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Destaque

O ministro da Educação na berlinda

By 12/06/2015No Comments

Elisa Marconi e Francisco Bicudo

Na última segunda feira, 08 de junho, o convidado do programa Roda Viva, da TV Cultura, foi o ministro da Educação, Renato Janine Ribeiro. Professor de Ética e Filosofia da Universidade de São Paulo (USP), Janine assumiu a pasta há cerca de dois meses, depois que o então ministro Cid Gomes deixou o governo, por bater de frente com os deputados federais e, em especial, com o presidente da Câmara, Eduardo Cunha. O desafio do filósofo não é pequeno: melhorar os indicadores da educação em todos os níveis de ensino e transformar o slogan deste segundo governo Dilma Rousseff – “Brasil, pátria educadora” – em realidade mensurável. Apenas para exemplificar, o ministro precisa dar respostas em relação à redução do número de analfabetos – cerca de 13 milhões de brasileiros, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) -, passando pela implantação do ambicioso Plano Nacional da Educação (aprovado há um ano), até consolidar a subida de posições das universidades brasileiras nos rankings internacionais de avaliação.

O time convidado para entrevistar o ministro era formado por especialistas em educação, de um lado (a educadora Guiomar Melo e a socióloga Maria Helena de Castro); e jornalistas, do outro (João Gabriel de Lima, diretor de redação da revista Época, Fábio Takahashi, repórter da Folha de São Paulo, e Paulo Saldanha, repórter de O Estado de São Paulo). A questão que abriu o programa, feita pelo mediador Augusto Nunes, lembrou que o Brasil ocupa o 8oº lugar no mundo em quantidade de iletrados e que apenas cerca de 10% dos estudantes do ensino médio aprendem matemática adequadamente – percentual que chega a 25% em língua portuguesa. Como resolver esse quadro, considerando que R$ 9 bilhões  foram cortados do orçamento do Ministério da Educação no contingenciamento de verbas imposto pelo governo federal?

Janine respondeu que assumiu um slogan de trabalho, que nortearia as ações nos próximos anos. Segundo o ministro, pátria educadora, inclusive, não diz respeito apenas à educação formal e às ações do MEC, mas também à busca por um país em que os cidadãos, por serem mais educados, se respeitem, ou seja, uma pátria civilizadora. Sobre os índices, o ministro concorda que não são bons, mas defende que a educação básica está avançando e conta com muitos exemplos individuais de sucesso. “Eu gosto de destacar os exemplos positivos, porque quando a gente generaliza tudo pelo ruim, a gente inibe as ações, os estímulos. E, quando buscamos individualmente, há muitas escolas públicas bem administradas, com índices respeitáveis”, propõe.

O diretor de redação de Época indagou por que o Ministério não faz um plano de financiamento estudantil, como o FIES, para o ensino médio, para os pais colocarem seus filhos em boas escolas particulares. Janine voltou ao corte de orçamento. “Não temos dinheiro para pensar em algo assim e, mais do que isso, os países que optaram por algo semelhante, enfrentam uma enxurrada de críticas. O Chile, por exemplo, tem um sistema parecido. Não é empréstimo, é uma bolsa mesmo.  Mas me preocupa, por exemplo, o caráter elitista e discriminatório desse modelo”. E um possível financiamento para o ensino médio foi o gancho para o entrevistado entrar no assunto mais quente da noite. Janine anunciou em primeira mão que, apesar do corte no orçamento, o Fies será reaberto. “Ainda não sabemos os números nem a data, mas será reaberto. E vamos mudar alguns critérios. O corte de verba serve para afinar os instrumentos”, Ele completou: “primeiro, vamos baixar a renda familiar prioritária. Na última edição, estudantes com renda familiar até 20 salários mínimos eram contemplados. Agora vamos reduzir esse teto. É um programa social e isso precisa estar claro”. Além disso, três áreas de carreiras serão consideradas prioritárias: formação de professores, engenharias e carreiras da saúde. “Formação de professores é fundamental, ainda mais quando buscamos uma pátria educadora, precisamos incentivar. As engenharias ajudam a crescer a economia e a área de saúde também é estratégica”, justifica. Regiões Norte e Nordeste receberão atenção prioritária. Por fim, os cursos que tiveram notas mais altas, 4 e 5 pelo critério do MEC, também serão mais agraciados. Estudantes de outras áreas e de cursos com notas inferiores também terão vez, mas não estarão na frente da fila para a concessão de financiamento estudantil. Um pouco mais adiante, o presidente da Federação dos Professores do Estado de São Paulo (Fepesp), Celso Napolitano, enviou uma pergunta sobre o repasse do FIES para as instituições de ensino superior. O ministro respondeu que o Fies não se presta a sustentar instituições privadas, mas sim a financiar estudantes que precisam.

“Não dá para abrir mão do professor. É impossível educar sem ele. Mas também não basta aumentar salário. Precisamos investir na formação desse professor, melhorar os métodos, discutir currículo. É uma articulação das duas frentes”

A questão da qualidade de ensino voltou ao centro do Roda Viva. O ministro da Educação lembrou que essa é também uma responsabilidade dos estados e municípios, o que não isenta o governo federal de agir e se prontificar a ajudar, mas impede muitas vezes uma interferência direta. De acordo com Janine, no entanto, o problema maior do ensino médio é a evasão. Seja por desinteresse do aluno, seja por necessidade de trabalhar para ajudar a família. De qualquer forma, é preciso repensar a estrutura dessa fase, para que ela interesse e retenha o aluno ali. “A Base Nacional é uma discussão que vai nesse sentido. Nossa ideia é propor e a escola entrar por adesão, nunca por imposição. E o que a gente já sabe que funciona é o diálogo entre as disciplinas”, antecipa o ministro. A conversa seguiu nesse rumo. As educadoras-entrevistadoras se queixaram de que o ensino médio ficou amarrado por causa do Exame Nacional do Ensino Médio e que os professores não são formados para interligar os saberes. Janine reforçou que o Enem é um instrumento muito sofisticado, que tende mais à reflexão que à checagem de conteúdos, mas que segue em discussão para se aprimorar. Sobre a formação de professores, o titular da educação concordou que é preciso uma estrutura de curso diferente, que interligue os saberes e que coloque o futuro educador nas salas de aula, para treinar. No entanto, levantou um ponto que pouco se discute quando o assunto é política educacional: a formação dos gestores das unidades de ensino, dos diretores. O ministro afirmou que o MEC está bastante empenhado em garantir a formação de bons diretores, que administrem não só os conteúdos e as questões curriculares, mas também os conflitos, os projetos e o que for característico da sua unidade. “É nosso projeto principal, a formação do diretor que lecione, que esteja em sala de aula”, defendeu, explicando que esse gestor será o elo para a multiplicação das diretrizes do Plano Nacional de Educação e da Base Curricular Nacional.

Questionado sobre a implantação do PNE e da Base Nacional, Janine reforçou que o Plano é uma lei ambiciosa, aprovada em junho passado, elaborada em conjunto com a sociedade brasileira. Está na fase de discussão estadual e municipal e que tem de ser implantado até o ano que vem. Antes que se aprofundasse nesse assunto, Augusto Nunes perguntou sobre o salário dos professores: “É possível viver com um salário desses?”. O ministro reconheceu que é baixo, que precisa melhorar. E que valorizar o professor passa necessariamente por subir o salário. Entretanto, corrige duas percepções opostas e equivocadas. Ele disse que há quem defenda que é possível melhorar a educação apenas adotando novos métodos de ensino e currículos modernos, prescindindo da figura do professor. Há ainda quem pense o contrário, que basta elevar o salário e tudo se resolverá por ato contínuo. “Não dá para abrir mão do professor. É impossível educar sem ele. Mas também não basta aumentar salário. Precisamos investir na formação desse professor, melhorar os métodos, discutir currículo. É uma articulação das duas frentes”, sugeriu. Algo parecido apareceu quando Janine deu sua opinião sobre o programa de bônus para professores. “O dinheiro é bom e devemos premiar o esforço de cada educador, mas acredito que a concorrência pura não é boa para a educação. Concorrência com colaboração, como nas instituições de pesquisa, para melhorar os níveis individuais e das escolas”, sugeriu.

O desafio do filósofo não é pequeno: melhorar os indicadores da educação em todos os níveis de ensino e transformar o slogan deste segundo governo Dilma Rousseff – “Brasil, pátria educadora” – em realidade mensurável.

Neste ponto da entrevista, Janine lançou mão de sua formação em Filosofia e discorreu sobre uma questão nevrálgica, provocado por pergunta sobre as acusações relativas à corrupção envolvendo o Partido dos Trabalhadores, que historicamente ganhou espaço trazendo para si a alcunha de defensor da ética. O filósofo lembrou que vem escrevendo sobre isso há bastante tempo e mesmo antes de ser ministro. “Antiético, na minha opinião, é conviver por mais de 500 anos com a miséria e a desigualdade que esse país impunha a seus cidadãos. Isso está mudando. Escandaloso é conviver harmoniosamente com isso por tanto tempo”, respondeu. Os entrevistadores insistiram: reduzir a desigualdade dá o passaporte para roubar, para praticar corrupção? “De jeito nenhum e eu não disse isso. O que digo é que não se pode usar a corrupção para atacar um único partido. A miséria e a desigualdade essas sim são escandalosas”, pontuou.

Na mesma linha, o ministro se opõe ao debate público acirrado, mas de baixa qualidade, em boa parte proposto pela mídia, para explicar o Brasil de hoje. Não porque o debate seja ruim, pelo contrário. “Debater é ótimo para um país democrático”, afirmou, “mas porque precisamos melhorar a qualidade do debate”. Na visão dele, nesse aspecto, educação e democracia se aproximam. “A democracia permite que você tenha, no mínimo, duas opções, dois projetos, duas ideias para debater. A educação fornece justamente os argumentos, os números, as bases para a discussão ter melhor qualidade”. A História não explicaria o acirramento dos embates, portanto, mas sim a falta de educação no sentido mais amplo da expressão. Ele encerrou sua participação retomando e defendendo a ideia de Pátria Educadora, aquela que possibilita as condições para que se respeite o outro em todas as frentes.

Assista ao vídeo do programa completo abaixo:

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