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Destaque

Algo acontece em São Paulo, na #OcupaFernão

By 18/11/2015No Comments

Por Alceu Luís Castilho (@alceucastilho). Publicado originalmente em Outras Palavras, em 13 de novembro de 2015

O bandeirante está amordaçado. Mais exatamente, envolto em sacos de lixo, na Escola Estadual Fernão Dias Paes, em Pinheiros, uma das regiões mais antigas da cidade de São Paulo. A escola está ocupada desde terça-feira por estudantes secundaristas, que protestam contra a decisão do governo estadual de fechar 94 escolas no Estado, sob o eufemismo da “reorganização”.

A estátua de Fernão Dias Paes compõe um cenário singular na Rua Pedroso de Moraes, que leva o nome de outro bandeirante, “o terror dos índios”. Uma das duas faixas da avenida foi fechada para carros e outros estudantes passam o dia mobilizados, entoando palavras de ordem contra o governo, sob o som de uma bateria. Algo acontece em São Paulo entre a política e a estética.

A ideia de protestar também contra a estátua partiu dos indígenas que visitaram anteontem a ocupação. Eles protestaram contra a PEC 215, que manda para o Congresso o poder de demarcar terras indígenas. Os secundaristas têm sua pauta própria, mas apoiam. Ontem foi a vez das feministas, que saíram de ato contra Eduardo Cunha para prestigiar a ocupação. Os trabalhadores da Usiminas em Cubatão, em greve, também colocaram faixas de apoio.

GEOGRAFIA E MÍDIA

Ou seja, os movimentos sociais fazem reverência à iniciativa dos estudantes do ensino básico em São Paulo. E percebem que há ali sangue novo, uma tendência – a ponto de a quantidade de ocupações em escolas em São Paulo ter saltado para oito, nesta sexta-feira. A ocupação de uma escola em Diadema antecedeu a da Fernão, mas é esta a que causa mais repercussão midiática – pela localização.

“A escolha do local foi muito boa”, observava, às 11 horas, o professor Henrique Carneiro, do Departamento de História da Universidade de São Paulo. Ele foi lá com a família para prestigiar a ocupação. Nesse horário os estudantes já contavam 77 horas de ocupação. Enquanto falávamos do interesse de ativistas no evento (a ocupação tornou-se um evento), passou por ali o estudante e ativista Fábio Hideki.

Em 2014 ele foi preso pela polícia paulista, durante ação no Metrô. Muito embora seja conhecido por ser um militante pacífico. Ele defendeu as ocupações (“só marcaram audiência de conciliação por causa delas”), posou com seu indefectível capacete e pediu licença para receber os colegas do Sindicato dos Trabalhadores da USP, o Sintusp. Em alguns minutos os secundaristas ficavam eufóricos: “Está chegando mais gente”. Eram os trabalhadores.

E o movimento não parava. Em meio à disputa por um território (a manutenção dos espaços e instituições onde eles estudam atualmente), os manifestantes acabaram recriando o território da cidade, criando um ponto de encontro. “Decidimos em Assembleia que seria aqui por causa da visibilidade”, atesta Letícia Karen de Oliveira, de 15 anos, uma das que mais pegavam no microfone para passar instruções aos colegas.

Quer dizer, não exatamente no microfone. Porque os estudantes adotam a técnica do jogral, quando aquele que dá um recado fala pausadamente, para cada trecho (ou palavra) ser repetido pelos demais. Depois até chegou um som com microfone, mas o método da reverberação continuou sendo utilizado – pois o recurso reforça a união entre os manifestantes, o sentido de uma participação realmente coletiva. “Eles são maravilhosos”, derretia-se uma militante anarquista.

O CERCO POLICIAL

A condição de adolescentes dos manifestantes não impediu que a polícia paulista exibisse sua paranoia habitual. Toda a quadra do Fernão foi cercada com uma fita. Em alguns pontos só moradores passam – os policiais saem caçando quem ousar caminhar pela ruas laterais. “Estão enquadrando todo mundo”, confirma a atendente de uma hamburgueria que fica no local – e que vai fechar, nestes dias, por causa da situação.

A Justiça já determinou a reintegração de posse da escola “invadida por alunos”, como escreveu surrealmente a Folha. A polícia define-se sempre como cumpridora de obrigações, para tentar atenuar a fama de truculenta. Mas desta vez as instituições paulistas – sempre prontas a punir os mais pobres – levaram um xeque: será mesmo o caso de sair batendo em adolescentes que protestam contra o fechamento de escolas?

Segundo uma porta-voz da PM no local, a capitã Cibele, a polícia desta vez levará em conta que os manifestantes são adolescentes. Por isso, diz ela, não será rígida na interpretação de que precisa despejá-los “em 24 horas”, como consta da decisão judicial. E sim “a partir de 24 horas”. Ela faz questão de enfatizar a presença do Conselho Tutelar, e o fornecimento de comida, água e wi-fi para quem está lá dentro.

Os novos manifestantes são plugados. Mantêm um grupo no whatsapp, dentro da própria escola ocupada, e vão decidindo os próximos passos em assembleias. Uma das recomendações de uma liderança foi a de que compartilhassem as informações nas redes sociais, sob a hashtag #OcupaFernão. O movimento que já teve os caras-pintadas agora tem suas caras-plugadas.

Não houve tumultos nesta sexta-feira – ao contrário de quarta-feira, quando estudantes foram reprimidos com gás de pimenta. Os policiais pareciam orientados a ter mais paciência que o habitual. Muitas eram mulheres – tanto PMs como estudantes. Mesmo assim eram entoadas palavras de ordem contra a PM e a favor da desmilitarização das polícias no Brasil. Os policiais não disfarçavam o incômodo. Mas engoliam em seco.

MAIS APOIADORES

Após a hora do almoço a rua já estava bem mais cheia. E repleta de apoiadores bem mais velhos, dentro e fora do movimento estudantil. Os mais antigos tentam pautar os adolescentes conforme a orientação de seus partidos e instituições já consolidados. O coletivo Território Livre, por exemplo, distribuía panfletos que pregavam a escolha de uma quantidade de delegados, por escola ocupada.

Uma das militantes do Território Livre, grupo que põe ampla ênfase na necessidade de democracia direta, explicava que o coletivo não teria gente para colocar em todas as escolas. E por isso preferia dar dicas de empoderamento aos ocupantes, para que não sejam “cooptados” por movimentos estudantis de tendências mais burocratizantes, como aqueles mais ligados a partidos.

Grupos ligados ao PSOL e PSTU, por exemplo, especialmente o primeiro, disputam espaço político com o PT (cada vez mais tímido no movimento estudantil paulista) e o PCdoB – que controla há muito tempo a UNE e a UBES. Alguns militantes do PSOL – muito presente em outras ocupações – portavam bandeiras da entidade estudantil onde atuam, a Anel, e geraram mal estar na avenida.

“A UNE, a Ubes, a Umes não têm a mesma liberdade que temos”, disse à reportagem Eudes Cássio da Silva Oliveira, de 18 anos, uma das lideranças do movimento. Ele foi o porta-voz, hoje, de comunicado onde os estudantes reiteram que só vão sair das escolas após negociação no local com o secretário de Estado da Educação ou com o governador Geraldo Alckmin. “Para cada escola que desocupem ocuparemos quatro”, afirmou.

Eudes põe larga ênfase na necessidade de autonomia. Ele estuda no terceiro ano do ensino médio, na própria EE Fernão Dias Paes, e reclama da quantidade de alunos matriculados por sala: 44. Em agosto, durante todo o mês, estava tendo três aulas somente por dia, e não cinco, por causa da falta de professores. “Nossa pauta é estadual”, afirma. “Esse governo prefere fechar escolas a diminuir o número de alunos por sala”.

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