palestra é aberta para o público geral, ainda que seja mais voltada para professores de qualquer área e que dão aula para qualquer nível de ensino. A diferença é que um professor pode, além de se enriquecer com os conteúdos aprendidos, trabalhá-losem sala. Evale aula de qualquer disciplina: história, matemática, geometria, garante Santoro. Primeiro porque os conteúdos combinam (arte abstrata e geometria, história e produção cultural daquela época, e assim por diante); segundo, porque quanto mais entendido de arte o educador for, mais ele incentivará seus alunos a conhecerem quadros, esculturas, instalações, videoarte, etc… E, da mesma forma, o olhar do mestre se expande e começa a enxergar no mundo novas propostas de comunicação, de sensibilização, de fruição – e também o olho do aluno pode começar a entender e ressignificar o grafite, as intervenções urbanas, arte digital e etc, formas de expressão muito presentes na vida dos jovens e das cidades.

E atenção: não podemos falar em artistas contemporâneos brasileiros, ou argentinos, ou canadenses, ensina o crítico de arte da Associação Paulista dos Críticos de Arte (APCA), da Associação Brasileira dos Críticos de Arte (ABCA) e da Associação Internacional dos Críticos de Arte (AICA). “Falamos artista contemporâneo no Brasil, porque o artista contemporâneo é, por definição, um artista global, porque essa forma de expressão encontra linguagens mundiais, como games, internet, peças em 2D e em 3D”. E essa é outra razão para estudar arte contemporânea: o olhar local e o global caminham juntos, propondo uma estética passível de assimilação em Macau ou em Fortaleza, bem de acordo com o que se pratica em outras áreas.

Por fim, vale lembrar que este ano a cidade de São Paulo receberá a Bienal Internacional de Arte, e a maioria absoluta dos artistas que expõem naquele evento faz parte dessa vanguarda contemporânea. Compreendê-la com mais detalhes, portanto, significa poder passear pelos corredores do prédio da Bienal, no Parque do Ibirapuera, conhecendo mais as obras que estarão ali. Certamente será mais proveitoso e prazeroso.

 

 

 

 

 

 

 

One Comment

  • Djalma Barros disse:

    Pena que soube tardiamente desta palestra.Mas o importânte é a clareza que o assunto foi colocado.
    Para gostar de arte comtenporânea, de fato temos que abrir nossos canais e despir os preconceitos e saber que assim como a humanidade caminha a arte também toma novos rumos.Parabéns!! prof.Francisco Bicudo.

Comentários